sábado, 30 de dezembro de 2023
Provérbio provado rimado - MCCXLII
Provérbio provado rimado - MCCXLI
Deixa que te diga irmão
Não há arte sem solidão
De igual forma a beleza
Só existe irmã da tristeza
Desejamos mais evasões
No meio das multidões
Tememos a rota marcada
E uma vida assegurada
Transpomos várias fronteiras
Contendo imensas barreiras
Para depois no fim aportar
Ao que ainda não é um lar
Que a casa mais bem mobiliada
Não é a que está enfeitada
É a que exibe a substância
A isso atribui importância
Se há muros desalinhados
E alicerces mal encaixados
É que tudo é uma passagem
E a vida tão curta viagem
Interioriza um let it be
Que seja mais fácil para ti
Tomando sem desatino
O que se afigura destino
Enquanto quiseres controlar
O que está em cada lugar
É normal que tu te melindres
Se do teu ego não prescindes
Se o tempo se tornar voraz
Fuma então o cachimbo da paz
Vai com menos sede ao pote
Para não andares num virote
Provérbio provado rimado - MCCXL
Senti-me feliz e completa
Na nossa noite secreta
Foi de tal forma o prazer
É escusado esconder
A cena foi toda perfeita
Fiquei muito satisfeita
E até faço a denúncia
Que adoro a tua pronúncia
Queria pegar no telefone
Ou talvez num megafone
E aos quatro ventos gritar
Que me estou a apaixonar
Provérbio provado rimado - MCCXXXIX
quarta-feira, 20 de dezembro de 2023
Provérbio provado acautelado
sexta-feira, 8 de dezembro de 2023
Provérbio provado cantado
Provérbio provado rimado -MCCXXXVIII
O Rui é daqueles feios
Que mais parecem um bode
Por isso tem tantos rodeios
Não sai de cima nem pode
A falta de auto-estima
Nota-se bem à distância
Por isso o Rui se lastima
Que não lhe dão importância
Enquanto só se queixar
Da sua falta de encanto
A coisa vai descambar
E fica lavado num pranto
Provérbio provado rimado - MCCXXXVII
Mais alto e mais além
Pede a mão do poeta
Mesmo sem ter um vintém
Pra mandar cantar o cegueta
No fundo é pobre coitado
Come as cascas do tremoço
E só não anda definhado
Porque a mãe lhe dá o almoço
As roupas que ele veste
Foi preço que negociou
Numa feira do Oeste
Plo menos não as roubou
Tem sempre aquele ar
Tão único e descuidado
As meias não andam em par
E está podre o seu calçado
O dedo grande do pé
Espreita o sol lá de fora
E cheira tanto a chulé
Que os demais vão embora
Tem pinta de cientista
Detendo um canudo falso
Ou pode parecer um turista
Daqueles de pé-descalço
Provérbio provado rimado - MCCXXXVI
Eu escrevo de alma na mão
Não uso toalha ou roupão
O meu verso está ao léu
Não faço grande escarcéu
Mas eu vejo outros poetas
Escrevendo só duas tretas
E são logo muito louvados
Pelos demais considerados
Eu não quero ser invejosa
Prefiro ser mais talentosa
E não ter o ar sobranceiro
Do aprendiz de feiticeiro
Provérbio provado num verso branco - CXXXV
Provérbio provado rimado - MCCXXXIV
Hoje foi tão difícil o dia
Começou desde cedo a abrir
Quando a colega com azia
Começou a tentar-me oprimir
Mandei-lhe dois berros ou três
Logo a discussão estalou
Porque a gaja na sua vez
Também assim não se calou
E a noite cheinha de mágoa
Apesar de dela não ser fã
Ainda tenho a cabeça em água
Mas só até ser de manhã
Provérbio provado rimado - MCCXXXIII
Enquanto houver língua e dedo
Nada ao João mete medo
Porque com cuspe e jeito
Nenhum buraco é estreito
Por isso ele é gabarola
Parece maluco da tola
Vaidoso mas porém vai treze
Desde que ninguém o despreze
Provérbio provado rimado - MCCXXXII
Tarefa que não dá em nada
É bater punhetas a grilos
Pode ser descabimentada
Seja por chefes ou pupilos
Há outra tarefa semelhante
Que é no bolso jogar bilhar
E até pode ser humilhante
Não ter mais onde o jogar
É pois tarefa solitária
Esse jogo de um para um
E também assaz sedentária
Mais valia um copo de rum
quarta-feira, 6 de dezembro de 2023
Provérbio provado calçado
terça-feira, 5 de dezembro de 2023
Provérbio provado rimado - MCCXXXI
Provérbio provado rimado - MCCXXX
Provérbio provado dissimulado - II
Provérbio provado rimado - MCCXXIX
A Nádia vive receosa
Que alguém lhe roube o lugar
Por isso está desejosa
De ver esse alguém tropeçar
Enquanto vem volta e tropeça
À parte as tarefas urgem
Só faz filmes na sua cabeça
Cheia de ressaibo e ferrugem
Nem é preciso que preguem
À Nádia uma patifaria
Basta que apenas escorreguem
Para logo ficar com azia
Uma vez que vai insistindo
Sempre aos outros retaliar
O mal que ela faz sorrindo
Há-de pagar a chorar
domingo, 3 de dezembro de 2023
Provérbio provado desvalorizado
Já haviam mencionado o caso inúmeras vezes ao presidente da Junta. Ele que sim, que sim, que quando a verba fosse cabimentada, só que afinal não, não se percebia do que estava à espera. Talvez esperasse mais alguns feridos, eventualmente graves, condenados a uma eterna cadeira de rodas, quiçá - e aqui seja o diabo cego, surdo e mudo - uma vítima mortal que fizesse dobrar os sinos e enchesse o cemitério camarário de vivos apreensivos.
Pois se até tinha virado o bico ao prego nas últimas eleições, aliando-se aos seus antigos opositores, quando as sondagens não lhe foram favoráveis! Se nessa altura movera mundos e fundos a fim de manter o poleiro, porque atrasava agora a construção de uma rotunda com semáforos devidamente iluminados ou, quando muito, um conjunto de lombas que fizesse os carros abrandar?
Como estava é que não podia continuar: aquele cruzamento era tão perigoso que engordava as estatísticas do atropelamento local, desafiando a lei das probabilidades. As mães, receosas, não permitiam que os filhos fossem a pé para a escola. As bicicletas contornavam o problema e iam à volta pela Tapada. As velhotas que viviam perto persignavam-se ao menor chiar de pneus. Todos lá na vila viviam angustiados antecipando o despiste iminente.
Só o Zé Mau não se ralava. Com o olhar vidrado posto muito lá adiante, calcorreava alamedas e estradas, só parando para aliviar a bexiga atrás de alguma moita. Diariamente, percorria quilómetros a fio com as suas pernitas delgadas. Não é que o Zé Mau fosse realmente mau: era tão só o doido oficial da terra, ninguém sabia muito bem quem lhe botara tal alcunha.
Numa tarde de Outubro, uma daquelas tardes de precipitação miudinha que tornam escorregadios os pavimentos, quando andava o Zé Mau nas suas deambulações com a cara salpicada daquela chuva molha-parvos, veio um carro travar-lhe aos pés numa chinfrineira de impor respeito. Felizmente não lhe beliscou nem um centímetro de pele. A Dona Clotilde, cuja casa era paredes meias ao cruzamento, assomou de imediato ao postigo num misto de reza e aflição:
- Ó Zé, o qué c'houve?
- É uma hortaliça.
- Nem tudo o que a gente ouve, houve
Provérbio provado num verso branco - CXXXIV
Avançamos pela vida sem rasgo nem deslumbre
No lugar do morto em piloto automático
Atravessando os instantes em câmera lenta
Cada vez mais ignorantes a cada jornada
Esquecidos de que o tempo é um barco veloz
Cujo instinto é engolir a espuma das ondas
Meio cego imprevidente e impaciente
Esse amor-próprio é próprio do tempo
Pasmados de céu e do vaguear das nuvens
Acostumados à medida do relógio
Distorcemos a compreensão temporal
Numa realidade composta de matéria
Onde o que vemos e tocamos se faz lei
Sendo assim o tempo a dimensão da mente
Mas tantas vezes o ontem foi igual há um ano
E o ano passado tal como há dez e há vinte
Quando enfim despertamos já passou
Um intervalo em que acordados adormecemos
Não o futuro não se compadece da imobilidade
O acaso é um caso breve e talvez raro
E a vida de tão fugaz torna-se quase gigante
O dia de amanhã só nos pertence amanhã
O dia de amanhã ainda ninguém viu
Provérbio provado rimado - MCCXXVIII
Com mais um Natal à porta
Não saí da cepa torta
Os presentes quis comprar
E o subsídio sem esticar
Este ano já promete
Novamente se repete
Só que depois no final
Não há presente ideal
Ou já tinha ou vai trocar
Sem intenção considerar
Não foi decisão esperta
A escolha de cada oferta
O melhor da situação
É a família em união
Porque mais que receber
É podermos conviver
O espírito natalício
À partilha é propício
E os Natais de criança
Ficam sempre na lembrança
Como ver na televisão
O Música no coração
Faz parte desse programa
Antes de ir deitar na cama
O bacalhau e o borrego
Tiram ao estômago sossego
E comer bombons com fúria
Demonstra alguma incúria
Depois de tanto enfardar
Resta apenas constatar
Com um semblante tão triste
Que o Pai Natal não existe
Se crês que estou a mentir
Vais tu mesmo descobrir
Que não adianta afinal
Acreditar no Pai Natal
Provérbio provado rimado - MCCXXVII
Noutro tempo a fidalguia
Era muito considerada
Detinha uma freguesia
Por muros bem rodeada
Mas os costumes em queda
Cada classe confundiram
E não há quem interceda
Para que mais interfiram
Que os fidalgos já não são
Pessoas muito decentes
Têm de aço o coração
E moedas entre os dentes
Terminou pois a tutela
Ninguém quer ser aprendiz
Fidalgos de meia-tigela
Trazem honra no nariz
quinta-feira, 30 de novembro de 2023
Provérbio provado rimado - MCCXXVI
Sinto que tens uma amante
Nalguma terra distante
Já que és tão indiferente
Ao que me faria contente
Ou então amantes são duas
Vivendo bem perto das ruas
Que levam ao teu coração
Sem descartar a tesão
Amantes talvez sejam três
Que tu visitas à vez
Enquanto eu fico pra trás
Fui só um instante fugaz
Assim só resta concluir
Que não adianta coagir
Porque se não estás na minha
Mais vale que fique sozinha
Provérbio provado rimado - MCCXXV
Quando chegas acompanhado
Porque estás de vinho entornado
Que bebeste como aperitivo
E te pôs assim reactivo
Se em estado de embriaguez
Te comportas como más rês
Ficas bravo e tão quezilento
Que te podes tornar violento
Vê se aprendes de vez a lição
Antes que decretem punição
Sempre que já não estejas sozinho
Convence-te que tens mau vinho
Provérbio provado rimado - MCCXXIV
Naquele céu de cometas
Tu és uma estrela escondida
Não me achas convencida
Prescindes de dizer tretas
Não te pões em bicos de pés
Enquanto a conversa manténs
A piada fácil susténs
Sem convites para cafés
Pareces ter humildade
Sem ser disso orgulhoso
Também não te acho vaidoso
Nem que tenhas má vontade
Já sabes que nada procuro
Sem narrativa alinhada
E por eu não esperar nada
É que podemos ter futuro
Provérbio provado num verso branco - CXXXIII
O diálogo com o espelho pode ser
Mais ou menos proveitoso na medida
Da profundidade do lago em que Narciso se debruça
Pode inclusive ser uma conversa de surdos
Pode ser o silêncio maior do que o pensamento
Ser o silêncio que inaugura conceitos sem contexto
Mas todo o solilóquio precisa de contradição
Faz falta um interlocutor que retire lógica às perguntas
E possa compartir a mesma solidão em conjunto
Que nesse instante de descoberta do outro
Consigamos calar mais e escutar em dobro
Por isso temos dois ouvidos e apenas uma boca
Provérbio provado num verso branco - CXXXII
Com mais ganas de abraçar mais imprevisto
Alimento-me de acasos indigestos
Que findam inevitavelmente em azia
Não há um menu cujos pratos evitar
Não há guião prévio com ensaio de passos
Esta ausência de uma reflexão séria
Faz-me aluada contudo enluarada
Por não existir um contrapeso para as coisas feitas
Em cima do joelho com meia bola e força
Provérbio provado rimado - MCCXXIII
Tu põe-te a pau ó Marina
Tem calma e não vires bicho
Não fora esse olhar menina
Já estavas ao lado do lixo
Se a perna te querem passar
Ensaia tu uma rasteira
Que seja outro a tropeçar
Não sejas tu a primeira
Abre a pestana bem viva
Arranca e não faças pó
Quem te considera esquiva
É apenas digno de dó
terça-feira, 28 de novembro de 2023
Provérbio provado para um jogo programado
Só é bom esperar se for para conseguir, pois quem não obtém mais paciência não tem. E o caso é arquivado se não flui como o esperado.
Mais se adverte a quem provérbios for procurar sobre o acto de esperar: estes três não irá encontrar. Porque afinal cada ponteiro é que pode contar quanto tempo lhe custa a espera. Na vida e no relógio, o das horas tem o pavio mais curto e só se movimenta quando a mudança é de monta. Já o que indica os minutos, esse vai a todas: curioso e enxuto, todo se estica para adivinhar qual a medida do calendário.
Se é verdade que quem espera desespera, também está escrito que quem espera sempre alcança. Em que ficamos então? Há que primeiro desesperar para lograr depois alcançar? É bem provável, uma vez que a paciência é uma virtude e, atendendo a que no meio é que está qualquer virtude, por conseguinte no meio de muita paciência a virtude é um meio termo. O que só vem sustentar que tanto paciência tal como virtude e espera não passam de intenções.
Somente o acto de arriscar permite vigiar o curso da vida. E ter a perna mais comprida para compensar certos passos de gigante. Porque, de quando em vez, há ciclos de solavancos e marés desordenadas. E os oráculos falham que se fartam, principalmente a quem presume que nunca fracturam.
Quem não arrisca não petisca e sem exposição à sorte, seja esta da boa ou má cepa, não se pode contar ganhar um jogo. Assim como não há aventura sem arrojo, não se ganha a lotaria sem primeiro comprar a cautela. Assim sendo, não convém
- Jogar com os trunfos todos na mão
Provérbio provado rimado - MCCXXII
Quem já viu a treva percebe a luz
Distinta da que um mecanismo produz
Tão parecidas a luz e a imitação
Contêm-se a si e à escuridão
A luz com marcas de sujidade
Retina de quem atravessa a idade
Sabendo que a reputação lhe falhou
Mas com tal questão pouco se importou
Se cego pior é o que teima em não ver
Tão complicado será compreender
Qual das mentiras é a verdadeira
Se do excesso de luz nasce a cegueira
sábado, 25 de novembro de 2023
Provérbio provado rimado - MCCXXI
És um idiota chapado
E um palerma encartado
Está mesmo na tua hora
Baza daqui para fora
O teu tipo de assédio
Já não tem mais remédio
Sai sem fazeres alarde
Acredita que já vais tarde
Provérbio provado rimado - MCCXX
O meu nome é Margarida
E sou muito pouco constante
Nuns dias sou muito querida
Noutros sou mais beligerante
O meu apelido é Batista
Pois o pê ao nome tiraram
Sou uma espécie de artista
Cujos versos não se publicaram
Às vezes eu ainda espero
Uns centímetros de prateleira
Mas depois logo desespero
Por estar na gaveta derradeira
Por isso mais poemas faço
Para ir aumentando o rol
Que um dia me dê esse espaço
Um merecido lugar ao sol
Onde possa da escrita viver
Com esse tom que me define
O meu maior sonho é escrever
Até que qualquer dia me fine
Provérbio provado rimado - MCCXIX
Se queres conhecer o vilão
Põe-lhe uma vara na mão
Que com um bocado de jeito
Logo dela abusa a preceito
Dá-lhe um cargo de importância
Onde possa falar com jactância
Onde cheio de autoridade
Possa comandar à vontade
Onde possa sem mais ordenar
Sem ninguém que o vá contestar
Qualquer frase que diz fica lei
Como em se tratando de um rei
Esse vilãozinho caseiro
Tem um certo ar altaneiro
Que no fundo lhe foi emprestado
Por lhe terem muita corda dado
E então já não podem dizer
Que lhe foi negado poder
Inchou tanto que um dia rebenta
De enfarte antes dos sessenta
sábado, 18 de novembro de 2023
Provérbio provado despropositado
A Eunice até era boa pessoa: tinha bom fundo, melhores intenções e o conselho certo para cada chapéu. Sabia muito bem o que o interlocutor desejava ouvir e calçava como uma luva o papel do chinelo roto. Do outro lado, o pé descalço sentia-se confortado, concordando com a Eunice embevecido.
O problema era outro. E era grande. Do alto do seu metro e setenta e tal e formas bem arredondadas, o problema era grande. A Eunice era a pior colega de sempre, não cooperando em nenhuma das tarefas que lhe propunham.
Pedir ajuda à Eunice? Era para esquecer. Precisar que fosse buscar algo? Mais valia dar corda aos sapatos. Realizar qualquer ocupação a quatro mãos? Ela não mexia uma palha e ainda ficava com os louros. Sim, porque a Eunice gostava de fazer bonito com o trabalho dos outros.
Não dava para concluir se era burra ou apenas calona, só se percebia que não estava disposta a dar ordem de marcha aos neurónios. E, tal como quem menos dedos tem na testa, tinha a mania que era sabichona. Que sabia muito da poda. Sempre que pigarreava para botar alto a faladura, dava mesmo vontade de se lhe soprar: Cala-te lá, Eunice, cada vez te enterras mais...
Ela não tinha caído no caldeirão, mas cagava cada sentença com toda a pujança de que era capaz. Era tal a entoação estudada que emprestava à voz que se achava até competente para ensinar a missa ao próprio padre.
A Eunice, lá no seu fantasioso mundinho, ainda estava à espera da promoção que injustamente lhe fora sonegada. Ainda à espera, porém sentada. Havia tentado vários concursos para outros postos de trabalho mas nunca tinha ficado colocada em nenhuma das opções; com grande pesar seu não era seleccionada. Então tinha de aguentar este emprego mal pago. Este emprego, sim, porque não era verdadeiramente um trabalho. Tendo em conta esse factor, a Eunice até nem auferia pouco, uma vez que o esforço que lhe dedicava era nulo.
Umas colegas chegavam, outras partiam. Partiam por fim para a ansiada reforma ou na direcção de outras colocações. A Eunice não sabia o que fazer a tanto ressaibo. Por isso mandava bocas parvas. Tentava denegrir as competências alheias. Enchia o peito de ar em presença de um bigode grosso.
Numa certa ocasião em que se dava mais uma troca de cadeiras, lá ia dando as boas-vindas de um lado e desejando muita sorte do outro a quem progredia na carreira. E, apesar de não ser sequer capaz de suster uma cabeça de alfinete, a Eunice fez o seguinte comentário para a geral: Umas vão e outras vêm e cá fico eu a
- Segurar as pontas
Provérbio provado rimado - MCCXVIII
Uma queda não é uma falha
Mas ficar caído é fracasso
Sem mexer sequer uma palha
Não deslocar perna nem braço
Ter preguiça até para dormir
Querer dado e arregaçado
São desculpas para não prosseguir
Enquanto se renega o passado
Provérbio provado rimado - MCCXVII
Ele é esperto que nem um alho
Seja em lazer ou trabalho
Passa a perna com facilidade
A qualquer mediocridade
Está sempre bastante à frente
Da turminha do suficiente
E consegue assim distinguir
Um problema ao longe a surgir
Por tão bem saber antever
O que outros terão de aprender
Deram-lhe uma medalha de esperto
E quiseram mantê-lo por perto
Mas então ele não rejubila
Que se metam os espertos na fila
Ele ser inteligente prefere
E mais tarde verá se confere
Espertos também dizem dos cães
E não só dos pastores alemães
Que só com olfacto e visão
Tomam bem qualquer decisão
Assim é a esperteza canina
Muito sábia e não alucina
Ultrapassa a esperteza saloia
Que entra logo em paranóia
Provérbio provado rimado - MCCXVI
Sempre que há falso amigo
Se diz que provém de Peniche
É expressão que o põe de castigo
Quando deveria ser fixe
É um amigo enganador
De uma onça brava às pintas
Por isso até faz um favor
Que se esteja assim tão nas tintas
Provérbio provado rimado - MCCXV
Se podes olhar então vê
Assim vendo irás reparar
Que o que toda a gente crê
À primeira é capaz de enganar
Pois olhar por cima dos ombros
Não é ver com olhos de ver
Há arco-íris nos escombros
Apesar de ele ali se esconder
Provérbio provado num verso branco - CXXXI
O gesto que fecha a pedra na mão antes do impulso
Acompanha desde logo a gestação da polémica
Antecedendo a discussão de onde há-de nascer a luz
Nenhuma discussão se iguala ao breu
Essa acção já contém uma atitude provocatória
Que induz em linha recta uma alteração
Pedrada no charco para agitar as águas
Interromper a longa sesta dos acomodados
Para que assistam ao cortar de fita
Que inaugura mais um solavanco evolutivo
Provérbio provado rimado - MCCXIV
Sempre de si está tão cheio
Tão imenso e tão superior
Que quando se vê bem no meio
Do povo se acha o maior
Divide as gentes em partes
Por níveis intelectuais
Conforme são as suas artes
Alguns são fenomenais
O que transmite mais calma
A quem só com ele priva
É contentar-se-lhe a alma
Com a energia positiva
Imagina ser muito imitado
E que de invejas é alvo
Mas crê ser jamais igualado
Até ser velhinho e calvo
Lá do alto do seu patamar
Onde o próprio se colocou
Sente-se quase a planar
Por cima de quem o louvou
Quem tem a sorte macaca
De lhe impressionar a retina
Pois guarde na liga a faca
Já crente de que o fascina
Carrega um rei na barriga
E é longo o dito reinado
Com tanta mania antiga
Um dia é posto de lado
Largado numa prateleira
Sem poder obter exposição
Esquecido da dianteira
Aceita qualquer solução
sábado, 11 de novembro de 2023
Provérbio provado rimado - MCCXIII
Tem seis dedos em cada mão
E nos olhos três cataratas
Além disso também é anão
Com um tique autista nas datas
Quando ele passa na rua
Evitam olhá-lo de frente
E a verdade nua e crua
É que isso lhe é indiferente
Porque já está habituado
À sua figura invulgar
Desse modo não fica agastado
Pelo esforço para o evitar
Como naquele filme o corcunda
De quem os transeuntes fugiam
Mas depois na vez segunda
Acalmavam e não se afligiam
Com esta ditadura do belo
É muito difícil para os feios
Para quem o espelho é flagelo
Que não lhes ampara os anseios
E então e ao fim e ao cabo
Embora dessa imagem ressintam
Até nem sempre o próprio diabo
É tão feio como alguns pintam
Provérbio provado rimado - MCCXII
São ideias em catadupa
Sem que precise de lupa
É uma miríade tal
Não resta nada no final
E são tantas a erigir
Que terão de então colidir
Porque vivem a saltitar
Só servem para atrapalhar
Porque não são firmes e fortes
Tendo alicerce e suportes?
