Uma vez aceite no ouvido e no coração, deixei de reparar no seu penteado - que de tão estruturado mais parecia uma peruca - e nas suas originais e cenografadas vestes. Aceitei aquele trinado especial de pássaro com tal intensidade que, depois, muito depois do concerto, o disco dela continuava a rodar e a rodar no seu lugar em cima do aparador. Tal como no palco.
E quando tinha visitas na sala fazia um momento de suspense enquanto prometia:
- Têm mesmo de ouvir esta cantora. Irão decerto agradecer-me. Não me canso de repetir que nunca ouvi nada semelhante. As palavras são néctar na sua voz, a melodia iriça-me todos os pelos do braço, a forma como todo o corpo, não apenas a garganta, se entrega a cada música... Em suma, é um rouxinol tão harmonioso, canta de um modo tão agradável que merecia um Nobel.
A maioria dos presentes aquiescia com os braços alapados nos cadeirões, enquanto o disco girava, e batia o pé conforme o seu ritmo mais do que o da canção. Chegavam a ensaiar uns passos de dança envergonhados. Perguntavam-me o nome do disco, onde se podia adquirir e que concertos daria aquela autêntica ave canora.
Contudo, havia também quem - embora em em muito menor número - não achasse a cantora nada do outro mundo, quem desmerecesse a minha adorada voz, insinuando que eu vendia tão bem aquele peixe que até parecia que tinha comissão nas vendas. Não deixava, no entanto, de instalar a dúvida naqueles ouvidos ali reunidos.
- Por sete que sabem cantar há um que não sabe falar
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