Provérbios Provados noutras casas:

domingo, 19 de junho de 2016

Provérbio do vendedor enganador

O Sr. Viegas, não sendo propriamente um senhor, passava por tal. Sua habilidade, e aproveitando a voz charmosa e de boa dicção, consistia num voltear entusiasta dos anseios dos clientes, levando-os ao clímax e subsequente compra. Nunca apressava a dita, mas não os deixava pensar demais: havia ali aquele momento em que intervinha e chutava para a vitória. O Viegas tinha já então o cliente preso pelos dentes e aí já não mais poderia resistir, sentia-se obrigado a comprar, completamente encurralado, levando peças que não lhe interessavam ou sequer fariam qualquer préstimo. Esta loja do Sr. Viegas era a típica do "há tudo", e ele sabia onde estava mesmo tudo: parafusos, lâmpadas, fósforos, palha d'aço, sabão Clarim, sacas de sarapilheira, pilhas, e muito mais desse tudo. E como não havia nenhuma deste tipo de loja nas redondezas nem depois delas, o Viegas passou a alinhar no "há tudo, mas a peso". Assim foi que enriqueceu.

- Metade do ano com arte e engenho e a outra metade com engenho e arte

quinta-feira, 16 de junho de 2016

Provérbio ortopédico

Meu filho querido, como gosto que finalmente venhas ver-me! Fizeste bem em vir visitar a tua mãe, filho, que estou muito cansada e acabada, nesta cama de hospital aqui entrevada, com a mão no peito e o pé no leito. E que te disseram teus irmãos? Que a velha teimosa ainda esperneia? Ver-te aqui significa a esperança de ultrapassardes estas velhas zangas, entende-te com os teus irmãos, filho, que interessam as casas na terra, diz-me?, mais uns anos poucos e caiem como castelos de cartas que é um primor. Que me dizes? Que aqui ando a ver passar os que passam? E tu, conta-me, meu querido, não apoquentes tua mãe, que tens feito de jeito? Sempre te disse e não te esqueças:

- Anda direito se queres respeito

sexta-feira, 10 de junho de 2016

Provérbio indiferente

Nem o Daniel olhava o mundo em seu redor, nem o mundo parecia dar por ele. Passava nos intervalos da chuva se chovia; não apenas por ser excessivamente magro, mas porque passava realmente despercebido, seguindo em frente sem rodar o pescoço, como cão por vinha vindimada.
Não se percebia como tinha vivido assim, até chegar à idade adulta, sem prestar atenção a nada. Nada lhe avivava um brilhozinho nos olhos, nada lhe arrancava um sorriso ou uma palavra cordial. Era completamente desinteressado; não tinha sequer amigos por não saber como se faziam. Nesse sentido não olhava para as mulheres com curiosidade, não olhava sequer para elas pois nunca nenhuma lhe despertara desejo. Também não sentia qualquer empatia pela família; mal punha a chave à porta, fechava-se no quarto para não ter de conversar.
Poderia pensar-se que, por viver assim apartado da realidade, o Daniel teria uma fecunda vida interior. Mas não, ocupava todo o seu tempo disponível a jogar computador: uns jogos de guerra bastante infantis e sempre os mesmos.
Cumpria os mínimos de higiene pessoal, mas tinha um ar sempre desmazelado, emaranhado, às vezes mesmo roto e com nódoas na roupa muito larga. Se não encontrava nada cozinhado, alimentava-se à base de cereais e papas. Não comia fruta, legumes ou peixe.
No mundo interior do Daniel não havia arte. Não era sensível à beleza das imagens e das palavras. Não ouvia nenhum tipo de música nem via televisão. Não praticava desporto nem andava ao ar livre. Não tinha interesses de associativismo, política ou economia. Nunca tinha ouvido falar na dívida pública, no PIB e no NIB, nem sabia o que era uma taxa de juro.
Parecia impossível como era possível viver-se assim: sem levantar um braço para nada. Completamente imprestável, enrascado e, antevia-se, de difícil futuro.

- Quem não sabe é como quem não vê

quinta-feira, 9 de junho de 2016

Provérbio numeral ordinal

Ai, comadre, que isto foi um falatório, toda a gente soube. Não se acanhe, pode dizer. Foi um desenvergonhado, pode dizer à vontade, eu digo também. Isto nas terras pequenas já se sabe que tudo se sabe. Até porque ele fez tudo às claras, andou atrás da rapariga nas barbas da mulher. E a Zézinha, parvinha, não dava por nada, ainda se punha a defender o marido. Ouça cá, saberia ela o que se passava e esperava que passasse? Eu só sei é que depois foi uma grande bronca, aquele dia da gritaria, ai, coitadinha da Zézinha, comadre, que julguei que lhe dava ali uma coisa, a levar com as verdades assim todas de rajada. Aquele bruto! Bem ela chorou baba e ranho e lhe pediu que não fosse, mas ele fez ouvidos de mercador. Saiu porta fora ainda cheio de razão. Pode bem dizer, um grande estupor, diga à vontade, um ordinário, toda a gente sabe. E quando, na altura das papeladas, a Zézinha lhe falou no dinheiro para as crianças, ainda teve a distinta lata de dizer que agora não, que não podia porque ia com a outra de férias. Isto dá para acreditar?

- A primeira é mesquinha, a segunda é rainha

Provérbio provado numa prosa parada

Como a imagino?
Normal. Pouco faladora. Tranquila. Pouco vaidosa. Recatada. Loura ou morena, é igual. Nem alta nem baixa, um meio termo. Nem carne nem peixe, um peido amarelo. Nem oito nem por sombras oitenta. Só assim, normal.

- Nem bonita que abisme nem feia que meta medo