Não desejando tirar cores e sabores a outras amigas, a Marta é especial.
Descobri há tempos um provérbio e cheguei a sugerir-lhe que mo escrevesse “por encomenda”, e sendo uma pessoa discreta, não se escusou de todo mas também não exultou propriamente. É essa uma das características da Marta: tem uma fleuma muito calorosa, passe a contradição. E sendo ela discreta, abster-me-ei de discorrer aqui sobre as suas extraordinárias virtudes, o seu admirável apego à vida sem dramas, oferecendo lições de borla aos mais atentos sem no entanto se tornar pedante ou querer vender as suas ideias.
A Marta canta muito bem, é extremamente afinada e tem um timbre jazzístico que muito me agrada. Para além disso, tem uma capacidade de improviso fabulosa; e entre outras, recordo com particular carinho a sua versão do Summertime em português, da qual me lembro apenas de frases soltas, se calhar trocadas pela memória:
" É Verão (…) e o algodão está crescido / O teu pai é riii-co e a tua mãe é bem boa / Por isso, querida, não chores mais… "
E se recordo a tua voz maviosa, recordarás decerto o meu pânico com o regime de contrato da função pública. Por isso acontece, querida Marta, e sem lágrimas, que te devo já vai para um ano um jantar. Planeio encher-te o estômago e o fígado de agradecimentos, e no fim terás de fazer jus ao provérbio que não quiseste escrever:
- Bem canta Marta, depois de farta
sexta-feira, 27 de agosto de 2010
Provérbio para uma amiga
Quem prova provérbios gosta de aliterações
quinta-feira, 26 de agosto de 2010
Provérbio citado (TORGA)
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Coimbra, 10 de Setembro de 1942 – É fantástico ver o impudor com que este meu amigo mente! E é fantástico ver também, com que bonomia, numa terra de intolerantes como a nossa, este pequeno pecadilho nacional é tolerado. Mas, pensando bem, é natural. Na casa onde não cabem grandes janelas, cabem sempre pequenos postigos…
»
In Diário, Vol. 2 – Miguel Torga
Coimbra, 10 de Setembro de 1942 – É fantástico ver o impudor com que este meu amigo mente! E é fantástico ver também, com que bonomia, numa terra de intolerantes como a nossa, este pequeno pecadilho nacional é tolerado. Mas, pensando bem, é natural. Na casa onde não cabem grandes janelas, cabem sempre pequenos postigos…
»
In Diário, Vol. 2 – Miguel Torga
Quem prova provérbios gosta de aliterações
terça-feira, 3 de agosto de 2010
Provérbio citado (TORGA)
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Coimbra, 6 de Dezembro de 1938 – Dia de confissão geral. Isto e aquilo da minha vida, do meu temperamento, desta incapacidade que tenho de criar harmonia. Os meus sete pecados mortais em carne viva.
…Quinto – a sede de amor absoluto que me devora;
Sexto – o clima tropical de violência e ternura que envolve o que penso e faço. Absolvido.
Depois do sétimo, porque não tentava eu dar forma capaz a tudo quanto dizia, que era realmente belo?
Porque não. Porque um homem não se escreve.
»
In Diário, Vol. 1 – Miguel Torga
P.S. – Post livre de preconceitos virtuais, e quiçá supondo que os Diários do Torga se tornariam no melhor blog português, fosse ele um contemporâneo entusiasta da Internet. Apenas desconfio que não seria adepto das redes sociais…
Coimbra, 6 de Dezembro de 1938 – Dia de confissão geral. Isto e aquilo da minha vida, do meu temperamento, desta incapacidade que tenho de criar harmonia. Os meus sete pecados mortais em carne viva.
…Quinto – a sede de amor absoluto que me devora;
Sexto – o clima tropical de violência e ternura que envolve o que penso e faço. Absolvido.
Depois do sétimo, porque não tentava eu dar forma capaz a tudo quanto dizia, que era realmente belo?
Porque não. Porque um homem não se escreve.
»
In Diário, Vol. 1 – Miguel Torga
P.S. – Post livre de preconceitos virtuais, e quiçá supondo que os Diários do Torga se tornariam no melhor blog português, fosse ele um contemporâneo entusiasta da Internet. Apenas desconfio que não seria adepto das redes sociais…
Quem prova provérbios gosta de aliterações
segunda-feira, 2 de agosto de 2010
Provérbio a gosto
Há muito que se sentia confortável com a inexistência das mulheres na sua vida. Esse comedimento reflectia-se numa redoma implacável por saber que, ao menos uma que deixasse aproximar-se, viria desnortear a sua linha de pensamentos já tão precária e o afastaria dos projectos que queria a brotar apenas da sua fonte identitária. Assim o faziam as mulheres, mesmo sem intenção, imiscuindo-se aos poucos nos sonhos de um homem e aí tomando raízes. Resolvera-se evitá-las então, permanecendo vigilante no seu propósito, mas a decisão não o impedia de por vezes experimentar uma certa insatisfação.
Foi numa esplanada toda virada aos salpicos do mar que sentiu espalhar-se-lhe pelo corpo devagar uma sensação julgada desaparecida. Era uma tarde muito azul desse Verão tão denso de incêndios por todas as partes. E na sua pele um incêndio também, devastando áreas secas como se mato por desbastar. Foi nesse Verão tão incendiado e espesso de suor que tomou o antídoto do que já não sabia do amor, experimentando um vasto número de mulheres. Só um número nesse Verão, com o mero fim de serventia: o de se aclimatar de novo às mulheres, para vingar todas as que entretanto não lhe haviam interessado e que lhe tinham passado ao lado como um sobreiro descascado.
- Nem tanto ao mar, nem tanto à terra
Foi numa esplanada toda virada aos salpicos do mar que sentiu espalhar-se-lhe pelo corpo devagar uma sensação julgada desaparecida. Era uma tarde muito azul desse Verão tão denso de incêndios por todas as partes. E na sua pele um incêndio também, devastando áreas secas como se mato por desbastar. Foi nesse Verão tão incendiado e espesso de suor que tomou o antídoto do que já não sabia do amor, experimentando um vasto número de mulheres. Só um número nesse Verão, com o mero fim de serventia: o de se aclimatar de novo às mulheres, para vingar todas as que entretanto não lhe haviam interessado e que lhe tinham passado ao lado como um sobreiro descascado.
- Nem tanto ao mar, nem tanto à terra
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