Provérbios Provados noutras casas:

domingo, 12 de outubro de 2025

Provérbio provado esperando de lado

 

Fomos ganhando o hábito da desconfiança a cada nova estação de partida. Levamos o peito passo a passo mais encolhido. Quando chegamos é já de braços fechados, atentos no assinalar de outros também cruzados. Braços que não se prestam à troca porque são, a toda a nova recepção, cada vez menos soltos, menos livres.

Assim acossados, a tendência é para que ultrapassemos os acontecimentos certos de que prescindimos das evidências. Já vamos preparados, aliás, para interceptar o fingimento e representar um papel que não desejamos no teatro social. Com os dez dedos fora de cena e, com sorte, um naipe parcelado dentro das mangas. Preparados para o passou-bem frouxo, nunca para um embate de frente. Nas circunstâncias mais típicas acautelamos o boato dançando ao ritmo das cadeiras que vagam. Mas não conseguimos evitar a suspeição, isso não. Colocamos sempre alguma reserva nas intenções alheias, prontos a revelar mais uma camada de mentira por detrás da que se nos afigura mais evidente. É de facto curioso que raramente escolhamos acreditar nos outros humanos.

Quantas vezes se falou bem de nós nas costas? Certamente quase tantas como aquelas em que se falou mal. No entanto, não estamos à espera que as pessoas que nos rodeiam se reúnam para conspirar a nosso favor, imaginamos imediatamente um tribunal cujo veredicto nos prejudicará.

Seríamos mais livres, menos reféns da suspeita, se descruzássemos os braços e oferecêssemos hipóteses aos tendões. Um dos grandes problemas da comunicação, e da falta dela, é afinal neuro-esquelético: não aprendemos a ginástica da entrega por nos apresentarmos


- De braços cruzados

quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Provérbio provado rimado - MDLXXII

Se achas que me falta esperteza 
Podes logo abraçar a certeza 
Que não a tenho suficiente 
Para discutir com a gente 

Se ademais te pareço cansado 
É do peso em excesso levado 
Que aguentar a burrice alheia 
É tarefa exaustiva e tão feia 

Se crês que ninguém me adora 
Podes ir desde já porta fora 
Porque eu não pedi audição 
Para ter amigos de feição 

Se de mim me julgas tão cheio 
Raramente os outros premeio 
É melhor ser como um balão 
Do que ser vazio por opção 

Se pensas que me penso melhor 
Do que a multidão em redor 
Obrigado por me dares o aviso 
Embora num contexto impreciso 

Se argumentas que um dia mudei 
Pois no mesmo lugar não fiquei 
O problema de ser sempre igual 
Não é meu mas sim teu afinal 

Se às vezes te pareço quieto 
Indiferente ou até circunspecto 
É que estar calado eu prefiro 
Com as minhas escolhas não firo 

Se adiantas que sou perdedor 
Não pedi para ser vencedor 
Não vou convencer-te de nada 
Ou ceder-te a vida emprestada 

Se por fim até se te afiguro 
Que não levo em conta o futuro 
É porque se calhar eu só levo 
Mais a sério aquilo que escrevo 

Se opinas que vais a algum lado 
Estás decerto muito equivocado 
A tua opinião não me interessa 
Eu só dou valor ao que peça 

Por isso poupa lá a energia 
Para o que te seja mais valia 
Lamento pela pouca atenção 
Fala aí com a minha mão 






sábado, 27 de setembro de 2025

Provérbio provado rimado - MDLXXI

Tu chamaste-me vaidosa

E também superficial 

Sabendo que és invejosa 

Não lhe dou atenção total 


Porém fica lá um resquício 

Dos betardos que lançaste 

Que provoca quiçá malefício

E faz-me sentir um traste 


Essa dúvida vai remoendo 

Tornando-me mais insegura 

E a coisa segue em crescendo 

Batendo-me noutra altura 


Foi apenas uma opinião 

Largada com muito despeito 

Que além de operar fricção 

Me ficou cravada no peito 


Logo há duas alternativas 

Nenhuma será a mais certa 

Surgem em vias rotativas 

Mostrando à vez uma oferta 


Então para a frente empurro 

Aceitando os traços do Eu 

Por saber que as vozes de burro 

É difícil que cheguem ao céu 


(Ilustração: José Alves)



Provérbio provado rimado - MDLXX

Às vezes não compreendo 
O modo de ser mais alheio 
Que aponta o dedo tremendo 
E mostra também o do meio 

Deito-me então a pensar 
Que não é um acto correcto 
Os defeitos de fora apontar 
No que na gente é secreto 

Portanto no que toca a mim 
Gostava que fosse diferente 
Houvesse abertura sem fim 
Nos corredores da mente 

E falassem então do que penso 
Pensassem também no que falo 
Sem um dedo hirto e tenso 
Soubessem porque me calo 

Assim caladinha converso 
Com os botões da camisa 
Que expõem um uso diverso 
E me fazem ser mais concisa 

