Provérbios Provados noutras casas:

terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Provérbio provado dissimulado - II

Opá, ó Gisela, não é exagero, não posso mesmo com aquela gaja, a fingida da Anita! Nem que se pintasse toda de ouro exibindo uma tabuleta de gratuitidade, não a queria à minha beira nem dada! Mas tu já viste bem a minha vida, amiga? Tenho de levar com ela oito horas por dia, que sorte marreca.
O que mais me irrita é aquele ar de sonsa, de crente do cu quente, de santinha caridosa do pau oco, apresentando-se sempre como defensora dos oprimidos... O engraçado de toda aquela personalidade, completamente fabricada e engendrada pelo ego, é que não deseja realmente socorrer os aflitos: suspeito que o que quer é ver-se elevada num patamar de suprema pessoa bondosa, enquanto cá em baixo a mortal e pecadora claque aplaude. Deve ser por isso que publicita com tanta abundância as missas dominicais e as instituições de solidariedade que frequenta.
Mas o mais engraçado mesmo de tudo, Gisela, é que a Anita às vezes parece mesmo minha amiga, tu acreditas? E não é que ela é tão boa actriz que eu chego a acreditar? Claro que é só até me fazer a próxima! Destila então um tal fel que sinto que é nesses momentos que se revela a verdadeira Anita cruel. 
Mais te afianço, minha querida, ninguém a leva presa com tal paleio enganador, mesmo as pessoas mais argutas. Tu mesma, aqui que me ouves, Gisela, embarcarias na sua cantiga em três tempos, tão familiar e disponível se demonstra. Nunca percebi o que é ela ganha, com franqueza... Os menos simples são precisamente os que tentam parecê-lo mais vezes. A simplicidade artificial é a pior de todas as coisas artificiais, não concordas comigo?
Felizmente, tenho-te a ti, em boa hora cruzaste o meu caminho, Gisela! É verdade que por vezes és bruta como as casas, não medes as palavras com a devida régua antes de falares e chegas a ser demasiado sincera, se é que existe sinceridade em demasia. Mas é por essa exacta razão que te aprecio tanto, amiga, vales por trinta Anitas! Franca que dói, sem filtros, desbocada. Claro que o que dizemos é uma coisa e o que somos é outra... Mas a tua boca mostra de que é feito o teu coração.
Eu sei, Gisela, eu bem sei, não me devia importar com tal fulana, era deixá-la enganar todo o mundo em redor. A máscara haveria de cair porque - disto estou certa como um facto! - ninguém consegue estar constantemente a representar, ninguém disfarça os maus fígados numa eterna e bonita moldura hepática.
Um dia destes, quando a Anita menos esperar, virá um acontecimento, que até passaria despercebido não fora o acumular de enganos, a manta de retalhos de mentiras, digo eu amiga, um acontecimento assim inócuo que provocará a derrocada daquele edifício colado a cuspo. Todos verão então a Anita como eu a vejo.

- A verdade demora, mas chega sempre sem avisar 

Sem comentários: