Provérbios Provados noutras casas:

quinta-feira, 28 de março de 2024

Provérbio provado num verso branco - CXLIII

O espaço da surpresa apenas se preenche
Com o último assombro que a interpelou
Até passar a outro oue não ao mesmo
Porque a novidade não tem parentes
Nem acumula despojos desnecessários

É uma porta que se abre sempre em sobressalto
O espanto irrompe por ali adentro
Sem se fazer anunciar nem proferir saudações
Transpondo a soleira com pressa e sem ambiguidades
Que é a sua forma de se mostrar competente

A surpresa jamais pede colo ou regaço
Não há tempo para materializar o apego
Apesar de um suspiro não durar mais do que um segundo
Pode vir a ser confundido com um bocejo 
E é sabido que qualquer admiração não pode ter sono
A sua natureza é estar em constante alerta

No entanto a realidade é exigente a pedir maravilhas
Embora uma boa surpresa não passe de uma redundância 



Provérbio provado rimado - MCCLXXXV

A Andreia fez birrinha

E a seguir meteu baixa

Pois descarrilou sozinha

Já não dá uma prá caixa


Vê-se que naquela cabeça

Fundiu-se um raro fusível

E mesmo que até não pareça

Deixou de ser imprescindível


O hábito maior da Júlia

É fingir que anda ocupada

No meio da simples tertúlia

Confessa-se assoberbada


Que a a Júlia sabe ser rata

Tem artes de assim iludir

E por ser mulher insensata

Quer à sombra dos louros dormir



Provérbio provado rimado - MCCLXXXIV

Os amores da azeitona

São como o milho miúdo

Acabada a maratona

Lá vai amor e vai tudo


Lá vai amor e vai tudo

Que esse ardor repentino

Não pára e é também surdo

Ao que lhe indica o destino


Ao que lhe indica o destino

Não presta o amor atenção

Por ser pouco cristalino

Abstém-se de reacção


Abstém-se de reacção

O amor amedrontado

Pois teme que a excitação

Pertença só ao passado


Pertença só ao passado

A satisfação mais plena

E que agora enlutado

De si mesmo tenha pena


De si mesmo tenha pena

Por ter redundado em fracasso

Por ser uma história pequena

À qual faltou um abraço


À qual faltou um abraço

No momento da despedida

E assim cortou-se o laço

Cada um foi à sua vida



Provérbio provado rimado - MCCLXXXIII

Se receias ficar de fora

Ou estar desactualizado

Dá-lhe com empenho agora

Ou serás ultrapassado


É fácil que sem perceberes

Te queiram defecar em cima

Concentra-te assim em saberes

Como endireitar sem a lima


Põe de lado essa postura

Que vê em qualquer indivíduo 

Sempre a bondade mais pura

Até que seja preterido


Que neste país de doutores

Ninguém quer trabalho braçal

Preferem colher dissabores

Pesando a balança fiscal


É um desnível aceite

Que haja senhores e vassalos

Desde que nenhum aproveite

Para aos outros pisar os calos



quarta-feira, 27 de março de 2024

Provérbio provado rimado - MCCLXXXII

A Rita foi diagnosticada

Com défice de atenção

Entretanto era medicada

Sem se vislumbrar solução


Quando descobriu o que era

A Rita experimentou um alívio

Por não ficar mais à espera

De esquecer qualquer convívio 


Pois dantes o que lhe diziam

Não lhe ficava no ouvido

As lembranças adormeciam

Como num baú corroído


Apesar de ser uma doença

Agora é coisa com nome 

Deixou de ser simples crença 

Que a existência consome


Porém mais que ser distraída

A Rita perdia a memória

Sem embargo encontrou a medida

Que permite escrever uma história


Por algum esquecimento precoce

Tinha logo de se desculpar

Finalmente a Rita encontrou-se

Já se pode permitir errar


Toda a vida lhe corre melhor

Anda mais satisfeita na rua

Pois o tal problema anterior

Era ser cabeça na lua


(Ilustração: Junkhead)



Provérbio provado rimado - MCCLXXXI

A minha flor preferida
É o antúrio vermelho
Aguenta qualquer investida
Nunca se põe feio e velho

Com sede ou encharcado
O antúrio sempre resiste
Mesmo quando é olvidado
Continua de haste em riste

Se acaso muda a direcção
Dos raios que oferecem calor
Nunca entra em negação
De si mesmo é conhecedor

É de tal forma perfeito
Que nem parece verdade
Tal seiva correndo a eito
No caule cheia de vontade

Por ser uma planta resistente
Às condições circundantes
Sobrevive tão competente
Nos bons e nos maus instantes

Gostava de antúrio ser
Tão nobre e sempre vivaz
E saber bem envelhecer
Permanecer como ele capaz 

Quando me viessem regar
Abriria as folhas às gotas
Uma forma de ressuscitar
Sem ter de dar cambalhotas