Falando com os meus botões 
Eu faço caretas ao espelho 
E quando prevejo aflições 
Peço aos botões um conselho 

Não é que um simples botão 
Seja melhor que um amigo 
Mas ouço a voz da razão 
Falando a sério comigo 


Provérbio provado rimado - MDLXIX

Fecunde-se a opinião 
Principalmente a alheia 
Cada um tem a sua razão 
E dela a barriga tão cheia 

Porque a pessoa progride 
Na viagem que traz na retina 
Aos outros não deve pevide 
Nem sequer precisa de ardina 

Que lhe anuncie os fracassos 
Enquanto os sucessos esquece 
Que faça da espera compassos 
Comentando o que lhe acontece 

E fazendo o papel de arauto 
Da desgraça e até da tristeza 
De cada vez que um incauto 
Lá perde mais uma certeza 

Ao prever o desastre iminente 
Com o credo na boca ele passa 
Afinal o que é simplesmente 
É ser um arauto da desgraça 


Provérbio provado rimado - MDLXVIII

Quem é o tipo de marmanjo 
Que insiste em rodear-te?
É lobo com cara de anjo 
E traz a auréola à parte 

É o género de predador 
Que mais parece um falcão 
Investindo com tanto vigor 
Quer ganhar total atenção 

Anseia que a ele te rendas 
Com extrema facilidade 
Impondo-te várias agendas 
Para agires em conformidade 

Não espera obter resistência 
A tudinho o que ele deseja 
E até vê muita pertinência 
Em que te dês de bandeja 


Provérbio provado rimado - MDLXVII

Tu és um gajo pedante 
Estás tão saturado de ar 
Achas que és importante 
E um dia podes rebentar 

Crês que o teu peso é maior 
Do que o comum dos mortais 
E julgas-te um ser superior 
Mais apto do que os demais 

Conviver à tua altura 
Já foi uma fé que perdi 
Por não aturar a postura 
De quem está cheio de si 


Provérbio provado rimado - MDLXVI

Amor a quem tanto concedo 
A minha constante oferta 
Que até chega a dar medo 
Estar sempre de perna aberta 

Muitas vezes estás indisponível 
E eu tão parva espero sentada 
O teu desdém é de um nível 
Que me deixa super frustrada 

Não tenho o tempo do mundo 
Para estar por ti a aguardar 
E porque eu sei lá no fundo 
Não termos pernas pra andar 


Provérbio provado rimado - MDLXV

Por onde tu andas amor?
Em que longínquo hemisfério?
As saudades do teu sabor 
São para mim um mistério 

No meu íntimo mal te provei 
O que com certeza te espanta 
Já que o dia em que te beijei 
Deixou-me um nó na garganta 


Provérbio provado rimado - MDLXIV

Parecia existir empatia 
Misturada com muita tesão 
O João gostou da Maria 
E a Maria gostou do João 

Mas diante de um compromisso 
O João fez marcha-atrás 
Não queria entrar logo nisso 
Por pensar que não era capaz 

No que toca à Maria tão doce 
Tal qual um gato escaldado 
Deixou que a coisa assim fosse 
Só promessa de um namorado 

Em face do fraco empenho 
E da expectativa a morrer 
Fazia-lhes falta um desenho 
Que dissesse como proceder 

Então nem houve começo 
Tão pouco chegaram à cama 
Restou um sóbrio apreço 
E os dois ficaram pela rama 


quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Provérbio provado rimado - MDLXIII

O cérebro é tão bonito 
Que todos o deviam ter
Porém não fiques aflito 
Não vás logo esmorecer

Por isso persiste e estuda 
Que decerto irás progredir 
Pois na vida tudo muda 
Não queiras só subsistir 


sexta-feira, 19 de setembro de 2025

Provérbio provado rimado - MDLXII

Nem sei sequer se és giro 
Mas essa ideia eu prefiro 
Vou imaginar-te um galã 
Sem remelas pela manhã 

E quando um dia te vir 
Irei mirar-te a sorrir 
Constatando com emoção 
Que tu és um grande pão 


quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Provérbio provado rimado - MDLXI

Se te passa a perna o futuro 
Erguendo-te em volta um muro 
Tu és minado pela ansiedade 
De não querer viver pla metade 

De facto o futuro dá medo 
Não é pra ninguém segredo 
E é um país tão distante 
Onde tu irás doravante 

Quando tu quiseres mentir 
Fala do tempo que há-de vir 
É argumento que não convence 
Que o futuro a Deus pertence 


quinta-feira, 4 de setembro de 2025

Provérbio provado hospedado

A Eva era prima do Miguel. Não o era por afinidade directa: as avós de ambos é que haviam sido, elas sim, primas direitas. 
Ou seja, a Eva não pertencia ao núcleo familiar do Miguel, mas não era uma prima demasiado afastada, o que o tinha obrigado a dar-lhe a mão num caso de necessidade e era, aquele caso, caso para isso.

A bolha imobiliária rebentara como um fogo de artifício, primeiramente lento e espaçado e depois firme e prolongado. 
Pequenos foguetes irrompiam, estalando aqui e ali numa progressão matemática, enchendo os bairros do cheiro a pólvora seca. Começavam por ser estalidos discretos mas, à medida que o fogo se desenvolvia, iam fazendo mais e mais barulho e produzindo mais e mais impacto.
Os habitantes foram então atirados para as periferias; periferias, essas, que acabariam também um dia por rebentar.

Foi no decorrer desta espécie de estágio para o estado de sítio que a Eva passou a ocupar o quarto de hóspedes vago em casa do primo.
Vago é como quem diz: a divisão funcionara, até àquela data, como quarto da tralha. Metade da dita tralha foi deslocada para a garagem; a outra metade, de utilidade ainda mais duvidosa, foi deitada no lixo pelo Miguel sem dó nem piedade.
Mas a Dorinda acarinhava aquele montão de objectos: afinal era a sua tralha!

Após ter assistido ao despejar dos seus balangandãs nos contentores, preparou-se para tomar a Eva de ponta ainda nem a rapariga era chegada.
No primeiro dia, rebolou excessivamente os olhos mal a viu. Foi pouco amável para a Eva. No segundo foi antipática e no terceiro desabrida.
A outra não se mancava, virando lentamente as costas às investidas da mulher do primo. Recolhia-se ao quarto de hóspedes onde ficava, pelo menos, dez minutos a alisar as pregas da colcha para acalmar.

Veio o final do Inverno, depois chegou a Primavera e, na altura em que as primeiras flores roxas dos jacarandás começavam a atapetar as ruas, a Eva pediu para falar em privado com o primo.
Foram até ao jardim. Eva lamuriava-se, atemorizada com o preço das rendas que, desde o primeiro disparo, nunca mais tinham parado de aumentar.
Sabes o Ezequiel?, e ia inquirindo o primo, Foi despejado, vê lá tu! E, com ele, também a namorada e o Pavlov, o husky siberiano. Tens de os ajudar, primo, afinal de contas pertencem à nossa família!, enquanto o Miguel se interrogava se se veria forçado a recolher a parentela em quinto grau.

Dorinda exasperou-se quase até ao fanico. Não pode ser, Miguel, qualquer dia até a tua avó morta quer vir morar aqui connosco! O marido suspirou, encolheu os ombros e foi atender a campainha.
Entraram os primos de mala e cuia com o seu cão asmático pela trela. A dona da casa engoliu em seco. Não disse palavra.
A antipatia para com Eva fora afinal uma brincadeira de crianças: agora a Dorinda era ostensivamente silenciosa enquanto os olhos lhe chispavam. Sentia-se que a qualquer momento podia entrar em erupção.

Ainda assim, aguentou todo o fim de semana sem piar. Mas na segunda-feira despertou irada. Enervou-se mais ainda ao vislumbrar pequenos tufos de pêlo de cão que esvoaçavam por toda a casa. A sua casa!
Expulsou os últimos intrusos aos brados, aproveitando também para encaminhar a Eva para a porta de saída. Os primos mal tiveram tempo de reunir os seus pertences durante a fuga.

Bateu estridentemente com a porta da rua. Inspirou muito fundo para depois despejar todo o ar numa nortada. Virou-se então para o marido: Miguel, os hóspedes são como o peixe, a partir do terceiro dia começam a cheirar mal.


- Hóspede e pescada aos três dias enfada 

quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Provérbio provado rimado - MDLX

Se não tiveres um espelho 
Nunca vês as tuas orelhas 
E ignoras logo o conselho 
Que canta o coro das velhas 

E mesmo de régua na mão 
Não contas os fios de cabelo 
Pois será uma coisa em vão 
Como a agulha e o camelo 

Se tentares o bicho passar 
Pelo estreito buraco da dita 
É tão certo que até ao bisar 
Só possas achar a desdita 

Tarefa inglória e inútil 
Que dispensa a repetição 
Qualquer tentativa é fútil 
Porque nunca irá de feição 

Que é muito mais fácil que passe 
Um camelo pelo fundo da agulha 
Que um rico por mais que tentasse 
Logo entrar na divina patrulha 

É uma frase do livro sagrado 
Escrita pelo apóstolo Mateus 
Para quem estava apostado 
De entrar no reino de Deus 




Provérbio provado rimado - MDLIX

Esta coisa de não empreender 
Por ter medo do que acontecer 
Sei que é apenas cobardia 
E não vivo o que porviria 

Apesar de ser assim esquiva 
Por vezes roço a tentativa 
E num filme ao vivo alinho 
Ou até num jantar com vinho 

Mas sempre se revela precoce 
E muito melhor se não fosse 
Suceder o que foi sucedido 
Antes de tu teres aparecido 

Eu ainda não te conheço 
Contudo já de ti me despeço 
Porque antes de te desvendar 
Eu já estou de ti a escapar 

No fim das contas o que dói 
É dizer É tão bom não foi?
Por isso desculpa por hoje 
Este jogo do toca e foge 


terça-feira, 2 de setembro de 2025

Provérbio provado rimado - MDLVIII

O Luís é muito envergonhado 
Mas no fundo é um assanhado 
Lança a escada tirando a seguir 
Para depois do mapa sumir 

Sem saber o que ele pretende 
Nenhuma fêmea o compreende
E por causa desse enorme medo 
O Luís fica a chuchar no dedo 

Não sei se aprende o Luís 
Fica imensamente infeliz 
Refugia-se assim na bebida 
Por lhe faltar amor na vida 

Ele então dirige-se ao bar 
Para whisky novo emborcar 
Prestes a que lhe dê o fanico 
Por não ter molhado o bico 

Que o bico está seco e caído 
Por estar de paixão suprimido 
Ele só o molhou num sentido 
Após ter dez shots bebido 


Provérbio provado rimado - MDLVII

Todos julgam pela aparência 
Ninguém segundo a essência 
Mas não entendo a permissa 
Que mais se afigura preguiça 

Total falta de curiosidade 
Que somente mira metade 
Com os demais não vai fundo 
Ao ser e ao que tem de profundo 

A aparência é só o início 
Não exige qualquer sacrifício 
E então não se deve julgar 
Sem sentir o sangue a pulsar 


segunda-feira, 1 de setembro de 2025

Provérbio provado rimado - MDLVI

Eu não me considero exigente 
Porém sou muito impaciente 
E por isso levada da breca 
Quando me estão a dar seca 

Até ponho a mão na consciência 
Mas falta-me logo a paciência 
E prefiro vomitar na retrete 
A fazer qualquer tipo de frete 


sábado, 30 de agosto de 2025

Provérbio provado rimado - MDLV

Os olhos nunca precisam 
De legendas a acompanhar 
Pois as duas pupilas avisam 
O que eles têm para revelar 

E para saber o que a gente 
Tem receio de confessar 
É só olhar bem de frente 
Para tudo lhe adivinhar 



domingo, 24 de agosto de 2025

Provérbio provado rimado - MDLIV

A notícia chegou de repente 
Revestida de algum nevoeiro 
Quando um poeta descontente 
Se apanhou sem dinheiro 

Apareceu uma data de gente 
A oferecer condolências 
Na missa de corpo presente 
Para encobrir consciências 

E logo ele que detestava 
Eufemismos e coisas fofinhas 
Nunca em vida imaginava 
Tal chorrilho de ladainhas 

Não só partiu mas finou-se
E não faleceu mas morreu 
Acabou-se o que não era doce 
Quando assim desapareceu 

Agora tem nova morada 
Na quinta das tabuletas 
Que tão pouco é visitada 
Pelos vivos amigos poetas 


sábado, 23 de agosto de 2025

Provérbio provado rimado - MDLIII

Ter a menos um parafuso 
Faz de ti deveras maluco 
E também um pouco caduco 
Deixa quem te rodeia confuso 

Nessa peça havia tino 
Não sabes como a perdeste 
Por andares sempre a leste 
Não controlas o teu destino 

Não te enquadras naqueles padrões 
Que são considerados normais 
Como tu haverá outros mais 
Que não mandam nas emoções 


quarta-feira, 20 de agosto de 2025

Provérbio provado rimado - MDLII

Que o pão exista a rodos 
Na vida de comunidade 
E a dádiva toque a todos 
No que é a generosidade 

O acesso ao forno é aberto 
Livre para qualquer pessoa 
E para quem esteja por perto 
Que queira o pão e a broa 

O cenário em si é tão belo 
Desperta bons sentimentos 
Para que exista em paralelo 
A divisão dos rendimentos

E que haja boa saudinha 
O forno não pare de cozer 
Que o pão que é da vizinha 
O compadre o possa comer


quarta-feira, 13 de agosto de 2025

Provérbio provado rimado - MDLI

Andavas pela estrada velha 
Bebendo a vida em tragos 
Perseguindo a vã centelha 
Que ofuscava os afagos 

Em vendo que não conseguias 
Tornar-te num ser egoísta 
Gastavas-te em arritmias 
Que trouxessem essa conquista 

Ignoravas o já percorrido 
Apagando de vez o passado 
Por causa de teres fingido 
Estar com outros preocupado 

Não olhavas sequer a paisagem 
Por te pôres a caminho dormente 
Só pensando no fim da viagem 
Desprezavas o resto da gente 

Até rias dos esforços alheios 
Observando de forma picuinhas 
Com que réguas e com que meios 
Os outros suavam as estopinhas 

(Ilustração: Sérgio Neves)


segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Provérbio provado rimado - MDL

Tu ficas à espera num canto 
E ainda reages com espanto 
Cada vez que te faço um convite 
Que qualquer outro admite 

É vergonha ou timidez 
Ou é apenas estupidez?
Eu não consigo perceber 
Porque te queres esconder 

Não vou tirar-te um pedaço 
Se um dia te der um abraço 
Mas deixas-me atrapalhada 
E eu perco logo a pedalada 

Quando me dizes Cá estamos 
Percebo que já não vamos 
Sair para a cidade grande 
Com muita pena Alexandre 

Que falta de entusiasmo 
Ou um pouco de sarcasmo 
Tu preferes ficar na tua 
Do que ir comigo prá rua 

Tão velho antes da hora 
Estás sempre a ir embora 
E então já não sou capaz
De te ver sempre por trás 


Provérbio provado rimado - MDXLIX

Se vens para aqui chatear 
Grito logo Vai-te catar 
Fazendo entretanto a aposta 
Que te vais sem dar resposta 


Provérbio provado rimado - MDXLVIII

Tu não és flor que se cheire 
E és uma gaja perigosa 
Talvez te falte um alqueire 
Também és muito invejosa 

Se alguém te cheira a flor 
Experimenta algum arrepio 
Já que é um terrível odor 
Que exala do teu feitio 

O teu caule é muito direito
Então tem que se lhe diga
Pois isso para mim é defeito 
Não podes ser minha amiga 


quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Provérbio provado rimado - MDXLVII

O Júlio arrasta a asa 
A qualquer rabo de saias 
Escolhendo as suas cobaias 
Fica a melgar e não baza

Não chega a ser muito chato 
Pois finge-se tão distraído 
Mostrando o lado divertido 
Com um humor abstracto 

E apesar deste desapego 
O Júlio é um cortejador 
Que espera levar a melhor 
Para o seu alimento do ego 


Provérbio provado rimado - MDXLVI

O Roberto é muito invejoso 
Além de ser mau e manhoso 
Está sempre a olhar em redor 
Para ver quem tem naco maior 

Se o invejado até se esforçou 
Só há a inveja que sobrou 
Mas se os bens provêm do ar 
O Roberto vai mais invejar 

Inclusive usa do insulto 
Parecendo assim pouco adulto 
Sem obter nenhuma vantagem 
Vai sair-lhe cara a viagem 

Porém ele nunca confessa 
E até a bondade professa 
Ele nega ter tal sentimento 
Que mira com lentes de aumento 

Coisa vergonhosa e tão vil 
A inveja está-lhe no perfil 
Não engana ninguém o Roberto 
Quando imagina que é esperto 

Às vezes anda acabrunhado 
Traz na boca um gosto salgado 
Por não suportar a felicidade
Nem à volta da própria cidade 

Mas se topa alguém infeliz 
Vai depressa meter o nariz 
Lastimando tanto o invejado 
Que até quase se sente estimado 

É pior do que o ódio a inveja 
Mais suja naquilo que deseja 
É cadela que morde e não come 
Pois jamais vai matar essa fome 


terça-feira, 5 de agosto de 2025

Provérbio provado rimado - MDXLV

O Arnaldo era magrinho 
E também bastante baixinho 
Era um tipo muito azarado 
Que jamais conseguia fiado 

Ninguém a sério o levava 
Com a sua presença diferente 
E o Arnaldo assim desprezava 
Por ser só dez réis de gente 



Provérbio provado rimado - MDXLIV

Estão seis gatos pingados 
Naquele café às moscas 
Os seis já estão entornados 
Exibem maneiras toscas 

Ah se fosse eu o gerente 
Do velho esbalecimento 
Havia de ficar descontente 
Com o vergonhoso momento 

Depois eu teria um tal gesto 
Que lhes mostrasse a rua 
Dentro não sobrava resto 
Nem pingo de falcatrua 


Provérbio provado rimado - MDXLIII

Quando algo se precipita 
No sentido de dar errado 
Deixa muita gente aflita 
Ou somente em desagrado 

É certo que há confusão 
Que causa grande surpresa 
Mais parece que um furacão 
Se abateu fazendo limpeza 

Mas também pode ser ironia 
Exagero de uma gravidade 
Afirmar com categoria 
Caiu o Carmo e a Trindade 


Provérbio provado rimado - MDXLII

Meter a praça do Rossio 
Naquela Betesga tão estreita 
É mais do que um desafio 
É uma tarefa suspeita 

Pois se a praça é gigante 
E a outra é só uma ruela 
Seria até caso importante 
Conseguir-lhe uma aduela 

É coisa decerto inglória 
Insistir nesta actividade
Mas é dito de memória 
E ficou para a posteridade 


segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Provérbio provado rimado - MDXLI

A pesca tem a sua ciência 
Há que juntar-lhe o isco aqui 
E uma dose de paciência 
Que o peixe já já vem aí 

E no fim dessa vã pescaria 
Valeu tanto a pena o esforço 
Que suplanta qualquer magia 
De ter só no isco reforço 


Provérbio provado rimado - MDXL

O amor é tal qual uma luz 
Que não deixa que a vida escureça 
E também é um tipo de cruz 
Que se leva como uma promessa 

Mas nem tudo aquilo que se ama 
Se deseja em igual proporção 
Que o desejo termina na cama 
E o amor espera continuação 

O amor pode e deve crescer 
E alimenta-se de cada beijo 
Mas a posse só faz esmorecer 
É a sepultura do desejo 


Provérbio provado rimado - MDXXXIX

Quando alguém o troco merece 
E os ânimos estão exaltados 
Na verdade o que apetece 
É operá-los acalorados 

Mas agir assim por impulso 
Não exibe a melhor atitude 
Pois é comportamento avulso 
Que nadinha deve à virtude 

Ideal é esperar que arrefeçam 
Que acalmem muito devagar 
Até que os ofensores esqueçam 
Quem fizeram prejudicar 

E nessa aparente temperança 
Que é próxima do calafrio 
Pode-lhe seguir-se a vingança 
É um prato que se serve frio 


Provérbio provado rimado - MDXXXVIII

Se soubesses o quanto te adoro 
Há mais de um bom par de anos 
Não és meu contudo não choro 
Não teço essa teia de enganos 

O que faço aos vários anseios 
Que ocupam o corpo e a mente?
Vou dispô-los em copos cheios 
Cada um numa cesta diferente 

Quando surgem desejos novos 
Eu não sei bem o que sentir 
Aprendi a separar os ovos 
As gemas das claras dividir 

É assim que escuso de lidar 
Com a questão mais central 
Pretendo o problema espalhar 
Pelas terras do maralhal 

Junto o útil ao agradável 
Dando vazão às mãos-cheias 
Vou da forma mais respeitável 
Dividir o mal pelas aldeias 


quarta-feira, 30 de julho de 2025

Provérbio provado rimado - MDXXXVII

Pretendes uma boneca 
Que a tudo vá anuir 
Sempre disposta prá queca 
Sem nunca se insurgir 

Uma mulher sem coluna 
E até com poucos miolos 
Porém não vês a lacuna 
A falta que fazem os olhos 

Um ser molengo e obtuso 
Sem grama de personalidade 
De quem possas fazer uso 
Conforme for tua vontade 

Que não te mostre fraquezas 
Que possam forças provocar 
E não tenha muitas certezas 
Para além de poder respirar 

E nenhumas ondas levante 
Nem a tampa lhe salte sequer 
Com nada de novo se espante 
Por não ter direito a escolher 

Constante e também asseada 
Ignorante e deveras casta 
Pensando que à mulher casada 
Apenas o marido lhe basta 


Provérbio provado rimado - MDXXXVI

A natureza dá a vida 
Mas a vida ensina a viver 
Nunca é como foi prometida 
Temos sempre de sobreviver 

No final quem mais aguenta 
É o que está bem adaptado 
Segue a norma e não inventa 
Para não ficar decepcionado 


Provérbio provado rimado - MDXXXV

Quiseste vestir a camisa 
Por tua própria vontade 
E foste imprudente Luísa 
Apesar de já teres idade 

Num imbróglio te meteste 
Vê como a saída preparas 
Pois no fundo não mereceste 
Uma camisa de onze varas 


Provérbio provado rimado - MDXXXIV

Queres que aguente os cavalos 
E que não te pise os calos 
Esperas um espaço alargado 
Não queres ser meu namorado 

Pois dou-te todo esse espaço 
Até precisares de um abraço 
Daqueles que dão falta de ar 
Quando for para o aproveitar 

Desejas que não espere nada 
Mas esteja sempre preparada 
Se quiseres uma companhia 
Que te alegre um mau dia 

Tu verás que esse joguinho 
Irá deixar-te sozinho 
Porque afinal sou esperta 
E não estou de perna aberta 


Provérbio provado rimado - MDXXXIII

Tu vives só de fachada 
No próprio palco actuando 
Para que fique impressionada 
A gente que vai observando 

Só te interessa a aparência 
O que passa para o exterior 
Mesmo que a tua existência 
Vá indo de mal a pior 

Exibes tamanho sucesso 
Uma vida larga e faustosa 
Mas se te viram do avesso 
É publicidade enganosa 

A imagem que tu construíste 
Não reflecte as tuas emoções 
Às vezes também estás triste 
Mas preferes passar ilusões 

Só tu saberás na verdade 
Como és por dentro da pele 
Não se espelha na realidade 
Por isso os outros repele 


segunda-feira, 28 de julho de 2025

Provérbio provado rimado - MDXXXII

Se perguntas a um português 
Como vai a vidinha levando 
Responde lá na sua vez 
Compadre vai-se andando 

Mesmo que a vida a melhor 
Da terra e das redondezas 
Vai sempre dizê-la inferior 
Para prevenir mais surpresas 

A mania que o tuga tem 
De parecer tão comezinho 
É para evitar o desdém 
Do colega e até do vizinho 

Por isso põe-se tristonho 
Dizendo que se Deus quiser 
Mais vale ser enfadonho 
Do que má vida merecer 

E tendo existência boa 
Leva a coisa devagar 
Nesse ir andando à toa 
Para ninguém o invejar 

(Saco de pano à venda na Tiracolo)


quinta-feira, 24 de julho de 2025

Provérbio provado rimado - MDXXXI

O povo inglês chega a horas 
Porque sempre foi pontual 
Faz inveja a muitas senhoras 
Para quem isso é anormal 

Devia ser prática comum 
Num encontro ou obrigação 
Mas ninguém lhe liga nenhum 
O que é falta de consideração 

Não devia ser um exclusivo 
De uma certa nacionalidade 
E até podia ser um motivo 
Para estragar uma amizade 

O facto é que os ingleses 
São no relógio cumpridores 
Por mais que tenham revezes 
Comportam-se como senhores 

É por isso que para designar 
O rigor da pontualidade 
A britânica se vai destacar 
Como sinal de seriedade 


Provérbio provado rimado - MDXXX

Onde vivem as nossas falhas 
E os nossos erros e enganos?
Surgem por vezes ao calhas 
Sabendo só causar danos 

Estampados no nosso rosto 
Ou marcados em cada mão?
É certo que trazem desgosto 
Mesmo que não haja intenção 

Mas a experiência humana 
Indica que qualquer defeito 
Apesar de crer que engana 
Dá origem ao preconceito 

Ele é escrito às escondidas 
Por detrás das nossas costas 
Ainda que tomemos medidas 
Resulta em várias apostas 

É tão clara essa linguagem 
Que assenta no maldizer 
Limitando a uma personagem 
A hipótese de se arrepender 

Defeitos e fraquezas alheias 
São tão fáceis de apontar 
E convivem paredes meias 
Com o que se quer mostrar 

Falar pelos cotovelos então 
É louvável e até preferível 
Do que ter às costas atenção 
Tornando o valor invisível 



Provérbio provado de um santo ignorado

Tinham-no colocado sensivelmente a meio da nave, do lado esquerdo de quem sobe. Até na localização havia ficado prejudicado porque os crentes percorriam o corredor central com uma atenção progressivamente decrescente até ao momento em que, chegados perto do altar, esta redobrava. Mas não lhe adiantaria chorar - a não ser que as lágrimas fossem de sangue -, estava há muito habituado àquele nicho ignorado. A plaquinha de madeira que outrora indicara o seu nome tinha começado a apodrecer, de tal forma que o próprio nome próprio desaparecera e agora já mal se lia a palavra Santo.
As pessoas, que aleatoriamente se persignavam nave afora, paravam às vezes ali por perto nalgum cumprimento domingueiro aos vizinhos ou numa calhandrice em sussurro, porque na casa de Deus não se devia apontar o dedo a ninguém, por mais pecador que fosse - com excepção do taberneiro, do merceeiro e do sapateiro, nem sequer o carteiro se safava.
Reuniam-se em pequenas rodas aqui e ali e, quando ficavam mais aqui, acabavam por reparar naquele canto meio escondido com um santo meio de banda. E não valia a pena tentarem ler a placa carunchosa: a conversa terminava sempre com alguém a perguntar Mas afinal quem é o Santo?
Como não lhe sabiam o nome, as oferendas eram raríssimas. É bem de ver: quem é que no seu perfeito juízo dirige um pedido a um santo que não pode nomear? É toda uma oração para o galheiro, o mais certo é não ser atendida pelo Altíssimo...
As gentes inclinavam-se assim para os santos em montra no altar, muito mais vistosos e bem postos, iluminados pelos enormes círios que o sacristão não deixava apagar.

Num desses fins de tarde de Inverno, em que o largo se enchia do cheiro das lareiras e dos borralhos, o Lobato viera pedir perdão pelos seus pecados. Eram tantos, mas tantos!, que ele nem sabia por onde começar. Palpitava-lhe que uns vulgares Padres-Nossos e Avé-Marias não seriam suficientes.
Não se via vivalma. Lobato percebeu que a hora da confissão já terminara. Levantou-se devagar. Tinha de ir ao encontro do Furtado: estava quase na hora. Levou as mãos aos bolsos. A mão esquerda sentiu o frio da navalha, enquanto a direita apalpava o envelope.
As sombras ocupavam cada vez mais os esconsos da igreja, em contraste com a luz das velas crepitando junto ao sacrário. Lobato olhou lentamente para o seu lado esquerdo e deu com os olhos numa imagem em que nunca havia reparado. O santo, alquebrado, tinha um ar tão abandonado que até metade da tabuleta com a sua identificação caíra.
Meteu de novo a mão no bolso direito. O Furtado nem podia sonhar que aquele dinheiro existia. Sacou do envelope e, num gesto muito rápido, escondeu-o ao lado da caixa destinada às ofertas para o santo anónimo. Depois pensou melhor e optou por o disfarçar debaixo dos pés de barro do dito cujo.
Tocou de novo na navalha dentro do bolso que sobrava, deixando-o vazio. Agora sim, podia ir ao encontro do Furtado.


- Quando a esmola é demais o santo desconfia 

quarta-feira, 23 de julho de 2025

Provérbio provado rimado - MDXXIX

Nem toda a sangria tem vinho 
Ou espumante com frutos vermelhos 
Depende de qual é o barzinho 
E se serve grupos de fedelhos 

Já que existe certa expressão 
Que remete para coisa urgente 
Que precisa de uma solução 
Ou de um fim imediatamente 

É ela a sangria desatada 
Doutro tempo em que a medicina 
Por ser muito menos estudada 
Não receitava uma vitamina 

Para aliviar o mal-estar 
Os doentes eram sangrados 
Com as ataduras a tapar 
Os locais no corpo marcados 

Mas se elas se desatassem 
Acudir era então iminente 
Para que de sangrar deixassem 
E assim não morrer o doente 


Provérbio provado rimado - MDXXVIII

Se ainda não estavas capaz 
Nem sequer te sentias refeito 
Seria excelente ó rapaz 
Descansar até estares perfeito 

Não virias se antes soubera 
Que estavas melhor na caminha 
Não ficavam todos à espera 
Dessa festa que se avizinha 

Não estavas capaz não vinhas 
Mas quiseste armar-te em forte 
E agora as tuas ladainhas 
São as rifas da minha sorte 


Provérbio provado rimado - MDXXVII

Apesar da ferrugem que ganha 
O ferro é tão bom material 
E a sua principal façanha 
É ter dureza sem igual 

Para quebrar essa resistência 
É preciso suar um bocado 
E usar de muita paciência 
Para malhar em ferro forjado 

E sempre que alguém aguenta 
Muitos anos de vida saudável 
Talvez até chegue aos noventa 
Aos oitenta é mais provável 

Sói dizer-se que essa pessoa 
Tem uma saúde de ferro 
Bem maior do que apregoa 
Tão cedo não vai dar o berro 



quinta-feira, 17 de julho de 2025

Provérbio provado rimado - MDXXVI

O André é um pouco matias 
Porque é bastante pateta 
E a sua coisa predilecta 
É ir espreitar as coxias 

Os artistas já estão informados 
De que é tão palerma o André 
E então toleram-no ao pé 
Com os seus discos autografados 

Dá valor a tais colecções 
E insiste nas dedicatórias 
Para registar as memórias 
De todas as suas acções 

No final de cada concerto 
Lá vai o André a trotar 
Para os músicos melgar 
Que se vêem num aperto 

Por pateta ele é conotado 
Totó e também por tontinho 
Mas não gosta de andar sozinho 
Este nosso André coitado 




Provérbio provado rimado - MDXXV

Costumas parecer importante 
Assim à primeira impressão 
Mas dá para ver num instante 
Que não passas de um charlatão 

Até podes ter um diploma 
Na tua sala pendurado 
E quando alguém se assoma 
Fazes-te desinteressado 

Mas o dito na verdade 
Do grande orgulho é motivo 
Tens uma secreta vaidade 
De cada teu ano lectivo 

O canudo vais exibindo 
Porém no meio laboral 
O que te vão incumbindo 
Não sabes fazer afinal 

Sempre que te chamam doutor 
Não enfies essa carapuça 
Apesar de seres bom actor 
És um doutor da mula ruça 



sábado, 12 de julho de 2025

Provérbio provado rimado - MDXXIV

O Miguel é um pianista 
Que sabe exercer a conquista 
Mas pouco mais eu sei dele 
Além de me pedir pele 

Tem um léxico apurado 
Sem ser no entanto forçado 
Tem um pico de ousadia 
Que decerto não recusaria 

Nele me detenho interessada 
Apesar de não prometer nada 
E sinto um frio na barriga 
Que me faz ir na sua cantiga 

Será a cantiga do bandido
Que o faz ser assim pretendido?
Pois a crer na minha intuição 
O Miguel pode ser um cabrão



Provérbio provado rimado - MDXXIII

A Rita aos machos dá trela 
Para que lhe digam que é bela 
E apesar de ter essa noção 
Necessita de validação 

Ela nunca recusa um presente 
Vindo de qualquer pretendente 
Que se tenha logo apaixonado 
E então sua vida estragado 

Vai dando em pequenas porções 
Do amor umas imitações 
Os pobres estão dele sedentos 
E na compreensão são lentos 

À medida que vão tentando 
A Rita vai alimentando 
Mas no fim nunca quer nada 
É pessoa tão amargurada 

Faz por ignorar os protestos 
De quem não se contenta com restos 
Não entendo o que quer ganhar 
Ao ser posta assim num altar