Provérbios Provados noutras casas:

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Provérbios provados seleccionados

Neste blog temático pode observar-se sempre a mesma estrutura: primeiro o texto, o provérbio no fim. Foi pensado assim. pretende que os leitores descubram com surpresa qual é o provérbio-desfecho. Ora sabendo que quem lê muitas vezes espreita primeiro o final, segue uma selecção das histórias em depósito dos provérbios mais populares de entre os provérbios populares:

- Dá Deus nozes a quem não tem dentes

- A cavalo dado não se olha o dente

- Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és

- A César o que é de César

- O silêncio é de ouro, a palavra é de prata

- Há mais marés que marinheiros

- Ladrão só, puta só

- Vão os anéis, ficam-se os dedos

- Quem vier atrás que feche a porta

- Pela boca morre o peixe

- Cada qual come do que gosta

- Vozes de burro não chegam ao céu

- A esperança é a última a morrer

- Burro velho não aprende línguas


quinta-feira, 21 de maio de 2015

Provérbio provado adaptado

Adaptado do Ventoinha

É o final de uma tarde muito quente de Agosto. No escritório, Carlos espreita o relógio: falta uma hora para terminar o expediente. Está sozinho. Os patrões nem lá puseram os pés hoje; imagina-os refastelados numa qualquer espreguiçadeira na sombra de um pinhal. Os reposteiros estão corridos mas mesmo assim o calor penetra pelas paredes tornando mais saturada a atmosfera. A campainha do telefone trina, Carlos atende: Escritório de Advogados Bento, Filho & Associados Limitada boa tarde, mas do outro lado desligam de imediato. Serão os patrões a confirmar a sua presença?, e abana a cabeça não acreditando. Agora é a campainha da porta soando por sua vez. É o amigo Ventoinha. Traz como de costume os cabelos ao ar num reboliço, mesmo num dia como hoje em que não corre uma aragem.
- Acaba lá com isso e vem tomar um café ao Chiado. Quero passar ao Grandela e ver de um presente para uma tia minha...
E pisca-lhe o olho, divertido. Carlos garante que não pode sair já. Mas que ele faça horas, que terá o maior prazer em o acompanhar ao Chiado.
- Tu és muito amedrontado. Então tu crês que os teus patrões te andariam a espiar? Que disparate pegado! Eu sim, ando a ser seguido... mas anda daí à Brasileira que já te conto tudo.
Passam primeiro nos Armazéns do Grandela. Ventoinha vê luvas, chapéus, sombrinhas, meias finas mas nada lhe agrada, a tudo torce o nariz contrariado.
- Gostava de dar algo com mais chique à minha tia. Ela é muito moderna.
E pisca-lhe mais uma vez o olho, com uma gargalhada. Seguem então para a Brasileira a tomar o café. E o Ventoinha começa a soprar a sua história:
- Vês tu aquele indivíduo, à esquina da Bertrand, a espreitar para aqui? (Não olhes agora.) Já não o via há algum tempo e hoje... zás, lá o topei de novo. Tirou a gabardina e rapou o bigode, deve ser do calor.
E realmente lá está um fulano de ar suspeito que os olha. Imagina logo o Ventoinha muito mais metido na política do que parece; é certo que conversam em sussurro muitas vezes contra o regime, mas daí à conspiração vai um longo passo. Pensa que lhe apanharam folhetos, livros ou o apanharam em alguma reunião suspeita, está visto é que o apanharam!
- Tu estás a pensar que é um espião, não é meu pobre Carlos? Mas é alguém acima deles. Eu inventei uma coisa que se chama blog. É um diário do futuro. Tu bates palavras numa máquina de escrever que não faz barulho e, no minuto seguinte, qualquer pessoa no mundo lê na televisão tudo o que escreveste. E isto é uma máquina muito perigosa, claro está! Por isso é que eles andam atrás de mim...
Carlos fica desorientado com a revelação. Pensa que o querido amigo Ventoinha endoidou de vez. Mas ainda lhe pergunta que tipo de coisas escreve nesse ‘bloque’...

