Provérbios Provados noutras casas:

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Provérbio incendiário

Passou a usar calças mais largas e compridas: tinha engordado bastante com a imobilidade forçada a que a sua vida ficou confinada. De si para si justificava-se com uma suposta depressão, enquanto comia cada vez mais desalmadamente. A isso ajudava o facto de a depressão normalmente se fazer acompanhar de uma mudança nos hábitos alimentares: uns perdem o apetite até à quase inanição, outros empanturram-se com comida altamente calórica e pouco nutritiva. Era este último o seu caso: entregava-se ao sofá a comer porcarias enquanto via porcarias na televisão. Até começou a comprar uma revista dita feminina que pormenorizava as emissões televisivas até ao fecho dos canais. Essa revista trazia também uns quantos artigos a armar ao científico de qualidade duvidosa, priviligiando a pseudo psicologia motivacional de pacotilha a que normalmente se chama auto ajuda. Um dia o Pedro tinha lido "Dez factos que lhe permitem identificar uma depressão" e achou que a doença vinha mesmo a calhar para lhe angariar alguma simpatia em tribunal.

Nessa manhã chegou cabisbaixo à comarca, onde o fizeram aguardar numa pequena antecâmara antes de o introduzirem na sala de audiências. Ali não era preciso esconder a pulseira electrónica; pelo contrário, até era um acessório passível de lhe granjear pena, por isso o Pedro pôde alçar as calças largalhonas.
Uma vez começada a sessão, manteve os olhos baixos enquanto o juíz lia a ocorrência usando termos jurídicos que desconhecia. Trocada por miúdos, a coisa podia ser resumida assim: Pedro Miguel Oliveira dos Santos, 32 anos, solteiro e ex-bombeiro, tinha sido apanhado em flagrante delito quando abandonava o local onde tinha começado a deflagrar um incêndio florestal. Os habitantes da aldeia mais próxima tinham chamado a polícia, que lhe descobrira no porta bagagens várias velas iguaizinhas às que justamente tinham dado origem ao fogo. Isto pôde comprovar-se in situ pois estas não estavam totalmente consumidas, sendo por isso ainda possível controlar o dito incêndio, que teria resultado numa calamidade a avaliar pelo abafado vento suão que soprava nesse dia.
Após ler os factos, o juíz tirou calmamente os óculos e perguntou:
- O que tem a dizer em sua defesa?
Pedro ergueu finalmente os olhos envergonhado, tentando convocar na memória os subterfúgios que jizara, mas encontrou o cérebro vazio e apenas lhe ocorreu responder:

- Onde há fumo há fogo

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