Provérbios Provados noutras casas:

domingo, 3 de dezembro de 2023

Provérbio provado desvalorizado

Já haviam mencionado o caso inúmeras vezes ao presidente da Junta. Ele que sim, que sim, que quando a verba fosse cabimentada, só que afinal não, não se percebia do que estava à espera. Talvez esperasse mais alguns feridos, eventualmente graves, condenados a uma eterna cadeira de rodas, quiçá - e aqui seja o diabo cego, surdo e mudo - uma vítima mortal que fizesse dobrar os sinos e enchesse o cemitério camarário de vivos apreensivos.

Pois se até tinha virado o bico ao prego nas últimas eleições, aliando-se aos seus antigos opositores, quando as sondagens não lhe foram favoráveis! Se nessa altura movera mundos e fundos a fim de manter o poleiro, porque atrasava agora a construção de uma rotunda com semáforos devidamente iluminados ou, quando muito, um conjunto de lombas que fizesse os carros abrandar?

Como estava é que não podia continuar: aquele cruzamento era tão perigoso que engordava as estatísticas do atropelamento local, desafiando a lei das probabilidades. As mães, receosas, não permitiam que os filhos fossem a pé para a escola. As bicicletas contornavam o problema e iam à volta pela Tapada. As velhotas que viviam perto persignavam-se ao menor chiar de pneus. Todos lá na vila viviam angustiados antecipando o despiste iminente.

Só o Zé Mau não se ralava. Com o olhar vidrado posto muito lá adiante, calcorreava alamedas e estradas, só parando para aliviar a bexiga atrás de alguma moita. Diariamente, percorria quilómetros a fio com as suas pernitas delgadas. Não é que o Zé Mau fosse realmente mau: era tão só o doido oficial da terra, ninguém sabia muito bem quem lhe botara tal alcunha.

Numa tarde de Outubro, uma daquelas tardes de precipitação miudinha que tornam escorregadios os pavimentos, quando andava o Zé Mau nas suas deambulações com a cara salpicada daquela chuva molha-parvos, veio um carro travar-lhe aos pés numa chinfrineira de impor respeito. Felizmente não lhe beliscou nem um centímetro de pele. A Dona Clotilde, cuja casa era paredes meias ao cruzamento, assomou de imediato ao postigo num misto de reza e aflição:

- Ó Zé, o qué c'houve?

- É uma hortaliça.


- Nem tudo o que a gente ouve, houve 

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