Evita sempre a preguiça
Que da rapidez faz contraste
É areia movediça
Vais a ver já t'enterraste
Não te alapes no divã
Qu'a oportunidade foge
E não deixes p'ra amanhã
O que podes fazer hoje
domingo, 29 de outubro de 2017
Provérbio provado do amor mal explicado
- Ó vó, o que é tipo o amor?
- Ó minha querida, desta vez nem te corrijo: o amor é mesmo tipo! É um género de coisa, um como se fosse, todos dele falam, mil definições, mas lá no fundo ninguém o sabe explicar, só sentir e partilhar. É cantado, versejado, dissecado... E todos o querem ver à lupa, subir às nuvens por ele. Mas lá no fundo só se conhece por comparação. É quando tu perguntas ao passado que sabes se desta vez é amor, porque nunca sentiste isto antes!
- Avó, mas como é que eu vou saber se é, se nunca o encontrei? Não me estás a ajudar nada, só me estás a baralhar mais!
- Na tua idade, Sofia, é normal não saber... Não tenhas pressa de lhe chamar nomes; nasce no coração, não na boca. Gostas desse mocinho da tua turma? Pois bem, gosta dele e pronto! Não tem de ser o amor da tua vida. Aliás, não o é, quase de certeza. Hás-de conhecer outros mocinhos. Um dia verás que o amor verdadeiro permanece, não envelhece. Não vês como éramos eu e o teu avô?
- Ó vó, não lhe chames mocinho, nem me chames a mim miúda que já tenho quinze anos! Não percebes que ele é muito importante para mim?
- Percebo melhor do que tu julgas, também já tive quinze anos. E se queres que te trate como uma mocinha crescidinha, vamos lá chamar os bois pelos nomes, Sofia. O que tu queres saber é se deves ir ou não para a cama com ele, não é? E enches a boca com o amor para te justificares, é a desculpa que te dás para o fazeres. Então, queres a minha opinião? Pois desaconselho! Não confundas curiosidade e desejo com amor. E sabes bem que não sou púdica, não é por isso! Mas tens tempo. E também sabes que não sou machista ao ponto de achar que o mocinho é um malandro e que tu deves guardar a tua virgindade a sete chaves... Ainda não é altura, querida, quando chegar saberás, vais ver.
- Olha, vó, obrigada, foi bom falar contigo, és uma mulher moderna! Mas, sabes, continuo baralhada... Gosto tanto dele!
- Não te posso dizer mais nada, Sofia. Não te sei dizer mais nada.
- Quando o coxo de amores morre, que fará quem anda e pode?
- Ó minha querida, desta vez nem te corrijo: o amor é mesmo tipo! É um género de coisa, um como se fosse, todos dele falam, mil definições, mas lá no fundo ninguém o sabe explicar, só sentir e partilhar. É cantado, versejado, dissecado... E todos o querem ver à lupa, subir às nuvens por ele. Mas lá no fundo só se conhece por comparação. É quando tu perguntas ao passado que sabes se desta vez é amor, porque nunca sentiste isto antes!
- Avó, mas como é que eu vou saber se é, se nunca o encontrei? Não me estás a ajudar nada, só me estás a baralhar mais!
- Na tua idade, Sofia, é normal não saber... Não tenhas pressa de lhe chamar nomes; nasce no coração, não na boca. Gostas desse mocinho da tua turma? Pois bem, gosta dele e pronto! Não tem de ser o amor da tua vida. Aliás, não o é, quase de certeza. Hás-de conhecer outros mocinhos. Um dia verás que o amor verdadeiro permanece, não envelhece. Não vês como éramos eu e o teu avô?
- Ó vó, não lhe chames mocinho, nem me chames a mim miúda que já tenho quinze anos! Não percebes que ele é muito importante para mim?
- Percebo melhor do que tu julgas, também já tive quinze anos. E se queres que te trate como uma mocinha crescidinha, vamos lá chamar os bois pelos nomes, Sofia. O que tu queres saber é se deves ir ou não para a cama com ele, não é? E enches a boca com o amor para te justificares, é a desculpa que te dás para o fazeres. Então, queres a minha opinião? Pois desaconselho! Não confundas curiosidade e desejo com amor. E sabes bem que não sou púdica, não é por isso! Mas tens tempo. E também sabes que não sou machista ao ponto de achar que o mocinho é um malandro e que tu deves guardar a tua virgindade a sete chaves... Ainda não é altura, querida, quando chegar saberás, vais ver.
- Olha, vó, obrigada, foi bom falar contigo, és uma mulher moderna! Mas, sabes, continuo baralhada... Gosto tanto dele!
- Não te posso dizer mais nada, Sofia. Não te sei dizer mais nada.
- Quando o coxo de amores morre, que fará quem anda e pode?
sábado, 28 de outubro de 2017
Provérbio provado rimado - LV
Sou um bocado limitada
Com bola não fico excitada
Não percebo de futebol
Prefiro preguiçar ao sol
Seja estádio ou televisão
Mais quero livro na mão
Entender o fora de jogo
Nem que mo explique o demagogo
Porém sei o hat trick
São três golos do Henrique
Sou do Sporting porque sim
E sem grande fé enfim
Mas leal fã que se preza
Até vai a Fátima e reza
Adepto que é fervoroso
Com seu clube é rigoroso
E o início do campeonato
Às vezes é muito ingrato
Ao fim d'algumas jornadas
Há partidas empatadas
Ou ganham clubes mais fracos
Em relvados com buracos
Parece qu'até ao Natal
Essa luta é desigual
O fanático logo se zanga
Faz piretes com a manga
Ao árbitro Duarte Gomes
Chama-lhe feios cognomes
Sem falar na sua mãe
Recebe miminhos também
Não quer seu clube a perder
Com mijas na escada sofrer
E usa muita frase feita
Um cliché nunca rejeita
Um dos chavões mais normais
O primeiro milho é dos pardais
Só consegue achar graça
Quando a águia leva a taça
Com bola não fico excitada
Não percebo de futebol
Prefiro preguiçar ao sol
Seja estádio ou televisão
Mais quero livro na mão
Entender o fora de jogo
Nem que mo explique o demagogo
Porém sei o hat trick
São três golos do Henrique
Sou do Sporting porque sim
E sem grande fé enfim
Mas leal fã que se preza
Até vai a Fátima e reza
Adepto que é fervoroso
Com seu clube é rigoroso
E o início do campeonato
Às vezes é muito ingrato
Ao fim d'algumas jornadas
Há partidas empatadas
Ou ganham clubes mais fracos
Em relvados com buracos
Parece qu'até ao Natal
Essa luta é desigual
O fanático logo se zanga
Faz piretes com a manga
Ao árbitro Duarte Gomes
Chama-lhe feios cognomes
Sem falar na sua mãe
Recebe miminhos também
Não quer seu clube a perder
Com mijas na escada sofrer
E usa muita frase feita
Um cliché nunca rejeita
Um dos chavões mais normais
O primeiro milho é dos pardais
Só consegue achar graça
Quando a águia leva a taça
Provérbio provado rimado - LIV
Criatura algo estouvada
Acredita qu' é uma fada
E também anjo terrestre
Sem asas e bem pedestre
Afiança qu' o unicórnio
Existe e é capricórnio
No fundo é uma esotérica
Tranquila e pouco histérica
Crê qu' emana vibrações
E positivas emoções
Deve ter azul a aura
Essa reikiana Laura
Porém é inofensiva
Conquanto seja expansiva
Eu gostei d' a conhecer
Mas os livros não vou ler
Fico-me p' lo pragmatismo
Não cedo a tant' exotismo
Pois p' ra palavras loucas
Faç' assim orelhas moucas
Acredita qu' é uma fada
E também anjo terrestre
Sem asas e bem pedestre
Afiança qu' o unicórnio
Existe e é capricórnio
No fundo é uma esotérica
Tranquila e pouco histérica
Crê qu' emana vibrações
E positivas emoções
Deve ter azul a aura
Essa reikiana Laura
Porém é inofensiva
Conquanto seja expansiva
Eu gostei d' a conhecer
Mas os livros não vou ler
Fico-me p' lo pragmatismo
Não cedo a tant' exotismo
Pois p' ra palavras loucas
Faç' assim orelhas moucas
Provérbio ladrão
Todo o homem nasce com o seu nome e não há nome sem sobrenome. O nosso homem chama-se António Maria da Silva Peneda e já passou dos trinta há algum tempo. É magro e de estatura mediana e ainda tem todos os dentes e o cabelo. Mas assim como não há nome sem sobrenome, também não o há sem alcunha, e o nosso homem é localmente conhecido por Tó da Taberna. Qual taberna?; não é preciso especificar: nesta aldeia só há uma e nem se diz “a taberna”, mas apenas “vou ali ao Tó”. O Tó é para todos como se fosse da família e passa por ser um homem honesto e trabalhador; é também bastante devoto e leva uma vida austera: não bebe, não fuma, não tem o vício das cartas nem do dominó.
A mulher do Tó chama-se Amélia, mas nem toda a mulher nasce com o seu nome. Na aldeia só há uma Amélia, mas as pessoas dizem apenas “vou ali à do Tó”. A do Tó cuida da casa e dos filhos, e às vezes faz uns petiscos quando é dia de futebol, pois há poucas televisões lá na aldeia e os homens juntam-se ruidosamente na taberna a ver o jogo.
O Tó e a mulher têm três filhos, todos em idade escolar. Os avós já morreram, eram os mais ricos da aldeia, mas o pai do Tó tinha o vício da bebida e assim arruinou o bolso e a saúde. Morreu novo e a mãe do Tó ficou pouco tempo viúva: morreu um ano depois com o desgosto. A casa de família fica por cima da taberna e é modesta e, embora não vivam na miséria, o Tó não pode evitar uma grande saudade dos tempos felizes e sem preocupações de dinheiro da sua juventude. À hora das refeições há muitas mãos no mesmo prato, mas o Tó exige silêncio à mesa e não admite guerras com a comida, divide tudo em porções iguais na cozinha aquecida enquanto murmura um dito aldeão - “não há lenha como o azinho, nem carne como o toucinho” -, lastimando-se interiormente com a falta do dinheiro que lhe permitiria um viver mais desafogado.
Na taberna, o recatado Tó assegura o seu lucro, que é como quem diz em bom português: orienta-se. Quando a noite já vai longa, e os clientes já estão tão alterados que nem dão conta, mistura água no vinho. Os chouriços e queijinhos vêm dum talho vulgaríssimo da cidade mais próxima, mas o Tó faz passar gato por lebre anunciando-lhes uma proveniência privilegiada, de uma terra bem mais a Norte, afamada pelos seus enchidos e queijos curados. Ninguém paga nada na taberna diariamente, o Tó aponta os gastos num caderno e faz contas com os clientes no fim do mês. Também aqui mete a unha, acrescentando umas parcelas aqui e ali para engrossar o rol. Mas ladrão que não é apanhado passa por homem honrado e o Tó é calado e não tem amigos, só clientes; os seus únicos amigos são o Deus que vê tudo lá de cima, o seu padre confessor e o dinheiro na algibeira. Por este andar o Tó vai morrer rico, mesmo a tempo de deixar uma herança simpática aos filhos: é isto que o anima para enfrentar a luz da manhã, depois de ficar até tarde na taberna a expulsar os últimos bêbados. Com este modo sisudo de ser, acaba por gerar algumas antipatias.
Numa noite o Tó sai tão cansado que se esquece de trancar a porta da taberna. Não há inimigo que seja pequeno e este anda a observar o Tó há algum tempo, esperando a ocasião que faça o ladrão. Quando o Tó regressa de manhã encontra a caixa registadora vazia e, antes de ir à polícia, busca consolo junto do padre da aldeia que o ouve em confissão. Este não fica particularmente consternado nem com pena do nosso Tó e apenas lhe responde:
- Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão
Provérbio egoísta
Apresentava-se sempre muito bem posto, improvável de causar desgosto. E tomava todo o cuidado para andar muito bem arranjado. Tinha um comportamento amável, com senhoras era muito agradável. Não mostrava o temperamento aceso, quem o ouvisse não o levava preso. Contudo, se alguém reparava que muito em si se centrava, dizia-se um pouco egocêntrico e também um tantinho excêntrico. Estes traços eram um eufemismo, o egoísmo era o seu dinamismo, o motor que o fazia avançar para de si só conta tomar. Não tinha a cargo família para não aturar qualquer quezília. Lidava mal com a contrariedade, exigia ter toda a liberdade. Claro é que com este modo de ser não arranjava nenhuma mulher. Ao fim de um ou dois cafés, acabavam por lhe dar com os pés.
- Ninguém é amado se só de si tem cuidado
- Ninguém é amado se só de si tem cuidado
Provérbio provado rimado - LIII
O Paulo deu em criminoso
Era bastante ardiloso
Um pequeno ladrãozeco
Porém grande malandreco
Em roubos de pouca monta
Não garantia a mulher tonta
E foi ela a delatora
Entregou Paulo à doutora
O Paulo caiu na esparrela
E foi na conversa dela
Teve julgamento sumário
Tornou-se presidiário
Viu o sol nascer quadrado
Achou-se desafortunado
Mas pensou que mal por mal
Antes cadeia que hospital
Era bastante ardiloso
Um pequeno ladrãozeco
Porém grande malandreco
Em roubos de pouca monta
Não garantia a mulher tonta
E foi ela a delatora
Entregou Paulo à doutora
O Paulo caiu na esparrela
E foi na conversa dela
Teve julgamento sumário
Tornou-se presidiário
Viu o sol nascer quadrado
Achou-se desafortunado
Mas pensou que mal por mal
Antes cadeia que hospital
Provérbio provado rimado - LII
A companhia era linda
De corpo muito jeitosa
Não a tinha beijado ainda
Mas sonhava-a saborosa
Combinam tomar um café
E quando a conversa emperra
Põe-se a pensar o Zé
Na dita morte da bezerra
Lá se foi a oportunidade
Pode ser que haja mais
Não falta ao Zé a vontade
D' encontros assim informais
De corpo muito jeitosa
Não a tinha beijado ainda
Mas sonhava-a saborosa
Combinam tomar um café
E quando a conversa emperra
Põe-se a pensar o Zé
Na dita morte da bezerra
Lá se foi a oportunidade
Pode ser que haja mais
Não falta ao Zé a vontade
D' encontros assim informais
sexta-feira, 27 de outubro de 2017
Provérbio provado rimado - LI
Não posso perder a mão
Tento todos os dias rimar
Mesmo quand' a inspiração
Não me quer vir visitar
Pois lá diz o ditado
Menina, cria e semeia
Não dês por semeado
Que a vida está bem feia
Tento todos os dias rimar
Mesmo quand' a inspiração
Não me quer vir visitar
Pois lá diz o ditado
Menina, cria e semeia
Não dês por semeado
Que a vida está bem feia
terça-feira, 24 de outubro de 2017
Provérbio provado rimado - L
Comprar casa em Lisboa
Com esta gerentrificação
A ideia até é boa
Mas desembolsas um milhão
O pouco que há disponível
É tudo p'ra AirBnb
O preço não é acessível
Até o turista se ri
Resta-te um vão d'escada
Acampar debaixo da ponte
Mas é tarefa arriscada
Própria de quem and'a monte
Ou então alugas um T0
Uma pérfida espelunca
Mas decorada com esmero
Antes tarde do que nunca
Com esta gerentrificação
A ideia até é boa
Mas desembolsas um milhão
O pouco que há disponível
É tudo p'ra AirBnb
O preço não é acessível
Até o turista se ri
Resta-te um vão d'escada
Acampar debaixo da ponte
Mas é tarefa arriscada
Própria de quem and'a monte
Ou então alugas um T0
Uma pérfida espelunca
Mas decorada com esmero
Antes tarde do que nunca
Provérbio provado rimado - XLIX
O João anda desconfiado
D'estar a ser enganado
Deixou solta a namorada
Foi para terra afortunada
E lá chegou o boato
Uma pedra no sapato
A prima viu a Maria
A beijar uma algarvia
Casada c'um moço bonito
Ficou o João log'aflito
El'anda enrolada num trio
Excitada com tal desafio
Não tarda será um'orgia
Assim lho garante a tia
E agora que s'há-de fazer
Pudera ele também comer
Já se lamenta no'strangeiro
De ter cornos ser pioneiro
Por isso está com os azeites
Por ter na testa uns enfeites
D'estar a ser enganado
Deixou solta a namorada
Foi para terra afortunada
E lá chegou o boato
Uma pedra no sapato
A prima viu a Maria
A beijar uma algarvia
Casada c'um moço bonito
Ficou o João log'aflito
El'anda enrolada num trio
Excitada com tal desafio
Não tarda será um'orgia
Assim lho garante a tia
E agora que s'há-de fazer
Pudera ele também comer
Já se lamenta no'strangeiro
De ter cornos ser pioneiro
Por isso está com os azeites
Por ter na testa uns enfeites
Provérbio provado romanceado
Já se sabe que o povo gosta de botar alcunhas à gente e, quando o casal de namorados passeava pelas ruas empedradas, logo se debruçavam as vizinhas das janelas cantando: Lá vai à bela e o monstro. De facto, a Florbela era mesmo bela, o diminutivo assentava-lhe que nem uma luva. Mas o Narciso, conquanto não fosse caso de se apaixonar pela própria imaguem reflectida na água, não era assim tão monstruoso como a noite dos trovões. No entanto formavam um par algo estranho, ali não batia a bota com a perdigota, e as vizinhas descreviam-nos com metáforas tão agrícolas como a terra onde tinham nascido: ela muito loura como o trigo, faces de romã madura, olhos de água num dia soalheiro, esguia como uma gazela; ele cabelo encrespado de carvão, olhos míopes de azeitona seca, atarracado tal qual boi albardado.
A bela e o monstro, como na história infantil, amavam-se para além da conta e planeavam casamento para dali a poucos meses. As convidadas, as efectivas e aquelas que supunham vir a sê-lo, indagavam junto da mãe da Florbela sobre as andanças e temperanças do enxoval. E também das da bela da Florbela, pois viam-na descontrolada na afeição, pouco sóbria e tão excedida e extrapolada no romance. Assim era, a Bela e o seu Narciso davam-se um beijo por cada desejo e um abraço a cada passo. De ninguém Bela escondia a sua paixão assolapada. O amor transfigurara os seus olhos límpidos: ele era o seu melhor amigo, único amante, todo ele virtudes, não lhe descobria qualquer defeito.
As supostas convidadas da boda, imparáveis, molestavam a futura sogra com a feiura de Narciso e o nítido contraste com a beleza da filha, cacarejando refrões: o amor é cego e não cuida do ego e pior é aquele que não quer ver no que se está a meter. Conformada com o genro que lhe coubera em sorte, feioso é certo, mas muito bom rapaz, a mãe da Bela repetia dia após dia às danadas das calhandreiras o seguinte ditado popular:
- Quem feio ama bonito lhe parece
A bela e o monstro, como na história infantil, amavam-se para além da conta e planeavam casamento para dali a poucos meses. As convidadas, as efectivas e aquelas que supunham vir a sê-lo, indagavam junto da mãe da Florbela sobre as andanças e temperanças do enxoval. E também das da bela da Florbela, pois viam-na descontrolada na afeição, pouco sóbria e tão excedida e extrapolada no romance. Assim era, a Bela e o seu Narciso davam-se um beijo por cada desejo e um abraço a cada passo. De ninguém Bela escondia a sua paixão assolapada. O amor transfigurara os seus olhos límpidos: ele era o seu melhor amigo, único amante, todo ele virtudes, não lhe descobria qualquer defeito.
