Já se sabe que o povo gosta de botar alcunhas à gente e, quando o casal de namorados passeava pelas ruas empedradas, logo se debruçavam as vizinhas das janelas cantando: Lá vai à bela e o monstro. De facto, a Florbela era mesmo bela, o diminutivo assentava-lhe que nem uma luva. Mas o Narciso, conquanto não fosse caso de se apaixonar pela própria imaguem reflectida na água, não era assim tão monstruoso como a noite dos trovões. No entanto formavam um par algo estranho, ali não batia a bota com a perdigota, e as vizinhas descreviam-nos com metáforas tão agrícolas como a terra onde tinham nascido: ela muito loura como o trigo, faces de romã madura, olhos de água num dia soalheiro, esguia como uma gazela; ele cabelo encrespado de carvão, olhos míopes de azeitona seca, atarracado tal qual boi albardado.
A bela e o monstro, como na história infantil, amavam-se para além da conta e planeavam casamento para dali a poucos meses. As convidadas, as efectivas e aquelas que supunham vir a sê-lo, indagavam junto da mãe da Florbela sobre as andanças e temperanças do enxoval. E também das da bela da Florbela, pois viam-na descontrolada na afeição, pouco sóbria e tão excedida e extrapolada no romance. Assim era, a Bela e o seu Narciso davam-se um beijo por cada desejo e um abraço a cada passo. De ninguém Bela escondia a sua paixão assolapada. O amor transfigurara os seus olhos límpidos: ele era o seu melhor amigo, único amante, todo ele virtudes, não lhe descobria qualquer defeito.
As supostas convidadas da boda, imparáveis, molestavam a futura sogra com a feiura de Narciso e o nítido contraste com a beleza da filha, cacarejando refrões: o amor é cego e não cuida do ego e pior é aquele que não quer ver no que se está a meter. Conformada com o genro que lhe coubera em sorte, feioso é certo, mas muito bom rapaz, a mãe da Bela repetia dia após dia às danadas das calhandreiras o seguinte ditado popular:
- Quem feio ama bonito lhe parece
terça-feira, 24 de outubro de 2017
Provérbio provado romanceado
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário