Provérbios Provados noutras casas:

sábado, 30 de dezembro de 2017

Provérbio provado disparado

Ao contrário de ti, sou pouco terrena; aliás, nem sou desta galáxia. Tudo se passa a um nível cerebral, numa mente muito imaginativa, cheia de corredores e correntes de ar: o dito mito da complexidade feminina. Mas tenho pulsões como toda a comum mortal e satisfaço-as sempre que disso sinto necessidade ou desejo: considero ter uma sexualidade bem resolvida e sei separar as águas no que diz respeito a não misturar a fruição com as emoções(. A tão afamada química é essencial, não se pode deixar todo o processo à mercê das feromonas.
Não tenho, como tu, a pretensão de comandar os meus sentimentos. Julgo que nesse campo, e atendendo à nossa humana imperfeição, não somos donos e senhores dos afectos, embora não nos resumamos a meros escravos. Acredito que muita coisa escapa à nossa rude compreensão, principalmente quando julgamos estar no controle das situações: é aí que às vezes nos sai o tiro pela culatra.

- Sair o tiro pela culatra

Provérbio provado pouco escolarizado

Caro doutorado, aprovado por debitar conhecimento colado a cuspo, mas sem distinção nos afectos: na escola onde tu andaste o teu professor foi o meu pior aluno.
A escola da vida é capaz de ser das expressões mais tolinhas e até arrogantes que por aí pululam, mas efectivamente quem da vida obteve diploma, consegue ter uma perspectiva mais abrangente e maior abertura de espírito que muitos graduados empoeirados, a quem mal retirada a cátedra se apresentam de mãos vazias e são incapazes se abandonar num abraço.

- Na escola da vida não há férias

Provérbio provado rimado - CCXXXVI

Sou contra o acordo ortográfico
Imposto de modo pornográfico
Desrespeita a minha língua mãe
Um ror de outros países também

Leio livros de autores brasileiros
Que são tudo menos foleiros
Não preciso de ir ao dicionário
Para entender o vocabulário

Se leio um escritor africano
Não o considero profano
Percebo bem cada contexto
O acordo é apenas pretexto

Que serve o mercado editorial
Trata o leitor como anormal
E não previligia a riqueza
Da linda língua portuguesa

A polémica está somente na escrita
Que assim se tornou menos bonita
No oral nem sempre se compreende
Mas a falar é que a gente se entende

Provérbio provado rimado - CCXXXV

Tenho convívios virtuais
Que são bastante especiais
E conseguem ser mais reais
Que outros outrora fenomenais

Existe maior disponibilidade
Estar ao vivo não é prioridade
A relação não depende da idade
Até aprecio a maturidade

Muitas ligações desta rede
Conseguem matar-me a sede
De uma sabedoria que se mede
E muito preconceito impede

Amizades que fazem companhia
Em algumas há muita empatia
Quase parece telepatia
Cada louco com sua mania

Provérbio provado rimado - CCXXXIV

Das aranhas sempre suspeitei
Não tecerem as teias da lei
Isso é coisa de alguns juristas
Que se passeiam tal qual artistas

Chumbaram no exame da Ordem
De o repetir mais vezes não podem
Nos tribunais gostavam de estar
A complicados termos esbanjar

Não podem usar a bela da toga
Nem a cabeleira que se afoga
Quando está suja no lavatório
Depois de um parecer transitório

Invejam quem está em exercício
Lamentando-lhes o sacrifício
Têm desejo muito macabro
De ser advogado do diabo

Provérbio provado rimado - CCXXXIII

Se te crês mais esperto que os demais
Denunciam-te uns certos rituais
De certeza que és um dissimulado
E apresentas aquele ar de enjoado

Se gostas de armar esparrelas
Tem cuidado não caias tu nelas
Pois encontrarás sempre alguém
Que se acha mais esperto que a mãe

E até que a família restante
Dela julga-se o mais importante
Essa improvável esperteza
É capaz de lhe trazer riqueza


Provérbio provado rimado - CCXXXII

Os apitos leves fazem as delícias
Tanto de árbitros como de polícias
E funcionam melhor que algemas
Se se trata de evitar problemas

Mas eu conheço uma progenitora
Que quer fazer da filha uma senhora
Traz pendurado um apito ao pescoço
Que usa quando ela faz alvoroço

Cresceu muito e é adolescente
Com a mãe está a ficar descontente
Ela obriga-a a ir cedo à missa
Mas a filha não quer tem preguiça

Veste-lhe uns vestidinhos pirosos
Que afastam moços audaciosos
E controla-a a todas as horas
Diz vê lá se não te demoras

A mãe apregoa a castidade
Com medo que perca a virgindade
De a perder a jovem está deserta
Para isso tem de ser bem esperta

Terá de saber a mãe despistar
Quando ela dormir a ressonar
Mas não tem uma cópia da chave
Está trancada o que é um entrave

Tem de andar direita como um fuso
Não lhe é permitido um abuso
A mãe gabe-se de ser acautelada
E de ter uma filha bem guardada


Provérbio provado num verso branco - X

Uma língua costureira é de trapos e usa agulha para picar
Remenda desajeitadamente a sujidade do desperdício
No final veste o lixo num traje de distinta nobreza
E foge a correr para se pôr a salvo

O fingidor está sempre num palco com luzes intermitentes
Senta-se simultaneamente na bilheteira a cobrar sonhos medíocres
No final ainda faz vénias e recebe aplausos imerecidos
E foge a correr para se pôr a salvo

Na boca do mentiroso até a verdade é suspeita
Simula compulsivamente artes de loquacidade padronizada
No final passa pelo crivo higiénico da censura social
E foge a correr para se pôr a salvo



Provérbio provado rimado - CCXXXI

Olha que não se aponta que é feio
É costume dizerem às crianças
Os adultos nas suas andanças
A tentar colocar-lhes um freio

Pois querem a martelo educar
Com chavões que usam repetir
Quando não conseguem assumir
Que nessa função estão a falhar

Surge sempre uma contrariedade
A prole só quer desobedecer
Ou bem que se obriga a crescer
Ou bem se louva a espontaneidade

Se desejam ter um filho mudo
Liguem o botão da televisão
Passem-lhe o comando para a mão
Que afinal não se pode ter tudo

Provérbio provado rimado - CCXXX

Esta rima vai valer por duas
São frases que andaram nas ruas
Muito comuns nas manifestações
Em cartazes as ditas expressões

São queixas dos tempos de crise
É importante que isto se frise
Se o cinto não tem mais furos
Não se aumentam as taxas dos juros

Quando se usa o cinto apertado
Fica o povo sobrecarregado
E as dívidas só sabem subir
Sem hipótese de descontrair

Ficam também justas as calças
Impróprias para bailar umas valsas
Torna-se impossível baixá-las
A saída pode ser leiloá-las

Felizmente esta gente estóica
Libertou-se da maldita Troika
Pode enfim respirar um pouco
Se quem governar não for louco

Mas é preciso continuar o barulho
Não se pode amontoar como entulho
Quem é da luta não é lixo
E em número é maior que nicho


Provérbio provado rimado - CCXXIX

É um belo músculo palpitante
De muito sangue transbordante
Que tem só quatro cavidades
Sejam quais forem as idades

É responsável pela emoção
Está no peito o nosso coração
E deve jorrar em abundância
Superar-se em primeira instância

Para ele há frase em latim
Difícil de pronunciar assim
Ela é ex abundantia cordis
E é livre de quaisquer ardis

Provérbio provado rimado - CCXXVIII

É uma estúpida expressão
Faz desconfiar de antemão
Própria de gente racista
Arrogante e colonialista

Que no fundo é preguiçosa
E tem uma mente rançosa
É bom para o preto o trabalho
Diz quem é rente ao soalho

E não fiz uma rima pior
Pois tive assim algum pudor
Lidar com gentinha rasteira
Põe-me a bufar sobremaneira

Provérbio provado do patrão e do empregado

Patrão é patrão, empregado é empregado. E até podem ter uma relação de amizade e mútuo entendimento, que não deixa de ser uma relação desigual. Partindo deste pressuposto, vou contar a história do Justino e do Emanuel.

