Provérbios Provados noutras casas:

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Provérbio mesquinho

Pataca a mim, pataca a ti e a mim pataca: eis a forma de o David estar na vida. Essa atitude era mais evidente quando se tratava do verbo comer; o David dava-se ao luxo de mastigar mais lenta ou apressadamente conforme o andar da carruagem, observando cada garfada dos eventuais comensais que com ele partilhassem a refeição, com o fito nas sobras que acabavam invariavelmente por ir parar ao seu prato. Um hipócrita David alegava então que não se podia desperdiçar comida com tanta gente a passar privações neste mundo, mas convenhamos: o David borrifava-se para a fome mundial. Nunca participava em quaisquer campanhas alimentares, justificando não pretender engordar instituições de solidariedade, mas se acaso lhe viessem os próprios dos famintos pedir ajuda directa na rua assobiava para o lado, e até mudava de passeio desde que não houvesse um par de olhos reprovadores por perto. Gostava muito de citar um provérbio oriental nessas ocasiões, que fazia ressaltar com respirada dicção: não dês o peixe, ensina antes a pescar. Claro que o David não pretendia passar a cana para as mãos de nenhum iniciado nas lides piscatórias nem um qualquer esforçado pescador para quem o mar sempre tinha sido demasiado longe, muito menos fornecer-lhe isco e anzol. Dava-se até ao desplante de deixar no ar uma figura de retórica com requintes de mesquinhez, segundo a qual um professor não é suficiente quando o pescador é preguiçoso.
Assim se comportava face ao alimento e de igual modo se passeava pelos outros corredores da existência. O David praticamente não tinha amigos, como não é difícil de adivinhar. Conhecido por oferecer um presunto a quem lhe dava um porco, furtava-se a convívios onde tivesse de ofertar o quer que fosse; inclusivé aos jantares natalícios da empresa, apesar de o repasto à borla ser garantido. Por ocasião da quadra festiva ficava de péssimo humor, arengando contra o consumismo desenfreado; contudo se lhe dessem um miminho para pôr debaixo da árvore, recebia-o com as mãos de par em par acrescentando sempre o típico comentário algo retorcido: homessa, agora foste pôr-te a gastar dinheiro comigo! O Hélder tinha todos os anos um pequeno cabaz que lhe oferecia num gesto desinteressado e que incluía uma garrafa de bom vinho kacompanhada dum queijo curado, um salpicão ou outra delicatessen da família dos enchidos. Recebia em troca umas palmadinhas nas costas e a seguinte invariável promessa: um dia tens de ir jantar lá a casa, pá!
Para grande surpresa do Hélder esse dia um dia chegou. Talvez imbuído do espírito de Ano novo, o David convidou-o para jantar no primeiro Sábado de Janeiro, gabando muito a sopa da pedra que encomendaria no restaurante ribatejano do bairro. Uma vez chegado o ansiado encontro, e já sentados à mesa, destapou-lhe a panela que continha uma pedra.

- Quem parte e reparte e não fica com a melhor parte, ou é tolo ou não tem arte

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