Para morrer basta estar vivo
Para viver basta acordar
Talvez arranje um adjectivo
Para esta história divulgar
Mas talvez nem seja preciso
Pois é demasiado evidente
Ninguém fica assim indeciso
Nem ninguém é assim dissidente
Para morrer basta estar vivo
Para viver basta acordar
Talvez arranje um adjectivo
Para esta história divulgar
Mas talvez nem seja preciso
Pois é demasiado evidente
Ninguém fica assim indeciso
Nem ninguém é assim dissidente
Atestar a marmita
É como alguém agredir
Não é uma cena bonita
Só ver e não intervir
É chegar a roupa ao pêlo
Sem que nada o justifique
Dar palmar com o chinelo
Nos filhos não é muito chique
Há um rol de tantas expressões
Para quem anda à batatada
Começa sempre em discussões
Onde nunca se aprende nada
O Tiago esteve muito doente
Que nem sabe como foi isso
Esteve dias a bater o dente
Tão sem forças e enfermiço
Finalmente lá se ergueu
Até com alguma vergonha
Uma vez que o bicho morreu
É porque acabou a peçonha
Obedecia em cheio ao estereótipo, que lhe assentava que nem uma luva do tamanho certo. Era um poeta urbano-depressivo com os dentes amarelados do tabaco e dos dez cafés diários. Lamentava a cirrose que tinha levado precocemente o Pessoa e invejava-lhe as mocas do ópio. Aquilo é que era um poeta, mas já não se fazem drogas como antigamente...
Ainda não tinha publicado nenhum dos seus poemas, uma vez que desprezava o meio editorial que achava não ter suficiente competência para avaliar o seu trabalho. Já o tinham convidado para publicar uns quantos versos numa espécie de antologia de novos talentos e também numa colectânea luso-brasileira, mas ele declinara o convite desta forma alarve:
- Não acredito em antologias nem em colectâneas. Sao autenticas mantas de retalhos.
- Muitos cozinheiros estragam a sopa
Olha que a antecipação
Ajuda a afastar o azar
Se procedes com precaução
Nada então te irá espantar
Antecipar o momento
A fim de evitar a surpresa
Que seja esse o intento
Que te promove a certeza
Quando for tempo dos instantes
Em que os discursos são dois
Lembra-te que a palavra antes
Vale mesmo por duas depois
- Não se preocupe, Avó Joaquim. A maquilhagem sai facilmente com água, é só para não aparecer a brilhar na televisão....
Que simpática menina - pensou o Joaquim, enquanto outra menina entrava pela porta. Já não tão menina, confirmou num segundo e terceiro olhares.
- Esta é a Vera Santos, Avô Joaquim, a apresentadora do nosso programa.
- Muito gosto, menina Vera! Onde quer que me ponha?
- Vai sentar-se naquele cantinho e, quando eu for falar consigo, a câmara aproxima-se de si. Não tem de fazer mais nada. Veja só se se põe a entrelaçar a verga enquanto falamos... Dá um ar muito pitoresco e familiar.
A apresentadora conferia a toda aquela azáfama uma atmosfera de facilidade.
Depois de entrevistar um aprendiz de feiticeiro que lançara uma dezena de livros de auto-ajuda, Vera Santos virou-se na direcção do cesteiro. E, muito bem disposta, demasiado interessada na sua pessoa e actividades, lancou-lhe uma série de perguntas que de tão estudadas quase pareciam improviso.
Então o Avô Joaquim contou a sua história. O avô ensinara ao pai que, por sua vez, lhe ensinara em gaiato. Agora já ninguém queria aprender a entrançar, os jovens só queriam telemóveis... No entanto, os netos tinham-lhe criado uma conta nas redes sociais onde exibia os seus belos trabalhos.
Não, não fora o seu emprego principal. O Avô Joaquim fora camionista e mais tarde taxista. Mas sempre tivera aquele gosto e nos momentos de folga fazia o dito gosto ao dedo.
E aproveitou para contar a uma surpreendida Vera que havia realizado cem cestos para que servissem de candeeiros num restaurante finório do Norte.
- Então, e conte lá, como arranjou tempo para fazer cem cestos, Avô Joaquim? - inquiriu Vera Santos.
- Cesteiro que faz um cesto faz um cento se lhe derem verga e tempo
Agradeço as vossas palmas
Só que preferia dinheiro
E a cada Provérbio provado
Ter mais peso no mealheiro
Os conteúdos da página
Por serem assim levezinhos
Parece que nem dão trabalho
E que se escrevem sozinhos
Aceito todo o tipo de género
A galinha da capoeira
O feijão verde da horta
O licor para a bebedeira
Já que o meu tempo é de borla
E a casinha não é garantida
Mas não fiquem porém a pensar
Que sou pobre e mal agradecida
Será que não estás nem aí
Para o que te chega daqui?
Ou será que o aparelho
De audição já está velho?
Não te venhas queixar depois
Que não atinámos os dois
Daqui do meu canto observo
E pouca vontade conservo
Foi um tanto exagerado
Esse interesse assolapado
O que vale é que sou crescida
Não fiquei muito convencida
A idade em que tu estás
Algumas pancadas traz
Se não compras um descapotável
Tens uma miúda impressionável
Entretanto não és um deus grego
E o carro puseste no prego
Empenhaste valores em leilão
Só não vendas o teu coração
Parece que estás mais disposto
A ser defraudado com gosto
Mas cuidado com a velha raposa
Que consegue ser muito engenhosa
Quando menos prestares atenção
Já dorme no teu colchão
E a mais tenra companhia
Emigrou para outra freguesia
Há cada erro ortográfico
Que chega a ser pornográfico
Eu deito as mãos à cabeça
E faço da luta a promessa
De o erro combater
Ao ensinar e aprender
A quem tivesse vontade
De escrever com propriedade
Bem sei que sou muito chata
Teimosa e cheia de lata
E até que este modo não extinga
Não fujam com o rabo à seringa
O problema das mentes fechadas
É só terem a boca aberta
As opiniões são lançadas
Para a gente boquiaberta
Não se privam de argumentar
Com tamanha falta de mundo
Que até custa a acreditar
Em tanto disparate rotundo
E não adianta discutir
Pois estão cheias de certeza
Assim não irão admitir
Que lhes falem franqueza
O mais correcto a fazer
Ignorar de qualquer maneira
E não tentar combater
Deitar lenha para a fogueira
Ai que me tarda o anjo da guarda que não me guarda
Que já tem à guarda tantos sapatos perdidos pelos caminhos
Tantas malas que não se penduraram nos armários
E cabides que não encontraram a silhueta regulamentada
O anjo que não guarda não pode ser da guarda
Ou é um anjo pedante e ambicioso
Convencido que mais guarda do que guarda
O anjo virou-me as costas com um cabide na mão
Todavia continuei a vê-lo de frente para mim
Porque os anjos não têm realmente costas
É por isso que desconhecem a hipocrisia
Tudo o que deles se diz não tem esconderijo
Tudo aceitam ainda que não guardem efectivamente
As costas de quem implora palmadinhas e compaixão
Os anjos não têm costas mas sentem o vento por detrás
Nessas alturas procuram refúgio nas montanhas que há nas nuvens
A auréola é a única coisa terrena e sem significado
Uma vaidade mal-disfarçada tal como um diploma
Que as pessoas penduram nas paredes das casas
E nos cabides onde se penduram
Os anjos não têm costas nem sexo
Por isso há homens que são como anjos
Há anjos que são como homens
Se aqui não ofereço a ninguém
Nada na alegre casinha
Apenas quero ter entretém
Para que não me sinta sozinha
Só que o espaço tornou-se maior
Do que eu supus no passado
A obra passou o criador
É de deixar alguém abismado
Eu também fiquei surpreendida
Por tamanho número de amigos