O doutor Justino é um líder nato: um metro e oitenta e noventa quilos de autoridade. Uma autoridade espaçosa, portanto. Gosta de mandar em vez de fazer, embora se quisesse pudesse realizar o trabalho, pois tem inúmeras capacidades e certamente não passaria fome se tivesse de arregaçar as mangas. Tem um QI portentoso, um raciocínio lógico e rápido, e é capaz de discutir sobre os mais variados assuntos, mesmo aqueles que só conhece superficialmente. Como defeitos, pode apontar-se-lhe a tendência para ser autoritário, possessivo e um tanto egocêntrico, assim como uma manifesta necessidade de controlar os acontecimentos. Se calhar não é assim tão frio e calculista como aparenta, mas como é pouco comunicativo, raramente demonstra afecto e compaixão. No entanto, gosta de ser elogiado e admirado.
O Emanuel é baixinho e franzino, passa facilmente despercebido. Admira o patrão e devota-lhe até uma admiração  um pouco cega: o que o doutor diz é lei. É cumpridor, mas não cultiva a largueza de espírito nem a concentração e habita num espírito acanhado. Essa preguiça mental acaba por conduzi-lo a um afã de chegar aos objectivos pelo caminho mais rápido, que às vezes é tortuoso. Apesar deste aparente enfoque, dispersa-se com facilidade, acabando por deixar muitas das tarefas a meio.
Hoje de tarde, o doutor Justino perdeu um cliente importante. Quando lhe foi apresentar um novo projecto, o dito cliente, embora já antigo e até então fidelíssimo, pura e simplesmente dispensou-o. Regressou à empresa desalentado: ombros caídos e sobrolho carregado. Quando os seus desejos não se realizam ou são frustrados, a pressão arterial dispara e as têmporas latejam de tal forma que parecem ir explodir a qualquer momento. Assim foi hoje. Atravessou o corredor, olhou para o Emanuel como se ele fosse invisível, e foi enfiar-se no seu gabinete a praguezar com as paredes. Passada uma interminável hora, já perto da hora de saída, abriu a porta de rompante e soprou feroz:
- Emanuel, ó Emanuel! Faz-me já um levantamento de todos os projectos que tivemos com a Óptica Olho Vivo. Orçamentos, prospecções e resultados das campanhas. Tudinho, ouviste bem? Quero que vás ao pormenor e não te ponhas a questionar as razões: para pensar estou cá eu! E olha, Emanuel, é uma tarefa para ontem!

- Manda quem pode, obedece quem tem juízo

sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Provérbio provado rimado - CCXXVII

Não quero passar o reveillon
Debaixo de um edredon
Irei para a serra de Sintra
Com amigos com muita pinta

É um pessoal bem disposto
Que sei não me dará desgosto
Assim fiz mais uma trova
Para o ano novo vida nova

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Provérbio provado rimado - CCXXVI

Não desejo muito ir à América
Nova Iorque não me deixa histérica
Gostava de ir a São Francisco
Mas a Califórnia é um risco

Um grande rombo no orçamento
E a viagem é um tormento
São mil horas dentro do avião
A bagagem enfiada no porão

Mas porém no estado do Nevada
A cidade deixa a gente excitada
Porque o que acontece em Las Vegas
Fica lá juntamente com as negas

Provérbio provado justificado

Tinha uma presença muito forte e fazia questão de dar uns apertos de mão bem vincados, engrossando a voz quando se apresentava: Rita Moreira, muito gosto!
O gosto era todo dela, pois a Rita não tinha um feitio nada fácil. Tinha uma personalidade muito intensa e, convenhamos, demasiado expressiva, opinativa, explosiva, impulsiva, resumindo nada esquiva. Era também excessivamente impaciente e muito teimosa: quando metia uma coisa na cabeça, queria levar a sua avante de imediato. A Rita fervia em pouquíssima água e quando explodia respondia à letra, não se furtando a uma boa querela. Como era assim meio doida, assustava facilmente quem dela se acercava, quer fossem relações de natureza laboral, amorosas ou até de amizade.
Em abono da verdade, lá no fundo a Rita não era má pessoa. Pelo contrário: era leal, forte e autêntica, com um coração puro e um espírito inabalável. E à laia de justificação, rematava muitas das suas conversas assim:

- Quem dá o que tem, a mais não é obrigado

Provérbio provado rimado - CCXXV

São um casal sem eufemismos
E chamam pelo nome os bois
Sem grandes sentimentalismos
Se estão debaixo dos lençóis

Vão logo directos ao assunto
E manifestam a vontade
Na cama ou no Fiat Punto
É para recordar com saudade

Quando se trata de fruição
Em toda a liberdade apostam
E dão rédea solta à tesão
Que até os passarinhos gostam

Provérbio provado viciado - II

O Pedro era aventureiro e bem humorado. Com ele havia sempre a garantia de um tempo bem passado, pois era extremamente divertido e estava sempre de bem com a vida. Esbanjava uma atitude positiva, atraindo as pessoas em seu redor de uma forma muito natural. O Pedro adorava comunicar e conhecer gente nova, assim como realizar actividades diferentes que fugissem da rotina banalíssima, o que lhe permitia arrecadar o máximo possível de boas experiências.
No que ao amor dizia respeito, o Pedro era, digamos, proactivo e assertivo, para usar dois termos tão caros ao jargão das entrevistas de emprego. Quando estava interessado numa mulher, não perdia tempo e partia imediatamente para o ataque, fazendo-a sentir-se muito desejada. Mas se acaso o caso não desse certo, o Pedro não ficava a chorar pelos cantos: seguia em frente com o coração cheio de esperança no futuro e partia rapidamente para outra sem problema algum. Adorava namorar de forma casual e os seus romances quase nunca eram duradouros, já que gostava mais da fase do flirt propriamente dito que das exigências que trazia uma relação. A sua parceira ideal não podia ser possessiva ou controladora, tinha de respeitar a sua sede de liberdade e ser igualmente livre e divertida.
O Pedro era gregário e aglutinador e do que ele gostava mesmo era do convívio, de sair com os amigos para a farra, de preferência com um grande e heterogéneo grupo. Nessas saídas à noite, cortejava muitas mulheres, abusando do seu forte poder de sedução. Os amigos admiravam-se de ele facturar tanto! Então, o Pedro gabava-se de ter um bom paleio e um beijo magnígico. E era bem verdade: o seu beijar era espontâneo e criativo, intenso e sensual, com a dose certa de língua.
Mas tudo isto tinha um reverso da medalha, pois o Pedro tinha muita dificuldade em controlar as suas pulsões e excesso de testosterona. Claro que não admitia ser viciado em sexo, dizia apenas que tinha um lado mais selvagem, mas andava sempre com o desejo à flor da pele. O sexo para o Pedro tinha de ser o mais original possível e procurava sempre ser muito inovador na cama. Na cama é como quem diz: na cozinha, no carro, na praia, nas casas de banho públicas, elevadores e provadores das lojas, ou qualquer outro local dito proibido. Quanto mais variados fossem os lugares, as posições e as situações criadas, mais tesão o Pedro tinha. Então se fosse de pé, isso é que ele gozava! Uma grande panóplia de jogos sexuais, brincadeiras prevertidas e acessórios de sex shops eram condimentos que o levavam à loucura.
Tanto inventou, que chegou o momento em que já não se excitava com o sexo tradicional e escorreito... E começou a necessitar de cada vez mais artifícios para ter prazer e conseguir atingir o clímax.