As supostas convidadas da boda, imparáveis, molestavam a futura sogra com a feiura de Narciso e o nítido contraste com a beleza da filha, cacarejando refrões: o amor é cego e não cuida do ego e pior é aquele que não quer ver no que se está a meter. Conformada com o genro que lhe coubera em sorte, feioso é certo, mas muito bom rapaz, a mãe da Bela repetia dia após dia às danadas das calhandreiras o seguinte ditado popular:
- Quem feio ama bonito lhe parece
sexta-feira, 20 de outubro de 2017
Provérbio provado rimado - XLVIII
A sorte protege os audazes
E todas as pessoas capazes
É como o raio da trovoada
Onde cai não se sabe nada
Aquilo que não se merece
Aos sortudos acontece
Bate uma vez muito à toa
À porta de cada pessoa
P'ra contornar a má sorte
É eficaz um coração forte
Tanto faz correr como saltar
S'ela não te quer encontrar
Pois p'ra quem não tem sorte
Até p'lo cu entra a morte
E todas as pessoas capazes
É como o raio da trovoada
Onde cai não se sabe nada
Aquilo que não se merece
Aos sortudos acontece
Bate uma vez muito à toa
À porta de cada pessoa
P'ra contornar a má sorte
É eficaz um coração forte
Tanto faz correr como saltar
S'ela não te quer encontrar
Pois p'ra quem não tem sorte
Até p'lo cu entra a morte
Provérbio provado rimado - XLVII
Quando tiveres um desgosto
Não fiques a pensar nisso
Parece qu'é pressuposto
Mas só arranjas enguiço
Faz mas é umas noitadas
Com dois ou três vizinhos
É qu'afinal águas passadas
Não movem nenhuns moinhos
Não fiques a pensar nisso
Parece qu'é pressuposto
Mas só arranjas enguiço
Faz mas é umas noitadas
Com dois ou três vizinhos
É qu'afinal águas passadas
Não movem nenhuns moinhos
Provérbio provado rimado - XLVI
O João teve pouco zelo
E partiu o tornozelo
Teve de meter atestado
E ficar em casa enfiado
Ficou deitado na caminha
Que cuidados e caldos de galinha
Nunca fizeram mal a ninguém
Foi isso que lhe disse a mãe
E partiu o tornozelo
Teve de meter atestado
E ficar em casa enfiado
Ficou deitado na caminha
Que cuidados e caldos de galinha
Nunca fizeram mal a ninguém
Foi isso que lhe disse a mãe
Provérbio provado rimado - XLV
O Joaquim era soldado
Não podia ir a nenhum lado
Tinha de estar no quartel
Em continências a granel
Comia sempre na cantina
Fazia plantão na esquina
Trazia cuidada a farda
E subornava o guarda
Às vezes lá se escapava
À noite no bar estava
E iludia o comandante
Quando entrava de rompante
Escondia-se do capitão
Com alguma imaginação
Mas disse-lh'então o alferes
Safar-te sempre não esperes
Um dia foi apanhado
Viu-se num grande assado
Meteu o rabo entre as pernas
E foi limpar as casernas
Não podia ir a nenhum lado
Tinha de estar no quartel
Em continências a granel
Comia sempre na cantina
Fazia plantão na esquina
Trazia cuidada a farda
E subornava o guarda
Às vezes lá se escapava
À noite no bar estava
E iludia o comandante
Quando entrava de rompante
Escondia-se do capitão
Com alguma imaginação
Mas disse-lh'então o alferes
Safar-te sempre não esperes
Um dia foi apanhado
Viu-se num grande assado
Meteu o rabo entre as pernas
E foi limpar as casernas
Provérbio provado rimado - XLIV
Para bem te alimentares
É preciso carne enfardares
Que não puxa carroça o peixe
Nem mesmo s'alguém se queixe
O peixe dá pouco alimento
Não enche a barriga a contento
É o que diz a expressão
Não te cause admiração
É preciso carne enfardares
Que não puxa carroça o peixe
Nem mesmo s'alguém se queixe
O peixe dá pouco alimento
Não enche a barriga a contento
É o que diz a expressão
Não te cause admiração
quinta-feira, 19 de outubro de 2017
Provérbio oral
A avó era professora de português e não trocava os bês pelos vês. Era extremamente fluente, também bastante inteligente. Dominava a gramática e era pessoa pragmática. Mas tinha apenas um defeito: o falar não era escorreito. Manifestava gaguez, desconhecia os porquês.
O pai era bom na oratória, mas não teve escapatória. Era gago como a mãe, não sabia porquê também. Tinha um doutoramento e um cargo a seu contento.
As irmãs tinham má dicção, mas falavam na perfeição. O Filipe saiu ao pai, gaguejava até com um ai. Todo ele se atrapalhava, suava e logo corava. Arranjou uma professora que era uma velha senhora. Dava aulas numa sala de terapia da fala. Foi assim que ganhou confiança: a que não tinha em criança. Não mais pôde gaguejar, começou ousado a falar. E discursava a preceito com definição e conceito.
- Quem fala assim não é gago
O pai era bom na oratória, mas não teve escapatória. Era gago como a mãe, não sabia porquê também. Tinha um doutoramento e um cargo a seu contento.
As irmãs tinham má dicção, mas falavam na perfeição. O Filipe saiu ao pai, gaguejava até com um ai. Todo ele se atrapalhava, suava e logo corava. Arranjou uma professora que era uma velha senhora. Dava aulas numa sala de terapia da fala. Foi assim que ganhou confiança: a que não tinha em criança. Não mais pôde gaguejar, começou ousado a falar. E discursava a preceito com definição e conceito.
