A professora ensinava todas as matérias. Tinha de pôr os alunos a ler, a escrever, a tratar por tu a língua mãe. A língua não apenas mãe, a língua também pai, irmãos, avós, tios, a língua uma família feliz de palavrinhas unidas entre si por laços às vezes forçados e improváveis.
Era preciso também não esquecer os números, a professora sempre a trazê-los à baila num bailado misterioso. Haverá lá coisa mais filosófica que o número? Mas ela escondia esse conceito vago e vagaroso. Tinha era de pôr os alunos a contá-los, encarreirados numa linda falua que lá vem, lá vem mais um, agora menos um. E os alunos a contar coisas e loisas, quantos lápis há na caixa?, quantos carneiros são precisos até adormecer?, é mais fácil essa matemática apoiada no quotidiano.
E depois essa matéria tão vasta, a das ciências da natureza, a abarcar tudo o que há na terra, o visível e o invisível, às vezes deus e o diabo ao barulho, as crianças cheias de perguntas, numa alegre mistura de ciência intercalada pelo folclore dos avós.
Nesse dia a professora Célia vinha um bocado aflita: o ensino era o básico, mas o tema não era. Como explicar os movimentos de rotação e translacção a crianças tão pequenas? O universo infinitamente grande e nós humanos tão pequenos, grãos de areia na praia do cosmos. Trazia laranjas para ajudar a exposição. Ela, a professora, fazia de sol; engraçado como os adultos se colocam em destaque, logo ela tão tímida a estrela mais importante e vaidosa de todas. Ia rolando as laranjas devagar enquanto dizia:
- Assim à medida que roda a terra à volta de si própria, reparem meninos, deste lado é dia, na outra metade noite. Mas ela vai rodando também à roda do sol - e a professora Célia, numa dança perfumada de citrinos, fazia os movimentos - estão a ver? Enquanto deste lado é verão, no outro é inverno. Quem quer ajudar-me a explicar aos colegas?
E logo o Afonso, do alto da sua importância de primeiro rei, com os ouvidos cheios de cultura popular, ergueu-se afoito de dedo no ar:
- Isso é muito fácil, senhora professora, é como diz a minha avó:
- Anda meio mundo a enganar outro meio
quinta-feira, 12 de outubro de 2017
Provérbio planetário
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