ESTE VERSO
Este verso não se evidencia nos corredores
Este verso não se enquadra no descuido aparente
Empalidece na presença de um microfone aberto
É sempre e desde sempre um diálogo aborrecido
Entre o mesmo umbigo e o mesmo espelho
E mal logra a sua própria evasão já não se pode agarrar
Este verso não recebe diploma de participação
Este verso não é popular nem sequer é feminista
O indivíduo que aqui escreve bem podia ser um homem
Com a agravante de macho egocêntrico com um falo irado
Este verso não é melhor nem pior por ser feminino
Este verso não é panfletário nem o lamenta
Este verso não dá voz às vulvas que abortam
Nenhum poema consegue compensar essa imensa solidão
A morte tamanha da possibilidade mais inteira
Daquele corpo de mulher que sobrevive
Depois de toda a vida que não lhe nasceu
Este verso não risca bandeirinhas ao acaso
Este verso não divulga em que camas tremeu de prazer
Feitas as contas e acabado o baile
Noves fora nada roda bota fora
Sabe que o sexo mais generoso não reinvidica
Tanto mais se entrega quanto o outro mais se entrega
Tesão sem efeito é um conceito tão rápido como um calafrio
Este verso não jogou às escondidas com a polícia política
Este verso não ergueu cravos no Largo do Carmo
Mas é tão digno filho da revolução como quem entoou O povo unido
E sempre pôde dizer de sua cega justiça
Conforme a triagem que a circunstância lhe apontou
Não é por acaso que os pratos da balança são redondos
As únicas torturas sofridas foram auto-infligidas
Que a auto-censura tem uma caixa de lápis de cor
Capaz de transformar palavras inócuas em frases tracejadas
Este verso já chorou por Odessa
Este verso já chorou por Gaza
Não faz no entanto a aclamada poesia social
Cantando os hinos fronteiriços com propriedade vocal
Nem levanta as bandeiras rasgadas dessas populações
Para granjear aplausos num Ocidente em paz
Este verso não é melhor do que outros versos
Na verdade este verso não é pior do que tantos outros versos
Este verso reconhece a própria voz e com isso se sente verso