Provérbios Provados noutras casas:

sábado, 23 de abril de 2016

Provérbio platónico

Oh, isso… Já lá vão mais de dez anos ou mais…
E antes já tinha deambulado por muitas profissões: fui estafeta, choffeur de turismo, barmen. Mas nessa altura substituía uma baixa de parto numa recepção mal iluminada.
Não, não me esqueço do dia em que primeiro a vi; chegou esbaforida com o cabelo louro desgrenhado. Tinha olhos claros grandes e tristes, que contrastavam com a alegria e rapidez dos gestos. Apresentou-se-me com um sorriso caloroso, e perguntou pelo “patrão”.
Foi assim, sem mais perguntas, que me habituei a conduzi-la através dos corredores que levavam ao escritório do director. Ansiava, ansioso, numa espera de vê-la, e ela vinha muitas vezes, às vezes todos os dias; algumas tiritava de frio, mas fazia alergia às mantas e aos chás quentes, outras pedia um copo de água, que depois não bebia porque estava fresca demais. Quanto mais caprichosa, flutuante e rabugenta se encontrava, mais eu a amava. Perdidamente, platonicamente.
Não, nunca me questionei qual o grau de intimidade com o director: por mim, tanto podiam ser família como amantes. Preferia imaginá-la livre, completamente livre, e isso ela era: completamente livre, era-lhe sanguíneo. O momento que vivia era o momento em que vivia. Tive muitas vezes vontade de
- Hoje está linda
mas não era preciso. Eu sabia que ela sabia.
Passado o tempo estipulado, e depois de algumas visitas com a bebé dormindo no ovo, a recepcionista voltou ao seu lugar e eu fui dispensado. Assim.
Não, não me despedi dela. Não aguentaria o pesar nos seus olhos claros grandes e tristes. Não lhe deixei nada. Eu sabia que ela sabia.

- Não há último adeus, senão aquele que se não diz

sábado, 2 de abril de 2016

Provérbio citado (MAUGHAM)

« Bernard continuava, no entanto, a não progredir na carreira e muitos outros, mais novos do que ele, já tinham sido feitos conselheiros. Era absolutamente necessário que ele o fosse também, não só porque de outro modo seriam quase nulas as esperanças de chegar a juiz, mas também por causa dela; mortificava-a entrar nas salas de jantar atrás de mulheres dez anos mais novas. Neste ponto, porém, encontrou no marido uma obstinação a que não estava habituada havia anos. Ele receava não ter trabalho suficiente como conselheiro do rei. Mais valia um pássaro na mão do que dois a voar, era o que ele dizia, ao que ela respondia que os provérbios eram o último refúgio dos pobres de espírito. (...)»


In O véu pintado – Somerset Maugham