Ir a jogo é o segredo
Fazer por o medo engolir
E se resultar em degredo
Não deixar de persistir

Por isso guardo esta lição
Descobri que quem nunca tenta
É pasto para a frustração
Já que assim também não inventa



Provérbio provado rimado - MCCLXXX

Eu gosto de pessoas estranhas

Que não me vendem patranhas 

As mais negras do seu rebanho

Que o seguem com esforço tamanho


Não se armam em pobres patinhos

Mas tendem a andar sozinhos

Que a mentalidade vigente

Rejeita quem é diferente


O solitário e o perdido

Sentam-se à mesa do esquecido

Tão famintos de empatia

Vibram com a mais ténue energia


Pensam com a própria cabeça

Apesar de haver quem ofereça

Normas gordas e códigos tais

Que não crêem fundamentais


São o tal tipo de pessoa

Cujas convicções e moral

Do resto do rebanho destoa

Por assim ser original


E sempre que surge o pastor

Tentando impor qualquer regra

Procura logo o impostor

Que se assina ovelha negra 



Provérbio provado rimado - MCCLXXIX

Quando os que estão no comando

Perdem todo o tipo de vergonha

Mas arregimentam o bando

Para que a tenha na fronha


Não granjeiam assim mais respeito

De quem antes só obedecia

Que sente entretanto no peito

Uma quebra na ex harmonia


Então quem era comandado

Interrompe o vulgar seguidismo

Por opções ter imaginado

Que sobrevivem ao cinismo 


Começa de seguida a crescer

Aos olhos dos chefes maiores

Quer de sua justiça dizer

Ensinar àqueles professores


Não quer ser mais pau mandado

Quer participar na estrutura

Mas o seu esforço é rejeitado

Por nunca ser boa altura


Vai dizer de vez o que acha

Para ver se muda o clima

Porque quanto mais se agacha

Mais lhe põem o pé em cima 



terça-feira, 26 de março de 2024

Provérbio provado rimado - MCCLXXVIII

Repetes o teu próprio nome

Como um galaró emproado

Ages como se o presidente

Te tivesse já condecorado


Quando abres essa goela

Tantas vaidades cacarejas

Prescindo de qualquer parcela

Do teu quinhão de invejas


Vaidoso e deveras pedante

Egoísta mais que os egoístas

Como te julgas importante

Adoras poder dar nas vistas



Provérbio provado rimado - MCCLXXVII

Conheço o teu terreno

Minado de más intenções

Por isso dispenso o veneno

Tempero dessas refeições


Estou careca e sei de gingeira

Como tu descascas a fruta

Como dás a dentada primeira

Com requintes de filho da puta


Quando me dei conta disso

Ainda pesei na balança

Se pensas apenas com o piço

Ou se podia ter esperança 


Contudo não quis insistir

Esperando uma consideração

Cuja ausência me fez desistir

E atirei a toalha ao chão



Provérbio provado rimado - MCCLXXVI

Não adianta gastar o latim

Se tu nem reparas em mim

Tão cheio do teu próprio ar

Mais não fazes do que te gabar


Vai andando que já vais tarde

Fecha a porta sem muito alarde

Que ela é serventia da casa

E nem foste um golpe de asa



Provérbio provado num verso branco - CXLII

ESTE VERSO


Este verso não se evidencia nos corredores

Este verso não se enquadra no descuido aparente

Empalidece na presença de um microfone aberto

É sempre e desde sempre um diálogo aborrecido

Entre o mesmo umbigo e o mesmo espelho

E mal logra a sua própria evasão já não se pode agarrar


Este verso não recebe diploma de participação

Este verso não é popular nem sequer é feminista

O indivíduo que aqui escreve bem podia ser um homem

Com a agravante de macho egocêntrico com um falo irado

Este verso não é melhor nem pior por ser feminino 


Este verso não é panfletário nem o lamenta

Este verso não dá voz às vulvas que abortam

Nenhum poema consegue compensar essa imensa solidão

A morte tamanha da possibilidade mais inteira

Daquele corpo de mulher que sobrevive

Depois de toda a vida que não lhe nasceu 


Este verso não risca bandeirinhas ao acaso 

Este verso não divulga em que camas tremeu de prazer

Feitas as contas e acabado o baile

Noves fora nada roda bota fora

Sabe que o sexo mais generoso não reinvidica

Tanto mais se entrega quanto o outro mais se entrega

Tesão sem efeito é um conceito tão rápido como um calafrio 


Este verso não jogou às escondidas com a polícia política

Este verso não ergueu cravos no Largo do Carmo

Mas é tão digno filho da revolução como quem entoou O povo unido

E sempre pôde dizer de sua cega justiça

Conforme a triagem que a circunstância lhe apontou 

Não é por acaso que os pratos da balança são redondos 

As únicas torturas sofridas foram auto-infligidas 

Que a auto-censura tem uma caixa de lápis de cor