- Quem fala assim não é gago
Provérbio provado rimado - XLIII
Um mal nunca vem só
Já dizia a minha avó
O que fizeram nossos avós
Foi um mal que pagamos nós
O mal dos outros não convém
Mas com ele posso eu bem
O mal está no começar
Se arranca é difícil parar
Só que para o mal vencer
Com o mal não se vai combater
E o único que não tem cura
É o mal que vem com a loucura
O mal vem às braçadas
E parte às polegadas
E enquanto o mal tem asas
O bem caminha sobre brasas
Já dizia a minha avó
O que fizeram nossos avós
Foi um mal que pagamos nós
O mal dos outros não convém
Mas com ele posso eu bem
O mal está no começar
Se arranca é difícil parar
Só que para o mal vencer
Com o mal não se vai combater
E o único que não tem cura
É o mal que vem com a loucura
O mal vem às braçadas
E parte às polegadas
E enquanto o mal tem asas
O bem caminha sobre brasas
Provérbio provado rimado - XLII
Cada um vê mal ou bem
Conforme os olhos que tem
Se é bem intencionado
Vê a bondade ao quadrado
Contudo se é malevolente
Não fica decerto contente
Ao vislumbrar união
Ternura e compaixão
Conforme os olhos que tem
Se é bem intencionado
Vê a bondade ao quadrado
Contudo se é malevolente
Não fica decerto contente
Ao vislumbrar união
Ternura e compaixão
Provérbio provado rimado - XLI
Um livro é um bom amigo
Não se centra no umbigo
Quand'ele é adquirido
É noite de sono perdido
Não se deve julgar pela capa
Ou o conteúdo nos escapa
É medicina do esquecimento
Um saudável medicamento
Diz-se que livro emprestado
É provável voltar estragado
Mas se for na biblioteca
Paga multa ou hipoteca
Fechado é bloco de papel
Ou literatura de cordel
Também de livro fechado
Se diz que não sai letrado
Não se centra no umbigo
Quand'ele é adquirido
É noite de sono perdido
Não se deve julgar pela capa
Ou o conteúdo nos escapa
É medicina do esquecimento
Um saudável medicamento
Diz-se que livro emprestado
É provável voltar estragado
Mas se for na biblioteca
Paga multa ou hipoteca
Fechado é bloco de papel
Ou literatura de cordel
Também de livro fechado
Se diz que não sai letrado
Provérbio provado rimado - XL
O dinheiro não traz felicidade
Apenas atrai falsidade
Pois enquanto abunda há amigos
Quando se vai só castigos
Se um amigo queres perder
Empresta-lhe soldo sem temer
P'ra enriquecer não lhe dês tostões
Retira-lhe antes ambições
O dinheiro atrai dinheiro
Desde que fora do mealheiro
Mas cuidado que ele também voa
Se for mesmo gasto à toa
Quando haja dinheiro à vista
Toda a gente se bemquista
O dinheiro abre todas as portas
Mesmo p'ra quem tem as pernas tortas
É bem sabido que compra pão
Porém não compra gratidão
Mas afinal sempre é preciso
P'ra viver com pouco ou muito siso
Apenas atrai falsidade
Pois enquanto abunda há amigos
Quando se vai só castigos
Se um amigo queres perder
Empresta-lhe soldo sem temer
P'ra enriquecer não lhe dês tostões
Retira-lhe antes ambições
O dinheiro atrai dinheiro
Desde que fora do mealheiro
Mas cuidado que ele também voa
Se for mesmo gasto à toa
Quando haja dinheiro à vista
Toda a gente se bemquista
O dinheiro abre todas as portas
Mesmo p'ra quem tem as pernas tortas
É bem sabido que compra pão
Porém não compra gratidão
Mas afinal sempre é preciso
P'ra viver com pouco ou muito siso
Provérbio provado rimado - XXXIX
A água é a melhor bebida
Fervida alimenta a vida
Principalmente se for quente
Ela dá saúde ao ventre
A água não empobrece
Nem tão pouco envelhece
E tal como conselho com sede
Só se dá a quem se pede
Fervida alimenta a vida
Principalmente se for quente
Ela dá saúde ao ventre
A água não empobrece
Nem tão pouco envelhece
E tal como conselho com sede
Só se dá a quem se pede
Provérbio provado rimado - XXXVIII
A saúde é um bem precioso
Sobretudo num corpo jeitoso
Que não tem preço se diz
Quem a tem anda feliz
E mais vale ter boa saúde
Que pesada bolsa amiúde
Quando a saúde é cuidada
A vida é bem conservada
Quem a tem e dinheiro p'ra vinho
Pode ser que até chegue a velhinho
Muito se sente a doença
Saúde é como se não pertença
E ter saúde e liberdade
É ter no viver qualidade
Entretanto já vou terminar
Um provérbio vou enunciar
Deitar cedo e cedo erguer
Dá saúde e faz crescer
Sobretudo num corpo jeitoso
Que não tem preço se diz
Quem a tem anda feliz
E mais vale ter boa saúde
Que pesada bolsa amiúde
Quando a saúde é cuidada
A vida é bem conservada
Quem a tem e dinheiro p'ra vinho
Pode ser que até chegue a velhinho
Muito se sente a doença
Saúde é como se não pertença
E ter saúde e liberdade
É ter no viver qualidade
Entretanto já vou terminar
Um provérbio vou enunciar
Deitar cedo e cedo erguer
Dá saúde e faz crescer
quarta-feira, 18 de outubro de 2017
Provérbio provado rimado - XXXVII
Ó amor a quanto obrigas
Sobre ti há tantas cantigas
Amor com amor se paga
Até que a chama se apaga
Os amores quando são arrufados
Acabam por ser redobrados
O amor ajuda os atrevidos
Não os deixa andar aos caídos
O amor é um passarinho
Que não aceita gaiola nem ninho
É uma religião que não cai
Não se aleija nem solta um ai
O amor nunca envelhece
Criança p'ra sempre permanece
Vê ao longe e todavia é cego
Anda sempre em guerra c'o ego
O amor sincero é tão forte
Que vive até mesmo na morte
O amor se é forasteiro
Acaba por ser passageiro
O amor é sempre imprudente
Destemido e muito valente
E onde mandar o amor
Não há nenhum outro senhor
O amor é também como a lua
Quando ele não cresce mingua
Doze amores aqui já escrevi
Desta espécie alguns já vivi
Mas seu fim tive de aceitar
Nestas coisas não se pode mandar
E quando passa a desilusão
Logo abro o meu coração
Sobre ti há tantas cantigas
Amor com amor se paga
Até que a chama se apaga
Os amores quando são arrufados
Acabam por ser redobrados
O amor ajuda os atrevidos
Não os deixa andar aos caídos
O amor é um passarinho
Que não aceita gaiola nem ninho
É uma religião que não cai
Não se aleija nem solta um ai
O amor nunca envelhece
Criança p'ra sempre permanece
Vê ao longe e todavia é cego
Anda sempre em guerra c'o ego
O amor sincero é tão forte
Que vive até mesmo na morte
O amor se é forasteiro
Acaba por ser passageiro
O amor é sempre imprudente
Destemido e muito valente
E onde mandar o amor
Não há nenhum outro senhor
O amor é também como a lua
Quando ele não cresce mingua
Doze amores aqui já escrevi
Desta espécie alguns já vivi
Mas seu fim tive de aceitar
Nestas coisas não se pode mandar
E quando passa a desilusão
Logo abro o meu coração
terça-feira, 17 de outubro de 2017
Provérbio provado rimado - XXXVI
'Inda impera um grande machismo
Que dá todo o realce ao homem
E na sombra as mulheres se somem
Acusadas de terem romantismo