- Vícios privados, públicas virtudes

Provérbio escolar

Tinha dez anos quando entrei para o ciclo preparatório. Cheguei à nova escola pela primeira vez muito assustada; ia sozinha (os meus pais não puderam acompanhar-me pois estavam a trabalhar) e tudo me amedrontava: um sem número de pavilhões, uma turma cheia de caras novas, um ror de disciplinas e um professor diferente para cada uma delas. Em tudo o oposto da minha antiga escola primária, onde a minha sala ficava num anexo pequenino, com colegas amistosos e a acolhedora presença do professor João, sempre cordato, e que me tinha ensinado tantas lições: de Português, Matemática, Meio Físico e Social, História de Portugal e da Vida.
Na nova escola haviam muitos intervalos, sendo um deles dedicado à merenda. A minha mãe nem sempre tinha tempo de me preparar algo para levar e nessas alturas ia ao bar do polivalente (tinha uma carteira nova onde punha as moedas que os pais me iam dando).
Foi então que descobri o quiosque da Dona Maria; chamo-lhe assim pois o seu verdadeiro nome sumiu-se-me da memória. O quiosque ficava do outro lado da estrada em frente à escola. Como não era permitido sair nos intervalos, os pedidos eram gritados muito alto do lado de cá para a Dona Maria, que depois os transportava até à rede, fazendo-os passar por baixo desta, recolhendo o respectivo dinheiro e aproveitando a viagem para trazer o troco de outro aluno.
Recordo-me muito bem das sandes do quiosque (as carcaças eram sempre fresquinhas e muito saborosas), e com particular saudade das sandes de rissol: coisa nunca vista e que se tornou então para mim um pitéu muito apreciado que ainda hoje gosto, principalmente se vier acompanhado por uma folhinha de alface.
As idas e vindas da Dona Maria eram uma comédia, desde os pedidos trocados por causa do barulho dos carros até às suas corridinhas pela estrada fora da passadeira, já que os intervalos eram curtos e nesses poucos minutos se fazia o seu negócio.
Mas de uma coisa a simpática senhora fazia questão no meio daquela confusão: que, quando gritavam os pedidos, os alunos pedissem sempre se faz favor.

- Quem dá o pão dá educação

Provérbio provado rimado - CCXXIV

Gente que renuncia à paz
De criar o caos é capaz
Lança tamanha confusão
No seio de uma população

São cabeças maliciosas
Que deturpam todas as prosas
Levam a água ao seu moinho
No meio de tanto remoinho

Criam as próprias definições
Com caríssimos palavrões
E assim enganam os incautos
Lavram até novas leis nos autos

Provérbio provado rimado - CCXXIII

Viver é caso bem tramado
De acções sobrevarregado
Quem perdoa será perdoado
Quem magoa será magoado

É constação tão evidente
Não é preciso ser inteligente
Nem permanecer descontente
Quem a si mesmo não mente

Provérbio provado rimado - CCXXII

O tempo é cavalo alucinado
Galopa num trilho acidentado
Quando dás por ti é passado

Por isso vive vida sossegada
Não faças sangria desatada
De cada emoção desbragada

Provérbio provado esperançado - II

Somos como podemos. Vamos sendo como sabemos ser a cada momento. Viver todos os dias cansa. Muitas vezes ao tentarmos agradar estragamos tudo e ainda acrescentamos a insegurança aos nossos múltiplos defeitos. Já se sabe que a humanidade podia ser mais humana. E o amor menos egoísta. Não conseguimos estar dentro e fora ao mesmo tempo, por isso a nossa perspectiva é sempre incompleta. Falta sempre alguma coisa. E continua a faltar, mesmo quando chegamos lá. A insatisfação é tramada. A busca de um sentido para a existência nunca termina. Tentamos a superação mas o mais das vezes falhamos. O quotidiano é uma estrada cheia de buracos e cruzamentos inesperados. Temos de escolher um caminho e perdemos os outros, e já não podemos regressar aos caminhos desaparecidos. E se pudéssemos escolhiamos mal outra vez, principalmente quando julgamos estar cheios de razão. O Eu é um território desconhecido e solitário. Os outros são sempre mais competentes a viver. É o que pensamos quando sentimos raiva e falta de fe. Por tudo isto, não temos de pedir desculpa por sermos imperfeitos. Acima de tudo vale a pena esta vida que é um erro. Vivamo-la pois errando.

- Enquanto há vida,

Provérbio geracional

Esta geração d'hoje, que consente deixar-se representar assim, é uma geração sacripanta!
É um covil hipócrita e desprezível, que se vende por dá cá aquela palha. Aos bancos e seus supostos e compostos. Em nome do bem-estar.
Esta geração d'hoje é um burro impotente e teimoso, que finca as patas no terreno onde resvala. Escorrega em ideias, presumíveis ideias a que chama projectos – projectos são coisas viradas para um futuro medíocre. Ideias e projectos não são ideais: os ideais foram extintos por afinal serem demasiado grandes.
Esta geração quando vai às repartições, assina na cruz, e já acha que pode falar dos impostos dos outros. Esta geração se pudesse ainda era bufa da PIDE. Se pudesse fazia queixinhas ao chefe, se é que já não morde quando pode.
Esta geração d'hoje é caginchas e tem miúfa. Fala mal ou bem do 25 de Abril conforme o interlocutor. Acolhe petições online e partilha manifestos como se desse umas rapidinhas adúlteras só vagamente permitidas. Espera aplausos imerecidos, vê-se ao espelho em selfies e tem pressa de reconhecimento.
É tão mal educada que privilegia em vez do próximo o distante, interrompe conversas ao vivo para atender o telemóvel, prefere descrever um acontecimento depois do que vivê-lo enquanto. Fala de um púlpito imaginário para um público imaginário, cheia de vaidade e solidão.
Esta geração d'hoje, ai se mandasse!, fazia e desfazia, ao menos votasse…


  • - Saúde e geração não se apura

Provérbio provado rimado - CCXXI

Nesta casinha estou viciada
Com tantos amigos encantada
Não esperava tanta partilha
Vocês são uma maravilha

São gente muito educada
Com a cabeça bem arejada
São uma bela quadrilha
E muito unida matilha

Por isso tão entusiasmada
Sinto-me uma previligiada
A cabeça de ideias fervilha
Não sigo nenhuma cartilha

Estou meia aparvalhada
Por estar tão bem acompanhada
Obrigada bonita pandilha
Nenhum homem é uma ilha

Provérbio provado rimado - CCXX

Na aldeia em dia de festa
Na calma hora da sesta
Estava deserta a quermesse
O Serôdio chegou com interesse

Viu logo as rifas num cesto
Teve um desejo manifesto
De os prémios todos ganhar
Até aqueles com mau ar

Aproximou-se de mansinho
Sorrateiro bem devagarinho
E lançou ao cesto a mão
A ocasião faz o ladrão

Bem procuraram as beatas
Até no cesto das batatas
Mas as rifas não acharam
Zangadas enfim praguejaram

À noite foi uma maravilha
O Serôdio fez a partilha
Dos pechisbeques e das louças
E agradou a todas as moças

Diziam hoje tens de jogar
Pois a lotaria vais ganhar
Com essa sorte que tu tens
Qualquer uma feliz manténs

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Provérbio familiar - III

Em comum temos o pai e a mãe. De resto, não podíamos ser mais diferentes... tanto física como psicologicamente. Desde pequenas estamos habituadíssimas à exclamação: não parecem nada irmãs! E à pergunta: qual é a mais nova?
Como definir a nossa relação? Somos irmãs e basta!, mesmo quando isso não basta. Tenho amigas que talvez me conheçam melhor, mas ninguém me conhece tão por inteiro, ninguém tem tantas memórias inúteis minhas, ninguém foi tão cúmplice no disparate e na alegria mais pura. Ah, as cantorias no Toyota amarelo, os jogos de bisca com o avô, os bolos de terra na várzea! E as conversas no alto das arribas. Tanto, tanto, minha irmã!
Somos como a água e o vinho: uma refresca, a outra inebria, uma mata a sede, a outra mata bicho. Somos como a água e o azeite: convivem, mas não se misturam, trazem a verdade à tona e juntas mantêm-se à tona. Une-nos um fio invisível, indizível. Só nos resta permanecer.

- Os dedos da mão são irmãos mas não são iguais

Provérbio provado rimado - CCXIX

Ando muito como o Aleixo
Neste livro que vos deixo
Versinhos de pés quebrados
Pequenos e bem ritmados

Não sei bem o que se passa
A rimar nunca achei graça
E nem uso o dicionário
Só apenas o abecedário

Se a vossa paciência torro
É dizer e já me desforro
Faço logo outra rima
P'ra mim p'ra ti e p'rá prima

Provérbio provado paginado

Nas primeiras páginas de um livro começa a desenhar-se uma história e apresentam-se as personagens centrais; corresponde este início à infância, na qual floresce o ser e se vai preparando para viver.
À medida que se desenrolam os capítulos, o enredo vai progredindo ao sabor das aventuras e desventuras dos heróis numa dança agitada, e por vezes uma ginástica irregular composta de acrobacias difíceis de coordenar. É aqui que se aprende a vida e se adquire conhecimento de acordo com os acontecimentos que se sucedem ininterruptamente, tantas vezes sem piedade das incapacidades de cada um, calando estados de alma e secando lágrimas. Mas também outras tantas alegrias vibrantes, amores e saudades: laços duradouros que se estabelecem, acompanhando a busca incessante de novas sensações e aprendizagens.
Sobre o fim do livro sabe-se pouco, tem mesmo de se ler até ao fim.

- A vida é um livro aberto

Provérbio provado rimado - CCXVIII

Ainda andam por aí uns pides
São mais que as mães e as pevides
Agora escondem-se atrás dum ecrã
E partilham fotos no Instagram
Se te puserem gostos no perfil
Manda-os mas é embora a mil

Provérbio provado amigado

Quero falar aqui da amizade, não porque seja uma novidade, mas por necessidade de colocar no pódio esta emoção tão e cada vez mais importante. Entronizá-la, medalhá-la. Na amizade descobrimo-nos com renovada surpresa. Percebemos que a nossa imperfeição tem ouvidos. Na casa que cada amigo é não há paredes, só janelas com vistas desafogadas. Cada amigo é um pássaro com quem se pode migrar para descobrir onde acaba o infinito, cada amigo uma poltrona estendendo os braços onde se descansa do duro ofício de viver, um amigo uma sesta, um mergulho, uma refeição que mata a fome.
Ninguém é tão democraticamente tolerante como o amigo que nos aceita tal como somos, que permite que sejamos livremente inteiros.
Muito obrigada às amigas e amigos que me têm acompanhado, mimado, estimulado e contrariado. Não faz mal que não nos vejamos quando queremos, não faz mal o hamburguer em vez da lagosta, não faz mal a lágrima e ausência de gargalhadas, nem aquele telefonema que não chegou a ouvir-se. Aos amigos tudo desculpamos. Não estamos cá só para casamentos, visitas à maternidade, baptizados e funerais. Estamos cá para saber que somos, existimos e fazemos falta

- Amigo certo conhece-se na hora incerta

Provérbio provado rimado - CCXVII

A tristeza nem se nota
Certas vezes que eu cá sei
E até bater a bota
Nesse dia não pensei

A alegria uma miragem
Noutros outros tantos dias
Vou correndo p'la paisagem
Alimentando simpatias

Aspirando liberdade
Deixo a gaiola aberta
E retorno com vontade
Quando a vontade desperta

Sou pássaro muito leve
Há quem não goste assim
Com uma loucura breve
Que nasce dentro de mim

Mas não me pisem os calos
Se a defesa impera
Levam um par de estalos
E ataco como uma fera

Provérbio provado rimado - XXCVI

Aceitar conselhos alheios
Até mesmo olhando a meios
É uma faca de dois gumes
Boa para cortar legumes
São bons quando são pedidos
Rejeitados se oferecidos

Tem-se sempre a sensação
De que estão ali à mão
E quem se está a imiscuir
Do momento não pode fugir
Deve aguentar insucessos
Aqui e além alguns excessos

Conselhos são contribuintes
Considerados pedintes
Quando são isentos de imposto
Mesmo assim deixam desgosto
É que a galinha dos ovos de ouro
Não sabe aceitar desaforo

Canta inchada no poleiro
Um canto um pouco foleiro
Pode também ser mesquinha
Até bastante fuinha
E um revés nunca aceitar
Se não a souberem levar

Por isso vos digo amigos
Que não querem passar perigos
Conselhos devem escutar
Mas depois bem devagar
E de forma algo leviana
Fazer o que dá na real gana

Provérbio provado num verso branco - IX

Marketing directo

For sale
Cérebro com corredores
Atreito a ventanias
Correntes de ar
Janelas partidas
Portas fora dos gonzos
Sem eira nem beira
Preço negociável

This side up
Corpo já carunchoso
Ombros curvados
Escoliose severa
Cervical sempre tensa
Perna maior que a outra
Deveras assimétrico
Muito preguiçoso
Melhor oferta

Handle with care
Alma bastante frágil
Coração partido
Pensamento volátil
Forte inconstância
Palavras em catadupa
Perda de oportunidades
Falta de empenho
Contacte-nos hoje

Provérbio provado rimado - CCXV

Quero que se solte o beijo
Como naquela canção
E faça jus ao desejo
Que habita no meu coração

A coisa ainda é fresquinha
Faz de conta que não disse
Até o gato da vizinha
Mia com tanta cusquice

Tenho de lhe fazer xiu
Mas ela abre a porta
Finge porém que não viu
E que afinal não se importa

Nasce em mim um amor
Que nem às paredes confesso
Espero não me traga dor
As palavras já nem meço

Provérbio provado rimado - CCXIV

Somos colecção de instantes
E já nada é como dantes
Quando a curta juventude
Nos espreitava em plenitude

Numa cabeça muito leve
A hipótese é cada vez mais breve
Os sonhos tornam-se irreais
Despertam com menos vogais

Ninguém faz um gesto de basta
Nesta caminhada tão vasta
Parecia muito mais comprida
A estrada a que chamamos vida

Provérbio provado rimado - CCXIII

Comprem que é muito barato
A inveja servida num prato
Deve aceitar-se como facto

Bem comida pela menina
Torna-se um pouco mais fina
É vero negócio da China

Mas se aparecer um matulão
E a sorver voraz com a mão
Pode terminar num caixão

Que ela é em bom português
Usada por quem é má rês
Sem esperar pela sua vez

Inveja tem mais que um sinónimo
Também um ou outro antónimo
É cuspida da boca do anónimo

E por vezes é vomitada
Sem sequer ser mastigada
Cuidado que não tarda nada

Sentimento tão negativo
De identificar intuitivo
Melhor é guardá-la no arquivo

Parece ser uma tragédia
Mas é uma coisa intermédia
Com o seu quê de comédia

Pois está à espreita à janela
Com cor de merda amarela
E medo que digam mal dela

Por isso aviso senhores
Se a vir na casa de penhores
Talvez lhe teça louvores

Provérbio provado num verso branco - VIII

O tempo é um pássaro: voa
É um médico: cura tudo
Um professor: ensina sempre qualquer coisa
O tempo tem cornos
A vida ângulos rectos
Nas esquinas onde se aguarda pelo resto
Onde se espera o que já não vem
Enquanto viver arrebata e enlouquece

Saber não colocar tudo numa só esperança
Quando se dá muito e demais
Os olhos alheios desviam-se
Os ouvidos tapam-se
E as mãos fecham-se nos bolsos
O excesso enferruja rápido

Ser apenas simples e lento
Calar mais e deixar falar o silêncio
A ausência de palavras canta uma verdade que prende os momentos
Não forçar os acontecimentos
Não ser mais papista que o papa
Nem teimar que se conhece de antemão a corrida
O rio nada para a foz e não volta para trás

Provérbio provado rimado - CCXII

Faço umas rimas incertas
Por dá cá aquela palha
Só para mentes abertas
Ou talvez coisa que o valha

Podem talvez correr mal
P'ra quem se leva muito a sério
Pero a mí me dá igual
Não é esse o meu ministério

Posso ofender os poetas
Que abundam p'la nossa praça
Cheios de razões concretas
E que não me acham graça

Por isso desculpa peço
Neste soalheiro domingo
Porém as palavras não meço
E feliz sigo p'ra bingo

Provérbio provado rimado - CCXI

Os santos têm pés de barro
E os diabos os têm de cabra
É nessa evidência que esbarro
Quando vejo uma coisa macabra

Provérbio provado rimado - CCX

Vejo gente em bicos de pés
A trepar para um pedestal
O que só demonstra a avidez
Que engorda a pessoa banal

Dos seus ídolos copiam os tiques
P'ra se destacarem na multidão
E querem ser muito chiques
Poder marcar esta geração

É um tipinho de malta
Normalmente assaz interesseira
E quando a vaidade os assalta
Lá vem a resposta costumeira

Seria bom se não se achassem
A última bolacha do pacote
E nas próximas eleições votassem
Já que muitos lhes fazem boicote

Não quero com isto dizer
Que sou vazia de defeitos
Mas ao menos não uso esconder
Que são mesmo muito imperfeitos

Provérbio provado rimado - CCIX

Eu cá fervo em pouca água
Porém dá-me alguma mágoa
É esse um grande defeito
Lá está ninguém é perfeito

Sou assim mesmo espontânea
Por isso nada consentânea
Sou também muito genuína
Desde os meus tempos de menina

Mas mesmo apesar dos pesares
E de ter tido os meus azares
Eu tento ser sempre generosa
E muito poucas vezes maldosa

Se querem ser meus amigos
Convivam com os tais perigos
De um humor sempre a mudar
É assim que  têm de me aturar

Provérbio provado rimado - CCVIII

Às vezes destilo fel
Se tenho o ego insuflado
Nas palavras não ponho mel
Corto tudo a machado

Tiro a faca da liga
E a franga da capoeira
Roubo a migalha à formiga
Da Eva a macieira

Irrita-me quem debate
Questões de lana caprina
E assim toco a rebate
O sino como uma sina

Quem gosta de esmiuçar 
Qual é o sexo dos anjos
Começo-me a impancientar
Não há cu p'ra tais marmanjos

Querem saber se apareceu
Primeiro o ovo ou a galinha
E talvez qual deles morreu
Mas que raio de ladainha

É verdade que também
Da discussão nasce a luz
Mas quero mandá-los à mãe
E pregá-los numa cruz

Tenho de ser mais tolerante
Aprender a ter paciência
Pois é nesse preciso instante
Que adquiro sapiência

Provérbio provado em palavras esbanjado

Coração é aquela coisa que está do lado esquerdo do peito. Serve para bombear sangue para o resto do corpo. Os malucos dizem que é responsável pela capacidade de sentir afecto, empatia e amor por outros seres humanos. Mas já se sabe que não se pode confiar nesse tipo de gente, costumam ter o coração ao pé da boca.

- Ter o coração ao pé da boca

Provérbio provado em palavras poupado

Há expressões que entram misteriosamente no léxico idiomático e se tornam recorrentes como modismos da linguagem. Uma dessas frases, muito na moda, que me irrita sobremaneira é a preguiçosa: Não tenho palavras. É muito usada por exemplo pelos concorrentes dos concursos de talentos que nunca têm palavras para descrever as emoções que estão a sentir. Ora bolas!, com uma língua tão rica como a nossa, repleta de sinónimos e adjectivos qualificativos, e tantas coisas que há para dizer para definir situações e diferencia-las de outras, as pessoas limitam-se a não ter palavras? Que falta de vontade de pôr o cérebro a trabalhar!

- Palavras não custam dinheiro

Provérbio orgulhoso

O orgulho é um sentimento exagerado que cada um tem do seu próprio valor. Embora essa vaidade possa ser legítima, é por vezes confundido com amor próprio. Nascem ambos do umbigo e são egocêntricos, mas um e positivo e outro negativo. E se é óptimo ter auto estima, quando esta se agiganta metamorfoseia-se em orgulho insuflado e o ego passa a habitar numa postura defensiva, que joga ao ataque à mínima suspeita de crítica. Então, o que poderia ser construtivo e contribuir para melhorar o amor próprio, passa a ser apenas rancor cego.

- O orgulho não quer dever e o amor próprio não quer pagar

Provérbio provado rimado - CCVII

Livre não vive
No chão no poço
No prato de tremoço
Numa vida a bocejar

Livre não vive
Junto ao osso
Sem pescoço
Nem consegue respirar

Liberdade
Essa palavra
De tudo e todos escrava
Enquanto tenta voar

Liberdade
Não perdoa
Por entre as mãos se escoa
À procura de lugar

Provérbio provado rimado - CCVI

Pudesse dizer o amor crescente
Total e efervescente
Carnal quase demente

Pudesse dize-lo sorrindo
Feroz até mentindo
Ao eu porém sentindo

Pudesse comê-lo sem espinhas
Sem dores nem mágoas minhas
Presentes nas entrelinhas

Talvez soubesse amar
E com coragem cantar
Essa vida agora a chegar

Provérbio provado mascarado

Ai, o meu inimigo Charlie...
Bem sei que sou uma chata, mas não consigo achar graça ao Carnaval. Deve ser uma coisa algo freudiana, pois em criança nunca me mascaravam e ficava a um canto a ver os outros meninos brincar. Ainda hoje espero que aquela folia tão forçada passe rápido, mas tenho o azar de fazer anos em Fevereiro, por isso às vezes o meu aniversário coincide com tais festejos.
Sim, sei que há uma história por detrás: o deleite pagão que antecede a quaresma. E até consigo gostar dos caretos, dos badalos, da sátira social e política que resiste em algumas localidades portuguesas.
Quem gosta do entrudo (e há mesmo quem se divirta a valer!) aproveita até ao último minuto os três dias de palhaçada e música foleira... e na quarta feira de cinzas das duas uma: ou vai trabalhar com uma ressaca monumental ou vai para a escola com uma tristeza infinda que substitui a alegria perdida.
As máscaras, essas, continuam todo o ano...

- Esta vida são dois dias e o Carnaval são três

Provérbio provado rimado - CCV

Desejo a rima instantânea
Que seja o máximo espontânea
De propósito sem pontuação
Não é só falta de atenção

O mesmo faço com a prosa
Sem método bem palavrosa
Mas com vírgulas e dois pontos
E de exclamação sem descontos

Uns que outros ficam melhor
Alguns são mesmo do pior
Sinceramente não me importo
E nem muito bem me comporto

São assim os provérbios provados
Por mim sobremaneira estimados
Já centenas no blog existem
Depois nesta casinha persistem

À porta ninguém se detém
Não a abram com desdém
Nem a fechem com rancor
Isso sim me traria dor

Provérbio provado rimado - CCIV

Podemos ser muito empáticos
Também bastante simpáticos
Mas cuida de si cada um
Que colinho não há nenhum

É assim mesmo a vidinha
Uma espécie de pesca à linha
Ver se o peixe morde o isco
Comê-lo todo num petisco

Não vale ser Peter Pan
Atrapalhado e tantan
Quanto mais de si é seguro
Menos o destino é duro

O segredo é desenrascanço
Saber viver com descanso
Pois no cú dos outros a pimenta
Para mim é refresco de menta


Provérbio provado rimado - CCIII

Quando à distância há tesão
O remédio é usar a mão
Que a imaginação é tão forte
É bem fácil perder-se o norte

É excitante uma boa conversa
Se a mente for um pouco perversa
Não é bicho de sete cabeças
Perdão a ti mesmo não peças

Provérbio provado rimado - CCII

O Tó é um tipo banal
E tem pinta de intelectual
Usa óculos de massa pretos
Típicos dos cara de espertos

Anda sempre com um bloco
E a ninguém dá troco
Enfia o nariz nas folhas
Conversar só a saca-rolhas

Tão tímido com cada mulher
O Tó nem consegue escolher
Nunca diz nada erudito
No bloco não há nada escrito

Traz um bornal com um livro
Fiel ao comportamento esquivo
No dizer a frase é sem espinhas
A parar em todas as capelinhas

Usa uma bela gabardina
Própria de gente que é fina
E parece daqui visto ao longe
Que o hábito faz mesmo o monge


Provérbio provado rimado - CCI

Ai ai ai minha machadinha
Que farei da minha vidinha?

Que linda falua que lá vem lá vem
É tão grande o que a vida contém

Ó malhão que vida é a tua?
É comprida tal qual a falua

E a oliveirinha da serra
Tem raízes profundas na terra

Se atirar o pau ao gato
Ele faz-me cócó no sapato

Com as cantigas já estou baralhada
Parece que estou na rima errada

Pus-me a convocar a memória
A recordar assim cada história

Quase dava para fazer uma tese
Se não viajasse na maionese

segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Provérbio provado rimado - CC

Esta é a rima duzentas
Parabéns à linda casinha
Vai a rimar ligeirinha
Qualquer dia são trezentas

E atendendo às centenas
Que não há duas sem três
É a conta que Deus fez
Cá estarei sem problemas

domingo, 24 de dezembro de 2017

Provérbio infantil

Tinha seis anos e os olhos grandes como todas as crianças, bem abertos a cada manhã, cheios de curiosidade pela vida que era uma canção e uma descoberta constante.
Gostava da chuva para poder chapinhar nas poças, até a mãe lhe ralhar: olha que te sujas toda, olha que te constipas!
Pedia uma irmãzinha à mãe para lhe poder vestir vestidinhos como fazia às bonecas, roupas muito brancas com laços cor de rosa, para lhe poder cantar as cantilenas que lhe ensinavam na escola.
Todos os dias aprendia mais uma letra, uma letra dum alfabeto tão comprido que parecia não terminar.
Gostava muito de ouvir histórias e gostaria de vir a escrever aquelas que não lhe tinham contado mas ouvira na imaginação.

Um dia perguntou à professora:
- Porque é que o amor anda descalço? É que o meu pai está sempre a dizer à minha mãe que se não fôssemos pobres lhe dava um par de sapatos novos todos os dias porque a ama tanto... Não serão os beijos na boca as melhores prendas? Eu também queria dar um beijo na boca, mas o Ricardo foge sempre de mim! Será que terei na vida beijos suficientes? Daqueles muito demorados como os dos meus pais quando vão de noite para o quarto e pensam que eu não estou a ver. Já não sou nenhum bebé... e sei muito bem que é das línguas unidas que vai nascer a minha irmãzinha.

- Da boca das crianças sai a verdade

sábado, 23 de dezembro de 2017

Provérbio provado rimado - CXCIX

O sábio não diz o que sabe
O tolo não sabe o que diz
No primeiro vaidade não cabe
O segundo é mero aprendiz

Ambos têm dois ouvidos
Para escutar os incompreendidos
Mas apenas uma boca
Para não dizer frase oca

Só que enquanto o sábio escuta
Sem ajuízar de permuta
O tolo fala demais
E estraga todos os finais

Provérbio provado rimado - CXCVIII

O Pedro é agente do SIS
Mas a figura não condiz
É espião que veio do frio
Se o diz não o contrario

Comunica em código Morse
Se na mão não tiver um entorse
Puseram-lhe no crânio um chip
E deram-lhe notas com clip

Tem russa modelo amante
Que vê só num instante
Quando vai em secreta missão
Aos cem anos da revolução

Mas no fundo está tão carente
Dum antigo amor descontente
Sente grande falta de afecto
De fazer cafuné sob um tecto

Está farto de lençóis apressados
Com nódoas e muito enrugados
E de tanto coito interrompido
Sente-se triste e tão perdido

Quer assentar arraiais
E ter rotinas normais
Que a idade não perdoa
Não quer andar mais à toa

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Provérbio provado sobredotado