Porque nelas não tenho certeza
E não deito as cartas na mesa?
No fundo o que eu receio
É expor-me ao olhar alheio
Porque sempre alguém há-de vir
Apontar o dedo a seguir
Provérbio provado rimado - MCCXI
Eu escrevo porque não posso
Mudar realmente o mundo
Ou eu seria um colosso
Seria grave e profundo
Assim cá ando a anhar
Matando piolhos na boina
Sou bom é para disfarçar
Mas sou de facto um estroina
Por norma estou distraído
E não me agarro a ideias
Se o momento é repetido
Descarto-as às mancheias
Então vou desenrascando
Com a minha cabeça de vento
Assim vou o tempo matando
Enquanto durmo ao relento
Provérbio provado rimado - MCCX
Provérbio provado rimado - MCCIX
És uma ave nocturna
De dia andas taciturna
Só quando se põe o sol
É que largas o lençol
É nesses momentos fugazes
Que sentes impulsos audazes
E renasces como se fosses
Esconder na mala mais doces
É este teu grande segredo
Que chega até a dar medo
Pois de dia só vives morta
Tens encerrada a porta
Quem a ti quiser chegar
Terá de então a arrombar
A porta é forte e tão alta
Que nem ter chave faz falta
À sua volta há muros
Erguidos por motivos duros
A decepção não devia
Originar essa azia
São enormes os entraves
De cada vez são mais graves
Promoves assim tal distância
Que chega a parecer petulância
Aconselho que não te escondas
Que evites fazer mais ondas
E então páres de contestar
Que à ribalta queres chegar
Já que achas lá bem no fundo
Que é todo para ti o mundo
É de noite quando em contraluz
Que esse todo mais te seduz
sábado, 4 de novembro de 2023
Provérbio provado rimado - MCCVIII
Duas horas de viagem
Do Artur me separam
Logo construo uma imagem
E as ideias não param
Vejo-me sobre carris
A ir ao seu encontro
E chegarei lá feliz
Com a vontade no ponto
Como será esse instante
Quando os olhos toparem
Que é momento importante
Para as bocas se beijarem?
Provérbio provado rimado - MCCVII
Só um verbo é o fazer
Já são dois para quem quer
Ver de frente amiúde
No que dá uma atitude
Se apenas fica à espera
Do que o outro considera
Nunca mais se passa nada
A coisa sai bem furada
Há tantos verbos caducos
Que não servem aos malucos
Que proferem sem pensar
O que a gana lhes mostrar
Por isso tu nada temas
Não receies mais problemas
Abre a boca e vai disto
Eu prometo Evaristo
sexta-feira, 3 de novembro de 2023
Provérbio provado rimado - MCCVI
Quem eu quero não me quer
Porém tenho onde escolher
Outro provável parceiro
Que se dê todo inteiro
É uma oferta tamanha
Que parece coisa estranha
De facto não dou vazão
A toda essa atenção
Em tendo assim ao dispor
Essa vontade de calor
A dúvida logo me assola
E desconfio da esmola
Assim não me posso queixar
Tenho sempre de jantar
Mas se um dia não houver pão
Até as migalhas vão
Provérbio provado rimado - MCCV
Pergunta que deixa à nora
Por querer simular mocidade
Diz-se que a uma senhora
Não se pergunta a idade
Mas porque é que será
Que não querem assumir?
Pois o rosto enfim falará
Não vale a pena mentir
E se tiver rugas a mais
É caso pra desconfiar
Terá de dizer que os tais
Trinta e tal eram a brincar
Provérbio provado rimado - MCCIV
Provérbio provado rimado - MCCIII
Só no fim há a certeza
Do que já foi adivinha
À mistura com a surpresa
Do que aí se avizinha
Deixa uma dose de acaso
Não planeies com afinco
Pois isso pode dar azo
À imposição de um trinco
Para saber o que virá
Enquanto o carrossel gira
Sem aviso a vida dá
Sem aviso a vida tira
Logo não são necessários
Tantos planos tantas metas
Já que os actos arbitrários
Podem ter várias facetas
Provérbio provado dispensado
Só pode ser a sua carência gigante que o denuncia. Elas percebem instintivamente que algo ali não bate certo. Percebem que nem toda a dedicação da mais desinteressada, nem todo o desvelo que não cobra, nem toda a companhia aconselhando em silêncio são passíveis de colmatar tamanha necessidade de atenção. É tanta a sede ao pote que a torneira se contorce em pose de greve.
Ele teima em ignorar todos os alertas e pratica um assédio de rosto lavado. Atencioso e prestável, mas que não deixa de ser assédio. Fica facilmente agastado quando elas cortam a comunicação. E elas acabam sempre por trancar as vias de acesso porque se fartam dele. É fácil acontecer: ele torna-se numa autêntica lapa, daquelas com super cola nas ventosas. Ainda não está a mesa posta, já ele vai dispondo as cartas por cima. Com exagerada sinceridade, excesso de confidências, uma desmesusada franqueza para uma confiança que não acontece, que ele não repara que não está a acontecer. Quer que elas engulam de chofre uma soma de características suas, maís ou menos evidentes, que põe de imediato a descoberto. Envia mensagens em catadupa, faz telefonemas a horas descabidas, em suma cada vez se enterra mais.
Com a crescente indiferença a que é votado, é atacado pelo ressaibo com laivos de agressividade passiva. Crendo que o descartam por sobreviver com um magro subsídio de desemprego, insulta-as, agrega-as numa massa indistinta de caçadoras de fortunas, criaturas fúteis que apenas ambicionam luxo.
O que acontece invariavelmente é que deixam de lhe responder, passando a ignorá-lo mudamente, à espera que ele se toque e desista de vez. Nenhuma tem a coragem de lhe dar um vivo chega-para-lá, de lhe dizer abertamente que é um chato de galochas, de lhe sugerir que vá mas é dar uma chuveirada ao cão ou de lhe atirar com a famosa expressão:
- E se fosses ver se eu estou ali na esquina?
Provérbio provado rimado - MCCII
A bondade simulada
Acaba por ser mais nociva
Que a maldade destapada
À qual falta iniciativa
Pois esse tipo de bondade
Que se benze e choraminga
É toda ela falsidade
E de simulacro respinga
É maldade com muito requinte
Dando um passo dianteiro
E esse actor por conseguinte
É um lobo em pele de cordeiro
quinta-feira, 2 de novembro de 2023
Provérbio provado rimado - MCCI
Já estava a achar muita fruta
Que não acusasses o toque
Porque tu és deveras astuta
E queres levar-me a reboque
A tua maior intenção
É fazer sempre boa figura
Mas falta maior dimensão
À tua escassa cultura
Gostas de mostrar serviço
Alapada no trabalho alheio
E vestes um olhar mortiço
Quando mostras saco cheio
Mas só acrescentas à toa
O teu gesto é tão maquinal
E crês que a tua pessoa
É deveras excepcional
Um dia acaba-se a mama
E descobrem-te a careca
O teu destino é a lama
Por seres levada da breca