Capaz de transformar palavras inócuas em frases tracejadas


Este verso já chorou por Odessa

Este verso já chorou por Gaza

Não faz no entanto a aclamada poesia social

Cantando os hinos fronteiriços com propriedade vocal 

Nem levanta as bandeiras rasgadas dessas populações 

Para granjear aplausos num Ocidente em paz


Este verso não é melhor do que outros versos

Na verdade este verso não é pior do que tantos outros versos

Este verso reconhece a própria voz e com isso se sente verso



domingo, 17 de março de 2024

Provérbio provado apartado

Se te lembras, a Matemática nunca foi o meu forte. Errei sempre as somas e as multiplicações. Só a dividir obtinha uma nota positiva - isto pensava, porém não consultei a pauta. Tinha um problema com as contas e um excesso com as palavras. E tu eras o oposto, não eras? Todo dado aos números e poupado nos elogios.

Pensar nisso agora não muda nada, o arrependimento não muda o passado. E o esquecimento aprende-se rápido.

Sabes?, se calhar não sabes..., deixei de sentir a tua falta. De vez em quando uma lágrima, uma só, ainda cai como num luto antigo. Uma só lágrima se acaso uma música que ouvíamos juntos ou se te pressinto ao virar da esquina e fujo dali. Mas não se assemelha a um pranto cara abaixo, daqueles que alcançam o pescoço. Nem chega a ser uma tristeza sem nome nem coragem.

Não, não tenho saudades, podes acreditar na sua ausência. É isso: uma ausência, um vazio dorido numa superfície suja, percebes?

Já nem sequer me lembro se te amei, mas recordo bem o nome carinhoso com que nos tratávamos, bebé.


- Longe da vista, longe do coração 

sábado, 16 de março de 2024

Provérbio provado num verso branco - CXLI

Daqui ao futuro já meio caminho andado

Uma boa parcela de esforço realizada

Se há progresso inicial aumentam as hipóteses

De ser alcance e não apenas desejo


Mas ninguém pode amparar a eternidade

Entre os braços como num embalo criador

Todas as promessas são por natureza vadias


O infinito não mora na impossibilidade

Desde que possa ser cada dia onde se existe

O futuro nunca compensa antes de tempo

Nunca compensa em face da expectativa

Para sempre é sempre por um triz



Provérbio provado rimado - MCCLXXV

Meu filho o mundo é redondo

Mas os cantos estão ocupados

Por gente que passa com estrondo

São uns idiotas chapados


Eles têm por característica

No que dizem só acreditar

Mas se vamos crer na estatística

O melhor é mesmo ignorar


Pois as pérolas que proferem

Nada de novo acrescentam

E apenas aos donos conferem

Toda a parvoíce que ostentam



terça-feira, 12 de março de 2024

Provérbio provado rimado - MCCLXXIV

Anda bem agasalhado

Pra não estares constipado

E usa sempre cobertor

Faça frio ou calor



Provérbio provado num verso branco - CXL

A grande maioria dos frutos

Prefere amadurecer nos ramos mais altos


Os frutos tingidos são balões

Apontando na direcção dos céus


Mas há os que não nascem nas árvores

Frutos que se apanham do chão


Há frutos em que se pode tropeçar

Na magnitude dos seus caroços


No entanto o fito está na polpa

Está nos olhos que se erguem


O desejo mora sempre mais acima

E quem quer bolota tem de trepar



Provérbio provado num verso branco - CXXXIX

Se escuto o ouvido interno

É hora de dar voz ao instinto


É importante que em toda a parte

As gavetas estejam bem arrumadas


É certo que a gente tem uma medida

Exacta e certa para cada coisa


A distância que atribuo ao meu polegar

Pode corresponder a três passos teus


Analisa bem os números na régua

Um polegar é igual a três passos


Deseja pouco nem mais nem menos

De rio pequeno não esperes grande peixe



Provérbio provado rimado - MCCLXXIII

Quem confunde áurea com aura

A Tieta com a Escrava Isaura

E põe ésse nos seus devaneios

Estraga o português sem rodeios


A aderência e a adesão

Fazem-lhe imensa confusão

Muito abusa da redundância

E ao caso não dá importância


Maltrata o verbo haver

Depois há-de no Hades arder

E sempre que diz derivado

Devia ser logo avisado


Aconselho que volte à escola

E que meta a língua na tola

Pois pra ele muito falar

É sinónimo de pouco acertar



sexta-feira, 8 de março de 2024

Provérbio provado rimado - MCCLXXII

O Jota só quer poleiro

Andar a exibir os galões

Bate o tacão altaneiro

Para não dar encontrões


Está sempre bem penteado

Tão asseado é o Jota

De fato bem engomado

Dá-se ares de janota


O seu desejo é crescer

E almeja tal ascenção

Não quer o poleiro perder

Pra não rastejar junto ao chão