Quando a mãe e o pai, Maria e José respectivamente, o foram matricular na escola primária, o processo do filho trazia tantas páginas como as esperanças que nele depositavam e tantas eram as preocupações com a sua adaptação como as páginas em branco onde se escreveria o seu futuro escolar. O dito processo tinha sido analisado, esmifrado e carimbado por uma resma de especialistas de prefixo psi. Depois de muitas trocas e baldrocas, copos meio vazios e pontos de interrogação, a horda de doutas sapiências lá fora capaz de chegar a um diagnóstico pouco consensual: o menino era sobredotado, egomaníaco e mitómano, com laivos de um perfeccionismo doentio.
A Dona Augusta foi a professora que lhe calhou em sorte. Em sorte não!, que o director de departamento deu voltas e voltas à cabeça para arranjar uma sala de aula onde encaixar criança tão sui generis com uns pais tão exigentes. A professora Augusta era tão paciente com os variados degraus de aprendizagem de cada aluno como com as suas teimosias e birras; tinha um largo espectro de tolerância para com os diferentes comportamentos e personalidades, sabendo ser firme quando a ocasião assim o impunha. A coisa ia.
O pior era o recreio. O menino via-se solto e dava largas à imaginação enchendo os ouvidos dos colegas com as suas histórias inverosímeis: que tinha criado o mundo em seis dias e no sétimo tinha descansado, que o dotara de todos os animais, plantas e organismos visíveis e invisíveis, e que moldara um homem do barro e depois uma mulher da costela dele. Um chorrilho de mentiras! As crianças não são tão crédulas como se pensa, percebem bem quando lhes estão a mentir à descarada. E desfaziam-se em queixas à professora.
Veio o fim do primeiro período e com ele a respectiva reunião de pais. E embora tivessem acontecido já muitas conversas paralelas sobre as historietas do recreio, a professora Augusta decidiu ignorar a temática e dedicar-se a tratar do que era realmente importante: o aproveitamento dos alunos. Quando chegou a vez de dirigir a palavra a Maria e José, usou dos seguintes panos quentes a atirar para o morno:
- O vosso filho apresenta algumas dificuldades de concentração na sala de aula, ao tentar ser omnipresente não chega a todo o lado e dispersa-se. É muito seguro de si e está convencido que sabe tudo. E, de facto, atingiu todos os objectivos propostos: sabe organizar o pensamento e exprimir direitinho as suas ideias. Só há um problema: a caligrafia é péssima, ilegível mesmo, e não é capaz de se manter numa linha, escreve tudo torto e fora das margens...

- Deus escreve direito por linhas tortas

Provérbio provado rimado - CXCVII

Não soubeste ter cuidado
E tiveste um dia azarado

Ontem eras são e escorreito
Hoje levas um braço ao peito

Bate mas é na madeira
Benze-te de qualquer maneira

Acende uma vela ao santinho
A pedir não sejas poupadinho

Mas braço em gesso é melhor
Que pedir ao chefe por favor

Tenha ele a razão que tiver
Não lhe dês o braço a torcer

Provérbio provado rimado - CXCVI

Nunca vi ninguém enriquecer
A trabalhar como deve ser
Pois quem na vida é honesto
Não lhe sobra troco para o resto

A menos que tenha uma herança
Recebê-la é sempre uma esperança
Ou que ganhe no Euromilhões
Desde que não apenas tostões

Há quem se julgue muito esperto
De engraxar o patrão está deserto
Para poder subir na carreira
Sem mérito e de qualquer maneira

Se a vida o trata a estalos
Tem de fazer mais que coçá-los
É dedicar-se à bela corrupção
E escapar de soprar no balão

Como a cigarra dormir a sesta
Alapado em vida desonesta
É melhor essa vida de insecto
Do que viver de um modo recto

Quem diz imita a formiga
Para poderes viver sem fadiga
Ouviu a mesma história que eu
Mas nenhuma importância lhe deu

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Provério provado num verso branco - VII

No rosto a vida toda marcada
Nada está ali ao acaso
Lê-se nele os braços que deu a torcer
Os sapos crus que teve que engolir
Os sapatos que calçou e não eram seus
Lê-se cada acorde desafinado
As esperas inúteis e quantos segundos congelados

O seu íman converte o imã
Entroniza o republicano
E filia o anarquista
A sua força é centrípeta
As extremidades desafiam as leis da natureza
A matemática e a filosofia afundam-se na inutilidade

Vive a tranquilidade inquieta
Daqueles que consumiram a inevitabilidade
Dos instantes incompletos e fugazes
Emana um chatme lento e transparente
E tem a respiração típica de quem viveu a vida asmática
Enquanto o pau vai e vem folgam as costas

Provérbio provado enfim descansado

Em breve precisarei de óculos para ver ao perto, pois terei a chamada vista cansada. Com esses óculos enfiaria a linha na agulha, mas já nasci numa época em que mulher que não saiba costurar é socialmente aceite. Também é tolerada se não tiver jeito para a cozinha. Sou filha da revolução. Queriam chamar-me Rui Pedro mas quando nasci ainda não existiam ecografias, tiveram de contentar-se com uma menina. No ano em que terminei a instrução primária o país entrou para a UE. Tenho quase a mesma idade da Festa do Avante. Quando andava no liceu dizia que quando um maço de tabaco e um café custassem 500 escudos deixaria de fumar. Hoje custam o equivalente a 800 escudos e persisto no vício. Começam a desenhar-se-me rugas e finos sulcos no rosto e a pele está a perder o viço. Trabalho mecanicamente:sou menos eficiente que um robot. O que me alivia o duro quotidiano é saber que ao fim do dia posso voltar à posição fetal, esta vida fugaz é o intervalo entre dois sonos.
Entrei nos entas e já não vou para nova. Sou mais nova que ontem e mais velha que amanhã. Morro um pouco mais a cada dia, renasço um pouco mais a cada poente, tenho crises de ansiedade nos equinócios, mas não sinto ainda os calores da menopausa.
Fui lentamente deixando de gostar do dia do meu aniversário, e logo eu que o vivia com tanto entusiasmo! É um dia que parece de novo Ano novo: faço balanços balançando, tenho conversas sérias com o espelho e convido-me para jantar. Claro que nunca vou sozinha, há sempre um maior ou menor grupo de amigos, há sempre membros da família, mas já me aconteceu como se eu sozinha naquele restaurante, dada a melancolia induzida por esse tipo de introspecções subordinadas à efeméride, como se eu sozinha, eu forreta na gorjeta, eu aquela rabujenta que reclama que o bife está mal passado e quando lho trazem de volta o acha demasiado passado.
Digo a minha idade sem falar em números, embora não seja segredo. Hoje ainda há engraxadores na Baixa, há e haverá graxistas circulando nos pequenos feudos que compõem as esferas laborais.
Ainda ponho meias solas nos sapatos, mas já não vou ter com o amolador quando vem apitando rua fora: sai mais barato comprar um chapéu de chuva no chinés, mas mais caro à Natureza lidar com tanta poluição de varetas.
À medida que caminho em direcção ao ocaso, recordo com cada vez maior pormenor as madrugadas. Por exemplo, lembro-me bem das tardes passadas na Feira popular, nessa altura ainda não sabia o significado de kitch mas já não gostava de algodão doce: a mais kitch do mundo das guloseimas, principalmente quando é cor de rosa.
Ia também muito ao Zoológico nessa época; regressei lá há muitos anos, já decorridos outros tantos desde a última visita, e pareceu-me o mesmo elefante de serviço à sineta dezasseis horas por dia, aqueles mesmos olhos tristes, aquele mesmo andar muito lento de esperança perdida, o derradeiro sopro de vida a extinguir-se a cada moeda que aceitava transportar na tromba. O pobre!... Eu ao menos posso chegar ao fim do dia, descer dos cabides onde ando pendurada e vestir por algumas horas a minha identidade se a encontrar. As que trabalham no mesmo sítio que eu, parece que lhes devia chamar colegas, dizem-me até amanhã se Deus quiser, e eu sopro para os meus botões: Deus quer!, porque é que não havia de querer lá do alto da sua infinita misericórdia, se eu não faço mal a ninguém a não ser a mim mesma?
Quando posso finalmente esticar a ciática, penso na minha mãe que deixei de poder ver, penso na mãe Natureza que deixei de querer ver e conto milhares de carneiros saltando uma cerca num prado, devo ter visto aquela cerca e aquele prado em algum filme e é sempre a mesma cerca e o mesmo prado, até a sonhar acordada sou monótona! Descansar dá muito trabalho: só de saber que amanhã vai começar tudo outra vez e terei de andar às voltas no periclitante e embriagante carrocel, fico tão angustiada que às vezes até sinto que o diabo me vem esfregar um olho. Durante o expediente, saber que o tempo em contagem decrescente conforta-me: agora só faltam duas horas para ir picar o ponto, agora só falta uma hora para o merecido descanso, agora já cheiro o vento do solstício e dos escapes dos carros.

