O Nuno conduzia uma biblioteca itinerante por estradinhas
apertadas e aldeias perdidas no sopé da Cova da Beira. Era um profissional
afável e dedicado a transportar informação a quem dela aparentemente não
precisava. Puro engano: aquelas gentes remotamente esquecidas aguardavam-no
expectantes a cada visita. As clientes mais assíduas da carrinha da biblioteca
eram senhoras de idade que se pelavam por uma revista de bordados ou de
receitas de culinária. Nuno não sabia bordar, mas partilhava com elas o amor
por tachos e panelas: tinha a mania dos cozinhados. Ao fim do dia, chegado a
casa, não alapava o traseiro no sofá; ia direito à cozinha para experimentar
algum novo petisco que lhe haviam sugerido. Era adepto da cozinha tradicional
portuguesa e regressava sempre aos cabritos, borregos assados, feijoadas,
ranchos e outras coisas assim levezinhas. No entanto, era algo atrapalhado e
esbanjava louça: uma frigideira para refogar a cebola, e logo uma outra para
saltear espargos, uma panela onde cozia a massa, uma caçarola para espessar o
molho… À sua volta aglomerava-se uma impressionante sujidade e o Nuno,
atarantado, não conseguia acudir a todas as freguesias. Era raro o dia em que
não cortasse um dedo ou se queimasse num utensílio.
- Quem mexe em muitas panelas nalguma se escalda
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