Belisca-te ó Margarida
Neste sítio não há perigos
Ainda irá a casinha crescer
Muitos mais provérbios provar
Assim eu consigo antever
Porque enfim não quero parar
Aqui tanto vos agradeço
Por me lerem e comentarem
Tenham paciência vos peço
Se não for bem o que esperarem
É por isso que quero dizer
Qualquer homem agradecido
Que julga poder merecer
Todo o bem lhe é querido
Olha que fiar mais fino
É como mudar de figura
Torcer ainda mais o pepino
Nos eventos estar à altura
É um modo de evoluir
De alcançar tal camada
De preferência a sorrir
Perceber que não teve nada
Estar de boa fé é ter fé nos demais
A pureza de intenções anula qualquer suspeição
É um pântano onde os desconfiados afogam os joelhos
Ou onde enterram a cabeça como a avestruz
Ter confiança na humanidade
É uma moeda rara e valiosa
A boa fé não é religiosa
Há vários tipos de animais
E depois há aqueles que voam
Nem esses são todos iguais
Diferentes cantos entoam
Também os seus golpes de asa
Não se mostram da mesma forma
E quando no regresso a casa
Não respeitam idêntica norma
Alguns demonstram gratidão
Pela mão que os alimenta
Já outros nem abrem excepção
Sem saber quem os complementa
Se a ave fica na agonia
De comer os restos que há
Aquele que o corvo cria
O olho lhe arrancará
Quando chega o fim de semana
Tenho de ir ao supermercado
Comprar pão café e banana
E um bacalhau congelado
Aos domingos principalmente
Às tarefas de casa me dedico
Lavar e cozinhar é frequente
E no fim tão cansada eu fico
Faço máquinas sem parar
Como se não houvesse amanhã
Não há tempo para hesitar
No meio de tamanho afã
O dia passa quase a correr
Parece que de pingo em pingo
Como uma torneira a verter
Lá se escapa o domingo
Cada vez mais os minutos
Nos servem só os desejos
Até que os ponteiros astutos
Proíbam quaisquer bocejos
Sempre prontos sempre alerta
Assim é a modernidade
Ora se não é coisa esperta
Que vai engolindo a idade
Não há já tempo para nada
Somos de tal forma apressados
Que nem uma flor encarnada
Nos lembra de ser libertados
Somos teimosos e nhurros
Donos de todas as salas
E tal como alguns dos burros
Nos olhos temos duas palas
Desde criança que era um indivíduo sério. Já indivíduo em criança e muito sério. Duplamente sério. Literalmente sério, na medida em que não se lhe media um sorriso nos dentes: apenas de raro quando em quando raro, os lábios se distendiam num esgar que imitava um sorriso. Figuradamente sério, no sentido em que levava as coisas a sério. Por coisas leia-se todas as coisas, mais as visíveis do que as invisíveis. Leia-se tudo, mesmo tudo tudinho, na sua vida.
Dava sempre o melhor possível de si mesmo. Esse melhor roçava o perfeccionismo obsessivo-compulsivo. Era um POC tal, que fazia jus à perfeição que o próprio se exigia em tudo onde metia a unha, que lhe conferia uma imagem interior superior de responsabilidade. Uma responsabilidade muito a sério, como se está bem de ver!
Nunca perdia de vista um objectivo e alimentava os pássaros na mão para que as hipóteses não lhe voassem a dobrar. Na sua mão firme. Era, por conseguinte, dono de uma vontade férrea, uma verdadeira máquina de guerra.
Esbanjava parte da imensa energia em braçadas largas na piscina, onde se sentia como um peixe dentro de água. Em suma, não conseguia parar quieto, mas sem um pingo de nervosismo: tal como nas demais qualidades e defeitos, aceitava as suas características com total confiança na sua pessoa. E total seriedade, naturalmente.
- Quem é desconfiado não é sério
As pressas dão sempre em vagares
Por isso respira mais fundo
Para que assim te prepares
Tenhas mais espaço no mundo
Já que à gente ansiosa
Ninguém lhe tem empatia
Consideram-na caprichosa
Por acharem que é uma mania
Contudo as pessoas não fingem
Ter qualquer doença mental
Que está tudo bem elas dizem
Evitando o rótulo anormal
Só quem já sofreu é que sabe
O que é crise de ansiedade
Onde o coração já nem cabe
Só existe naquela metade
É tamanha a dor no peito
Falta o ar ou é demasiado
Não há um relato perfeito
Cada qual tem seu mau bocado
Por isso não tenhas pressa
Porque ninguém te agradece
E tão pouco a alguém interessa
Por ser só o que apenas parece
Que os neurotransmissores
Podem estar danificados
Não serem de si os senhores
E andarem assoberbados
Então bem fundo inspira
E aproveita a inspiração
De não teres em ti a mentira
Não víveres em negação
Se eu fosse um pombo cinzento
Eu sei em quem cagaria
Até que num certo momento
O esfíncter então abriria
E caso eu pudesse cagar
De alto para muita gente
Haveria de me concentrar
Para ser um cocó competente
E depois dessa situação
Sairia fugaz sem parar
Mais vale um pássaro na mão
Do que ter dois a voar
Se está na mão já não caga
Se voam dois é o medo
Que a vingança se propaga
Pelo bando no arvoredo
Não esperes nada em troca
Quando fizeres o bem
Com seu fuso cada roca
Assim o disse alguém
A punição sempre vem
Faças lá o que faças
Por isso é que convém
Que não te comam as traças
O ar que te sopra à volta
Bafeja as novas ideias
E nem precisas de escolta
Lá fora ou paredes meias
A punição nem é má
É ela que te fortalece
Seja aqui perto ou lá
É coisa que não se esquece
Ensina a perseverança
Separa piores de melhores
E traz uma certa esperança
Não depender de favores
Por isso vê lá não esqueças
Que nenhuma boa acção
Mesmo que não a mereças
Não fica sem punição
Quando perguntarem por mim
Digam que fui ver a lua
Mesmo que estranhem no fim
Não me encontrarem na rua
Com o gargalo no ar
Da lua andarei à procura
Até a conseguir encontrar
Apesar de tanta altura
Logo que doa o pescoço
Adio para o dia seguinte
Todo o brilho que eu posso
Que é da lua o requinte
Vai no céu lá tão alta
Iluminando os caminhos
Se falta faz mesmo falta
Para sentar os anjinhos
Dizem que a lua é calma
E tem vulcões no seu seio
No firmamento se espalma
Com as estrelas pelo meio
Alumia mas não aquece
Como faz o sol no Verão
No fim da tarde aparece
Sem que se gaste um tostão
Assim é de borla a lua
Não há maior maravilha
Vê-la subir nua e crua
Indo no céu andarilha
Se te oferecem um valor
Não deverás contrapor
Todo o homem tem um preço
Seja no fim ou começo
Se te crês incorruptível
Verás não ser impossível
Tu caíres em tentação
Se te põem luvas na mão
Se te pedem que te cales
Não é o maior dos males
Assistes só de bancada
Dizes não ter visto nada
Se a situação for propícia
A que chamem a polícia
Tentas tudo para não ver
O sol quadrado nascer
Quem com outros reparte
Faz da dádiva uma arte
E sabe oferecer elogios
A reis e também a gentios
Não é de todo sovina
Que é uma coisa cretina
Adora poder repartir
Sem nunca o admitir
Todo aquele que é generoso
De receber não está desejoso
Diz-se que não dá quem tem
Senão aquele que quer bem
És um homem interessado
E também és interessante
Não deixas ninguém pendurado
A tua presença é constante
Espero poder perceber
Se tu em mim tens interesse
Ver no que me vou meter
Antes que algo comece
Espero que este desejo
Não finde em saco roto
E possa roubar-te um beijo
Se eu te cair no goto
Praticar o despojamento
Reduzir-se ao essencial
Marca muito o crescimento
De maturidade é sinal
Saber lidar com os destroços
Libertar o que tem de partir
E destruir os colossos
Que fazem a vida a fingir
As memórias poder rasgar
Como páginas de caderno
E um novo amor abraçar
Infinito e quase eterno
Deixar sem olhar para trás
Abraçar a constante mudança
O coração não se desfaz
Segue em frente com confiança
Assim há pois que praticar
Porque é assim que faz falta
Evitando sempre recuar
Quando a fasquia está alta
Sou do povo e que importa
Se deixo aberta a porta
A chave na fechadura
Para a ladroagem futura
Sou muito de confiar
Em quem me irá enganar
Mas limpos ficam os pratos
Sempre que há desacatos
Por isso haver pontos nos is
Evita as bocas infantis
E os nomes dos bois que passarem
Para que neles reparem
É assim preto no branco
Que calço o meu tamanco
Do povo sou uma mulher
Que parecer só não quer
No bairro sou conhecida
Por ser assim desabrida
A fama bem longe soa
Mais depressa a má que a boa
O Diabo é desenrascado
Ele anda sempre ocupado
Não tira férias há anos
É mestre de muitos enganos
O Demo tanto manipula
Os próprios passos calcula
Ele quer arregimentar
Mais almas para o seu lar
O inferno é uma cave quente
Abarrotando de gente
Há um monte de pecados
Que não serão perdoados
É uma casa escaldante
Que é penosa o bastante
Mas o Diabo é espertinho
Mora em qualquer cantinho
Se paredes ele não tiver
Trabalha com o que houver
Para mais o Diabo é tendeiro
E arma tendas sem dinheiro
Se queres ir participar
E ver passar o cortejo
Já sabes que tens de suar
Se é esse o teu desejo
Na rua é um mar de gente
No meio de imenso calor
E está tudo impaciente
Para mirar o andor
Só pensas em desistir
Tal é o espaço que falta
Dali mais valia fugir
Que se lixe o resto da malta
Depois duma tarde apertada
Só boa romaria faz
Quem não sai da morada
E em casa fica em paz
Aquela cena do filme, logo no início do filme, havia-o marcado profundamente. Na verdade, o filme começava assim, mas a história sofria uma analepse e só no fim do enredo se compreendia verdadeiramente a cena inicial.
Foi quando se viu entalado por todos os lados, sem capacidade de reacção, que a dita cena regressou com toda a força.
Recebera a notificação do tribunal há uma semana e até o próprio advogado - e se esta é a mais gulosa das profissões! - lhe preconizara uma condenação pouco leve.
Por isso, tivera uma semana inteirinha para preparar tudo. Saiu de casa apenas com as chaves do carro. No acesso à praia foi apanhando pedras que guardou nos bolsos. Então entrou no mar.
Ainda hoje está para saber o que o despertou: se a água muito fria nessa manhã se o surfista do fato de neoprene vermelho e azul. Só tem pena que o filho não o visite mais vezes na prisão.
- Quem nasceu para a forca não morre afogado
Ela é tão hipocondríaca
E tem a doença celíaca
Dores de cabeça constantes
Dão-lhe em todos os instantes
Anda sempre queixosa
Com passada vagarosa
Padece de várias maleitas
Por ter as veias estreitas
Diz muito que vai morrer nova
Que está com os pés para a cova
Só que morte desejada
Acaba em vida dobrada
Julgamentos de papelaria
Dão em rebaldaria
Ajuíza sempre alguém
Cheio de moral e desdém
Tal como no cabeleireiro
É ver quem maldiz primeiro
A que horas chegou a vizinha?
Já era bem de noitinha
Há um café lá ao lado
Onde às quintas há fado
Com os suspeitos do costume
Por ali a cravarem lume
Ao fundo do quarteirão
Está o barbeiro João
Bem perto da padaria
Da esposa Ana Maria
É uma zona castiça
Mas com gente metediça
E as conversas por ironia
Vão parar à papelaria
Quem tem cem mas deve cem
É certo que pouco tem
É difícil o sustento
Por não ter sido avarento
Do passado se arrepende
A ver se agora aprende
A ser menos gastador
Não dever nenhum valor
Anda devagar na estrada
Ou levas multa pesada
Só que a maior verdade
É que mata a velocidade
Há sempre quem atrapalhe
E também há quem esgalhe
O condutor de fim de semana
Até nas portagens se engana
Tens pois de ir bem atento
A tudo o que é movimento
Convém que não aceleres
Mesmo se é o que preferes
Cada carro leva uma pessoa
Que pode conduzir à toa
Por isso anda devagar
Até ires a pastelar
Mais vale ir devagarinho
Do que ficar pelo caminho
Mais vale um pé no travão
Que depois dois no caixão
Nunca chegara a ter a tão moderna adoração pelas tecnologias porque nunca se tinha conseguido adaptar. Antes da reforma, lá no serviço, tinha operado um terminal, o mais parente de um computador em que tinha tocado. Também tinha imensa dificuldade com estes novos telefones espertos por não possuir a devida sensibilidade nos dedos para os fazer deslizar. Insistia em continuar a receber as suas facturas em papel e recusava-se terminantemente a fazer pagamentos online ou a autorizar débitos directos.
- Quem paga adiantado é mal servido
Do bom ele é inimigo
Se o óptimo não consigo
Só serve para empatar
E uma equipa atrasar
Com gente perfeccionista
Corre-se sempre na pista
Não há descanso nem pausas
Os fins justificam as causas
O meu entusiasmo apagam
Não é para isto que me pagam
É tal ritmo para trabalhar
Que nem me deixa respirar
Por isso assim me despeço
Foi mau já desde o começo
Um tal nível de perfeição
Não me dá nem mais um tostão
A minha Rita querida
Não é uma amiga fingida
É uma pessoa especial
Para mim fundamental
Se como eu queres ter
Uma amiga a valer
Já sabes faz-te à vida
A Rita não é oferecida
Mas eu não sou ciumenta
Nem mesmo agora aos quarenta
Eu a Rita sei repartir
Com quem quiser dela fruir
Tu és muito saído da casca
Mas não és uma pessoa rasca
Pareces ser bem inteligente
O que me deixa contente
Tiveste um acto infantil
Que me pareceu um ardil
Antes de no metro entrar
Tentaste ali me beijar
Como quem a coisa não quer
Não fosse eu me aborrecer
Mas eu continuo disposta
Se assumires a proposta
Contratei um serviço diferente
Para ter uma noite bem quente
Irei aprender a dançar
Com uma maravilha de par
A dança é uma fusão
De tango e muita emoção
Mas eu sou um pé de chumbo
A tanto exercício sucumbo
No entanto vou experimentar
Na vida há que arriscar
E se lhe pisar o pé
Depois pago-lhe um café
És um miúdo girinho
Só que és muito tenrinho
Terás de uns bifes comer
Para te poder entender
És miúdo e isso basta
A nossa idade contrasta
Ainda me cheiras a leite
Não é coisa que se aproveite
AINDA UM CORPO EM DÚVIDA
Duvida o corpo se é plano se pleno
Na sua tridimensão é todavia bidimensional
Um X e um Y porque o Z
Está nos olhos de quem lhe tira as medidas
A avaliação alheia importante mas sobrevalorizada
Deseja o corpo um tal infinito
Na integridade que pode ter na voz
Que fica sempre aquém do esperado
A gestão das expectativas capaz de mestrado
Duvida o corpo das suas fronteiras
Onde começam e se lhe acabam os limites
São tantas as pessoas que o habitam
Eu vou no caminho do sol
Quando afasto o lençol
Toda a vida me é Verão
Gosto de calor na razão
Adoro a espontaneidade
Que traz a diversidade
E falo com a tal loucura
Que pode acabar em secura
Não é detalhe assim pouco
Já que para qualquer louco
Todos os dias são de festa
Sempre que lhe sua a testa
Preza porque sabe prezar
O corpo todo a escaldar
E a brasa que o acalora
É estar vivo aqui e agora
Hoje compareci num jantar
Porque decidi arriscar
Era tudo malta porreira
Na minha experiência primeira
Pareceu encomendado
Um grupo tão engraçado
Não houve nenhuma contenda
Saiu melhor do que a encomenda
Espero poder repetir
Que não me irei afligir
The best fucking group ever
Aparece onde festa houver