- A esperança do descanso alivia o trabalho

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Provérbio provado calado

Falando objectivamente, ele nunca lhe disse que gostava dela. Mas a Júlia escancarou as portas do coração e passou a habitar na ilusão de que era correspondida, nunca imaginando que ele não a rejeitava por cortesia. Claro que aquela amizade colorida - oh, expressão tão sem cor! - oferecia a Jorge o melhor de dois mundos: uma amiga que até era inteligente e espirituosa e bebia com avidez tudo o que ele dizia e um sexo relativamente satisfatório sem compromisso e de borla.
Nunca iam jantar fora, a concertos, ao cinema, beber um copo ou sequer passear no parque e o seu convívio era espaçado: uma vez por mês, quando muito duas se alguma das outras amigas com quem o Jorge tinha sexo ocasional se mostrasse indisponível.
A Júlia levava décadas para conseguir estacionar no bairro onde ele vivia e, mal tocava à campaínha, era recebida com um beijo de fugida na face. Uma ou outra vez tentou abraçá-lo, mas ele tão rígido e desconfortável que desistiu constrangida: na sua paixão cega não queria pressioná-lo de nenhuma forma, por isso nunca revelava os seus anseios de um compromisso mais sério, cuidando que acabaria por cortar a desejada meta sem pressas.
O Jorge não dedicava um único instante a preparar a sua chegada: não arrumava a casa que estava sempre num desalinho, não fazia a cama com lençóis lavados nem preparava uma refeição condigna. Limitava-se a encomendar uma pizza, esquecendo-se sempre de que ingredientes ela não gostava. A pizza chegava enfim, sempre morna, quase fria, e comiam-na à mão em poucas dentadas em frente à televisão; a Júlia demorava um pouco mais pois tinha de descascar cada fatia das azeitonas e dos pimentos.
Depois permaneciam pelo sofá numa conversa ensossa durante mais ou menos hora e meia - o tempo de fazer a digestão - e passavam ao quarto onde se despiam mecanicamente, nunca mutuamente. Às vezes, o Jorge estava mais excitado e atacava-a apressadamente no sofá, a palavra era mesmo essa: atacava-a, já que passava duma posição em que estava tranquilamente sentado para, num salto, lhe enfiar desajeitadamente a língua garganta abaixo enquanto a apalpava com sofreguidão. A Júlia não detestava estes arroubos, até porque não gostava de ser sexualmente tratada como porcelana; achava que ele procedia assim por não conseguir adiar um forte desejo.
No acto propriamente dito, ficava às vezes insatisfeita porque ele terminava amiúde demasiado rápido e raramente queria repetir. Júlia não manifestava esta insatisfação, uma vez que lhe era bastante o amor que sentia (segredava de si para si: será mesmo amor isto que sinto?) e pensava que com uma maior intimidade o sexo aumentaria de qualidade e ele derramar-se-ia aos poucos num afecto desmedido.
Uma vez finda a fruição sexual, a Júlia apertava lentamente o soutien enquanto ia procurando as peças de roupa espalhadas aqui e ali. Depois despediam-se com um beijo na boca: Jorge concedia-lhe um beijo mais demorado, quase terno, do qual rapidamente se recompunha. Não se oferecia para a acompanhar ao carro, mesmo sabendo que o bairro não era muito seguro àquela hora da noite; Júlia nunca lhe pedia que fosse, não queria apresentar-se com uma imagem de fragilidade.
O Jorge soprava-lhe então um vamos falando pouco emotivo antes de fechar a porta atrás de si. Mas nunca era ele quem falava: a Júlia aguardava dois ou três dias para resguardar a devida distância de segurança e, após decorrido esse período, mandava-lhe uma mensagem, no dia seguinte outra e no seguinte outra. Ele não respondia ou, ao fim de algumas mensagens da putativa amiga, devolvia-lhe laconicamente uma linha como se estivesse fazendo um favor.
A Júlia não lhe telefonava: no início tinha chegado, em resultado de impulsos algo incontroláveis, a efectuar algumas tentativas sempre infrutíferas, mas acabou por desistir porque não o queria incomodar. O Jorge acabava eventualmente por telefonar - mais tarde que cedo - sem confessar saudade nem desejo, apenas perguntava mal ela atendia: Olá Júlia, queres passar cá em casa?

- Quem cala consente

quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Provérbio provado rimado - CXCV

Para dar quecas inconsequentes
Prefiro ter as mãos dormentes
Já te aviso põe-te na fila
É tão grande que chega a Marvila

Se contigo não posso contar
Nem sequer para pagar o jantar
És uma carta fora do baralho
Não te dês a tanto trabalho

Provérbio provado rimado - CXCIV

É moda ter pêlos na cara
Quem não usa está ultrapassado
Homem que se quer engajado
Tem-na basta e não se mascara

Disfarça uma boca caída
Se também houver bigodaça
Recurvada e bem modernaça
Desde que sem restos de comida

Quanto menos usar a gilette
Mais agrada ao mulherio
Além disso protege do frio
A dignidade não compromete

Deslocar-se à barbearia
É hábito do homem moderno
Barba comprida neste inverno
É bem cara filosofia

A somar à típica rebarba
Tão comum no homem vaidoso
Penteá-la sem parecer chungoso
É de dar água pela barba

Provérbio provado num verso branco - VI

Morrer é um esforço tão penoso
Uma vida inteira desperdiçada
Depois de nós só ficam duas datas no calendário

O dia em completaríamos mais um ano
E somos recordados por pormenores insignificantes
Talvez o modo como preferíamos o bife mal passado
Com os cotovelos em cima da mesa
Rindo nos jantares pouco cerimoniosos
Quando tocar aquela música que nos fazia cantar
Os vindouros lembrar-nos-ão com um sorriso saudoso
Ah como esta canção lhe emprestava alegria

Na tardinha em que se soma mais um crepúsculo
À data da nossa morte sempre demasiado precoce
Seremos lastimados pelo sofrimento
Com que atacámos atalhos sem saber evitar trabalhos
Julgando no entanto cruzar os caminhos correctos
Para que a nossa ambição ou ingenuidade nos atirou
E quando tocar aquela música que nos fazia chorar
Os vindouros lembrar-nos-ão com um sorriso saudoso
Ah como esta canção lhe roubava alegria

Deitarão então duas ou três lágrimas e é o bastante
Que secarão rápido pois viver urge
Atirarão uma moeda pouco valiosa ao ar
Para escolher os atalhos laboriosos pelos quais enveredar
Na senda do esquecimento