- Do bom tudo e do ruim nada

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Provérbio canino feminino

O Doutor Rui Gonçalves estabelecera-se como veterinário na província já lá iam p'ra mais de dez anos, e revelara-se essa mudança da cidade para o campo uma boa escolha para si e para a família. Para além das magníficas paisagens circundantes, estas gentes haviam-nos realmente acolhido com simplicidade e generosidade.
De vez em vez, ocorriam inesperados, emergências, e logo acorria prontamente às chamadas, sempre diligente. Assim foi esta madrugada aquando da aflição com um animal do Senhor José Madureira. Arrancou de sopetão, direito à quinta, e com ele se deparou ao portão dizendo:
- É a Tareca, Doutor!
- Lá vamos, lá vamos... Mas o que se passa com a gata?
- É uma cadela, Doutor!
- Mas tem nome de gata...
- Não, tem nome de fadista.
No meio deste diálogo, o Doutor aproximou-se e viu a cadela quase a sufocar, e a seu lado cinco cachorrinhos acabadinhos de nascer. Já a contar que por aí viessem mais irmãozinhos, o Doutor teve de os ajudar rapidamente a despertar para o mundo: e nasceram mais cinco!, nunca se vira uma cadela parir assim. O Senhor José Madureira, muito apreensivo, balbuciava:
- A Tareca só tem oito tetas! Como é que isto se vai fazer, valha-me Deus meu? Diga-me, Doutor. Como é que isto se vai fazer?
Assim foi que o Doutor Rui Gonçalves acabou por levar consigo dois sobejantes a tiracolo. Quando a mulher o viu chegar de manhã nestes preparos, levantou as sobrancelhas inquiridoras e recebeu como resposta:

- Não pode a cadela com tanto cachorro

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Provérbio canino - III

Joaquim Pintor era viúvo e reformado, cedo deitava e cedo erguia, e frugalmente comia: cozidos e grelhados, nada de fritos ou estufados. Não foram os Domingos, em que se permita certas excepções como doces e enchidos e álcool e cigarrilhas, tudo o mais seria plácido e sereno.
O Joaquim não queria mãos alheias que lhe tratassem da casa; ia fazendo o necessário sem grande dificuldade, gostava de paz e tranquilidade.
Tinha apenas por companhia um gato e um cão que, fazendo jus à forma de estar do dono, conviviam lindamente. Chamavam-se simplesmente Gato e Cão e, como é natural, respondiam sempre pelo nome: eram dois animais muito completos, duas fotografias desfocadas da personalidade do Joaquim. Tinham chegado lá a casa ainda novos, o Cão primeiro que o Gato. O Gato era mais menineiro, e debaixo do sol gostava de caçar moscas no quintal e também de dormitar. Quando acordava das suas sestas, espreguiçava-se até à medula. Tinha um olhar cinza faíscante belíssimo. O Cão, sem querer, às vezes afundava-se naqueles olhos, mas logo se afastava tremendo. O Cão era mais velho e mais companheiro. Andava atrás do dono por toda a parte e, como era arraçado de perdigueiro com rafeiro, o Joaquim até costumava dizer que farejava até Faro.
Joaquim Pintor era caçador. Quando virava a porta, todos os dias à mesma hora, ambos Cão e Gato se acercavam – o Cão porque sabia que era chegada a hora do passeio, o Gato miando e esperando o seu miar comovesse o dono. O que Joaquim gostava verdadeiramente era do contacto com a Natureza, não propriamente da caça em si. Aliás, nunca trazia mais do que um exemplar para casa, mesmo se havia caça animada em voo. Era sempre o Cão que lhe trazia a peça, arquejando triunfante à espera da festa reconhecida do dono, e às vezes um pedacinho de torresmo que sobrava dos Domingos.

São destas mudanças que acontecem nas histórias, e vai daí um Sábado em que Joaquim Pintor sai em vias de caçador, acompanhado como habitualmente pelo fiel Cão. Era esse um Sábado agitado, por mostra de caçadores amadores vindos das cidades com a motivação de somar disparos. Mas o que Joaquim gostava verdadeiramente era do contacto com a Natureza, por isso não compreendia propriamente aquela farsa da caça em si. E sentia tão certo o não estar certo, que os acontecimentos lhe vieram dar razão. Foi o Cão. Uma bala perdida. Depois trouxe o Cão todo o caminho ao colo.
O tempo avançou e Joaquim não quis mais cães nem mais caçou. O Gato caiu numa lealdade tal ao dono que o seguia para todo o lado, escavando covas furiosamente, perseguindo insectos no voo, desaparecendo e reaparecendo em ápices nos arbustos do quintal. Então vai daí um Sábado em que ao Joaquim lhe dá uma comichão de procurar a arma e um impulso de levar o Gato consigo. E foi assim e Era uma vez. Claro que o Gato não trazia perdizes nos dentes, embora as soubesse localizar se estivesse para aí virado. Mas foi assim que sucedeu porque Joaquim caçador e o seu Gato viveram muitos anos.

- Quem não tem cão caça com gato


P.S. - Provérbio e história sugeridos pela afilhada/sobrinha Catarina, 11 anos. Espero que ela goste do resultado. E até possa quem sabe escrever uma história alternativa.