A mulher merecia mais destaque
Não por favor nem obrigação
Mas por ter também de antemão
O mesmo valor mas sem claque
Sempre encarada como suporte
Do funcionamento familiar
E cuida de todos no lar
Sem que com ela ninguém s'importe
Pois é hora de dizer um basta
Deixar a norma paternalista
Ainda que o povo insista
Em negar-lhe obra mais vasta
Porque atrás de um grande homem
Há sempre uma grande mulher
Deve ser-lhes dado a escolher
A função que em suas mãos tomem
Que dá todo o realce ao homem
E na sombra as mulheres se somem
Acusadas de terem romantismo
A mulher merecia mais destaque
Não por favor nem obrigação
Mas por ter também de antemão
O mesmo valor mas sem claque
Sempre encarada como suporte
Do funcionamento familiar
E cuida de todos no lar
Sem que com ela ninguém s'importe
Pois é hora de dizer um basta
Deixar a norma paternalista
Ainda que o povo insista
Em negar-lhe obra mais vasta
Porque atrás de um grande homem
Há sempre uma grande mulher
Deve ser-lhes dado a escolher
A função que em suas mãos tomem
Provérbio provado rimado - XXXV
Quem pratica o mexerico
De prudência não é muito rico
Deveria ter mais cuidado
Que de si falam ali ao lado
Deve evitar-se dizer mal
E pensar qu' é coisa normal
As sentenças sobre cada vida
São coisa de gente atrevida
Há quem adore opinar
E comportamentos criticar
É que dos outros nas costas
Se vêem as nossas expostas
De prudência não é muito rico
Deveria ter mais cuidado
Que de si falam ali ao lado
Deve evitar-se dizer mal
E pensar qu' é coisa normal
As sentenças sobre cada vida
São coisa de gente atrevida
Há quem adore opinar
E comportamentos criticar
É que dos outros nas costas
Se vêem as nossas expostas
domingo, 15 de outubro de 2017
Provérbio provado rimado - XXXIV
O Gonçalo era agricultor
Trabalhava até ao sol pôr
Acordava sempre muito cedo
Do trabalho tinha nenhum medo
Cultivava tomate e alface
C'o suor a escorrer-lhe p'la face
Apanhava a uva e a maçã
Apressado e num grande afã
Tinha aves na capoeira
E coelhos numa coelheira
Mas o galo andava tristonho
C'um receio bastante medonho
Porque já não sabia cantar
Para assim os donos despertar
A galinha tomou-lhe as dores
E guardaram-se os despertadores
De manhã antes de pôr o ovo
Cacarejava num canto novo
É assim qu'em casa de Gonçalo
Pode mais a galinha que o galo
Trabalhava até ao sol pôr
Acordava sempre muito cedo
Do trabalho tinha nenhum medo
Cultivava tomate e alface
C'o suor a escorrer-lhe p'la face
Apanhava a uva e a maçã
Apressado e num grande afã
Tinha aves na capoeira
E coelhos numa coelheira
Mas o galo andava tristonho
C'um receio bastante medonho
Porque já não sabia cantar
Para assim os donos despertar
A galinha tomou-lhe as dores
E guardaram-se os despertadores
De manhã antes de pôr o ovo
Cacarejava num canto novo
É assim qu'em casa de Gonçalo
Pode mais a galinha que o galo
Provérbio provado rimado - XXXIII
Um porquinho mealheiro
Ou debaixo do colchão
Para esconder o dinheiro
Tudo é boa solução
Ou como a minha avó
Nas latinhas de bolacha
Uma ideia nunca vem só
E ali ninguém o acha
Desde que longe da vista
É poupar enquanto há
Pois como diz na revista
Não havendo poupado está
Ou debaixo do colchão
Para esconder o dinheiro
Tudo é boa solução
Ou como a minha avó
Nas latinhas de bolacha
Uma ideia nunca vem só
E ali ninguém o acha
Desde que longe da vista
É poupar enquanto há
Pois como diz na revista
Não havendo poupado está
sábado, 14 de outubro de 2017
Provérbio provado rimado - XXXII
É preciso é manter a esperança
Até onde a visão a alcança
Ao fim do túnel a luz está
E continua do lado de lá
Mas não embandeirar em arco
Como o sapo que coaxa no charco
Que p'ra tudo é preciso um limite
Ou a ansiedade será dinamite
Bom é o meio termo que assegure
Pois não há mal que sempre dure
Nem bem que porém nunca acabe
Isto diz quem de viver sabe
Até onde a visão a alcança
Ao fim do túnel a luz está
E continua do lado de lá
Mas não embandeirar em arco
Como o sapo que coaxa no charco
Que p'ra tudo é preciso um limite
Ou a ansiedade será dinamite
Bom é o meio termo que assegure
Pois não há mal que sempre dure
Nem bem que porém nunca acabe
Isto diz quem de viver sabe
Provérbio provado rimado - XXXI
Se com bons amigos queres contar
Aprende aqui como não tropeçar
Quando te dão um conselho amigo
Não vás logo fechar cortina ou postigo
Se tens de espreitar escondido p'la fresta
Isso é sinal que o amigo não presta
Quando é para ver se é mesmo verdadeiro
Vai em frente e empresta-lhe dinheiro
Amizade é boa mas se forem negócios
Preferível é que não cheguem a sócios
A falta do amigo há-de-se conhecer
É melhor assim que estar a aborrecer
Pois quando ele é bom e diligente
Chega a ser até melhor que parente
Ao rico mil amigos se lhe deparam
Ao pobre até os irmãos o desamparam
Se perguntam quais os defeitos do amigo
Deverás responder perdão não maldigo
Pois se há coisa boa como um vinho que trepe
É amigo presente na vida e no WhatsApp
Aprende aqui como não tropeçar
Quando te dão um conselho amigo
Não vás logo fechar cortina ou postigo
Se tens de espreitar escondido p'la fresta
Isso é sinal que o amigo não presta
Quando é para ver se é mesmo verdadeiro
Vai em frente e empresta-lhe dinheiro
Amizade é boa mas se forem negócios
Preferível é que não cheguem a sócios
A falta do amigo há-de-se conhecer
É melhor assim que estar a aborrecer
Pois quando ele é bom e diligente
Chega a ser até melhor que parente
Ao rico mil amigos se lhe deparam
Ao pobre até os irmãos o desamparam
Se perguntam quais os defeitos do amigo
Deverás responder perdão não maldigo
Pois se há coisa boa como um vinho que trepe
É amigo presente na vida e no WhatsApp
sexta-feira, 13 de outubro de 2017
Provérbio de uma vida suicida
Ela não era de cá. Pelo menos não deste planeta. Sempre uma estranha em terra estranha. Nunca esse sentimento de pertença. Ela toda brisa. Conseguiria colocar os pés no chão, caso o desejasse, mas nela nunca esses instantes. Nela uma imaginação esvoaçante, viajando incessante por territórios inacessíveis. Ela toda fora do mundo, inventando labirintos inexplorados, mapas redondos sem fronteiras. Nenhuma vocação cartográfica, nenhuma vontade de regras. Um esforço intenso na direcção da memória lisa, a recordação branca, uma curiosidade de surpresas constantes cada vez mais limpas. Nela uma ausência de dor. Morreu jovem. Tratou disso com as próprias mãos quando, toda ela espanto, descobriu que as tinha nas extremidades das asas. Morreu jovem para não envelhecer lentamente mastigada pela máquina. Não se despediu, claro. Foi melhor assim.
- Morta sim, mas presa não
- Morta sim, mas presa não
Provérbio outonal - II
Tenho um bocado de pena deste calor, coitado. É aquele bêbado muito bêbado que insiste repetidamente em mais uma para o caminho, cada essa sempre a última e o caminho cada vez mais aos ésses. Ou outra letra, qualquer uma serve, já não conhece a direcção nem sabe regressar a direito, e há que dizer-lhe com todos os éfes e érres que está na hora de ir para casa. Mas ele continua a empastelar a voz, atrasando-se em gestos muito lentos, sempre a recontar como entrou Maio adentro sem avisar, assustando deveras a Vera, a prima de faces coradas e cheiro a flores campestres, de quem todos têm sempre saudades. E já estão a ficar sem paciência para este Verão tão inoportuno, duma arrogância sem relógio no pulso, que chega ruidosamente adiantado e não sabe despedir-se a tempo, mas há sempre quem, seja por educação ou por não gostar de arrumar o biquíni, o acompanhe na eterna última bebida, desde que devidamente alapado à sombra. O Verão nem agradece, vê-se que habituado aos mimos de estação preferida, com maioria absoluta inquestionável. Muitas rugas devidas a bronzeados indiferentes, daqueles que vão entrando pele adentro sem com licença, um casal de sóis numa relação passional muito brilhante. Claro que são dois e andam de braço dado, nem pensar que um só sol responsável por tardes assim tão brancas e roupa alagada em pastosas gotas de suor. Tantas vezes vai o cântaro à fonte que um dia volta sem trocos, não é assim que se diz? E então o Verão finalmente parte com as aves migratórias mais retardatárias para ir ser entronizado no hemisfério que acabou de destituir o frio que andou a roubar a alegria às pessoas.
Por onde andas, Outono? O bilhar grande não é assim tão longe e, repara, só depois das trovoadas que acompanham as vindimas e das marés vivas é que podíamos dar passagem aos arco íris. Se calhar estás para aí metido num engarrafamento de fim de tarde, agora que as escolas estão cheias de crianças de novo e junto às portas destas muitos carros acotovelando-se, prontos a engolir mochilas pesadas e cabelos num desalinho. Ou então ficaste chateado, por se dizer por aí nas conversas de café que já não há meias estações, a culpa é do homem ter ido à lua, parece. Faz como a Vera, deixa-os falar. Na lua não caem folhas das árvores quando começam as primeiras chuvas. Na lua não há sapatos fechados fechados em caixas que se abrem quando tu chegas. Não há gavetas cheias de camisolas de lã à tua espera num murmúrio de borbotos amargurados. Lá na lua não se diz vou pôr mais um agasalho na mala porque afinal já estamos no Outono. Está a chegar a tua hora, não te atrases, sabemos que tens sempre o relógio certinho por causa da mudança da hora, e agora que o sol está solteiro de novo é mais fácil convencê-lo a ir cada vez mais cedo para a cama.
- No Outono o sol tem sono
Por onde andas, Outono? O bilhar grande não é assim tão longe e, repara, só depois das trovoadas que acompanham as vindimas e das marés vivas é que podíamos dar passagem aos arco íris. Se calhar estás para aí metido num engarrafamento de fim de tarde, agora que as escolas estão cheias de crianças de novo e junto às portas destas muitos carros acotovelando-se, prontos a engolir mochilas pesadas e cabelos num desalinho. Ou então ficaste chateado, por se dizer por aí nas conversas de café que já não há meias estações, a culpa é do homem ter ido à lua, parece. Faz como a Vera, deixa-os falar. Na lua não caem folhas das árvores quando começam as primeiras chuvas. Na lua não há sapatos fechados fechados em caixas que se abrem quando tu chegas. Não há gavetas cheias de camisolas de lã à tua espera num murmúrio de borbotos amargurados. Lá na lua não se diz vou pôr mais um agasalho na mala porque afinal já estamos no Outono. Está a chegar a tua hora, não te atrases, sabemos que tens sempre o relógio certinho por causa da mudança da hora, e agora que o sol está solteiro de novo é mais fácil convencê-lo a ir cada vez mais cedo para a cama.
- No Outono o sol tem sono
quinta-feira, 12 de outubro de 2017
Provérbio planetário
A professora ensinava todas as matérias. Tinha de pôr os alunos a ler, a escrever, a tratar por tu a língua mãe. A língua não apenas mãe, a língua também pai, irmãos, avós, tios, a língua uma família feliz de palavrinhas unidas entre si por laços às vezes forçados e improváveis.
Era preciso também não esquecer os números, a professora sempre a trazê-los à baila num bailado misterioso. Haverá lá coisa mais filosófica que o número? Mas ela escondia esse conceito vago e vagaroso. Tinha era de pôr os alunos a contá-los, encarreirados numa linda falua que lá vem, lá vem mais um, agora menos um. E os alunos a contar coisas e loisas, quantos lápis há na caixa?, quantos carneiros são precisos até adormecer?, é mais fácil essa matemática apoiada no quotidiano.
E depois essa matéria tão vasta, a das ciências da natureza, a abarcar tudo o que há na terra, o visível e o invisível, às vezes deus e o diabo ao barulho, as crianças cheias de perguntas, numa alegre mistura de ciência intercalada pelo folclore dos avós.
Nesse dia a professora Célia vinha um bocado aflita: o ensino era o básico, mas o tema não era. Como explicar os movimentos de rotação e translacção a crianças tão pequenas? O universo infinitamente grande e nós humanos tão pequenos, grãos de areia na praia do cosmos. Trazia laranjas para ajudar a exposição. Ela, a professora, fazia de sol; engraçado como os adultos se colocam em destaque, logo ela tão tímida a estrela mais importante e vaidosa de todas. Ia rolando as laranjas devagar enquanto dizia:
- Assim à medida que roda a terra à volta de si própria, reparem meninos, deste lado é dia, na outra metade noite. Mas ela vai rodando também à roda do sol - e a professora Célia, numa dança perfumada de citrinos, fazia os movimentos - estão a ver? Enquanto deste lado é verão, no outro é inverno. Quem quer ajudar-me a explicar aos colegas?
E logo o Afonso, do alto da sua importância de primeiro rei, com os ouvidos cheios de cultura popular, ergueu-se afoito de dedo no ar:
- Isso é muito fácil, senhora professora, é como diz a minha avó:
- Anda meio mundo a enganar outro meio
Era preciso também não esquecer os números, a professora sempre a trazê-los à baila num bailado misterioso. Haverá lá coisa mais filosófica que o número? Mas ela escondia esse conceito vago e vagaroso. Tinha era de pôr os alunos a contá-los, encarreirados numa linda falua que lá vem, lá vem mais um, agora menos um. E os alunos a contar coisas e loisas, quantos lápis há na caixa?, quantos carneiros são precisos até adormecer?, é mais fácil essa matemática apoiada no quotidiano.
E depois essa matéria tão vasta, a das ciências da natureza, a abarcar tudo o que há na terra, o visível e o invisível, às vezes deus e o diabo ao barulho, as crianças cheias de perguntas, numa alegre mistura de ciência intercalada pelo folclore dos avós.
Nesse dia a professora Célia vinha um bocado aflita: o ensino era o básico, mas o tema não era. Como explicar os movimentos de rotação e translacção a crianças tão pequenas? O universo infinitamente grande e nós humanos tão pequenos, grãos de areia na praia do cosmos. Trazia laranjas para ajudar a exposição. Ela, a professora, fazia de sol; engraçado como os adultos se colocam em destaque, logo ela tão tímida a estrela mais importante e vaidosa de todas. Ia rolando as laranjas devagar enquanto dizia:
- Assim à medida que roda a terra à volta de si própria, reparem meninos, deste lado é dia, na outra metade noite. Mas ela vai rodando também à roda do sol - e a professora Célia, numa dança perfumada de citrinos, fazia os movimentos - estão a ver? Enquanto deste lado é verão, no outro é inverno. Quem quer ajudar-me a explicar aos colegas?
E logo o Afonso, do alto da sua importância de primeiro rei, com os ouvidos cheios de cultura popular, ergueu-se afoito de dedo no ar:
- Isso é muito fácil, senhora professora, é como diz a minha avó:
- Anda meio mundo a enganar outro meio
quarta-feira, 11 de outubro de 2017
Provérbio feminino pequenino
Chama-se Susana mas chamam-lhe Susaninha, talvez por parecer dez réis de gente: muito baixinha e franzina, é na secção de criança das lojas que arranja roupa que lhe sirva. É por isso que traja com cores de bebé crescida, folhinhos e rendinhas qb, e nas camisolas bonecada com fartura. Para ajudar à festa, Susaninha não se maquilha nem usa saltos altos.
Por tudo isto se imagina uma total ausência de sex appeal: não podia haver maior engano!; por detrás daquela aparência sonsa e fofinha, Susaninha é uma fêmea predadora com F e P grandes. Actua pela calada, fitando o macho de baixo para cima, cheia de pestanas, desviando timidamente o olhar quando é apanhada. Esse jogo silencioso é repetido vezes sem conta, recatadamente. Não participa nas conversas, finge que não é com ela se a interpelam, deixa-se estar placidamente a observar numa atitude despreocupada, com os atacadores desapertados. Com este ar de menina ternurenta e desprotegida, aguarda pacientemente que o objecto desse desejo recente se ofereça para a levar a casa. Antes de dobrar a última esquina há um túnel: é aí que a Susaninha, de repente enorme, ataca no escuro sem dar tempo a qualquer reacção do outro lado. Ah, se aquele túnel falasse... Mas já se sabe que as paredes têm ouvidos, não têm boca. As presas nada contam também, envergonhados por terem sido apanhados assim de surpresa quando se julgavam senhores da situação, eles que supunham vários passeios até à porta de casa até à noite do primeiro roçar mão na mão com correspondente beijinho de passarinho. Mais envergonhados ficam ainda no depois, pois a Susaninha ignora-os dali em diante, baixando-se para apertar os atacadores quando lhe dirigem a palavra.
E quando no grupo de amigos lhe chamam porta chaves, metro e meio, e muitas outras palavras a terminar em inha, ela não se rala e responde:
- A mulher quer-se pequenina como a sardinha
Por tudo isto se imagina uma total ausência de sex appeal: não podia haver maior engano!; por detrás daquela aparência sonsa e fofinha, Susaninha é uma fêmea predadora com F e P grandes. Actua pela calada, fitando o macho de baixo para cima, cheia de pestanas, desviando timidamente o olhar quando é apanhada. Esse jogo silencioso é repetido vezes sem conta, recatadamente. Não participa nas conversas, finge que não é com ela se a interpelam, deixa-se estar placidamente a observar numa atitude despreocupada, com os atacadores desapertados. Com este ar de menina ternurenta e desprotegida, aguarda pacientemente que o objecto desse desejo recente se ofereça para a levar a casa. Antes de dobrar a última esquina há um túnel: é aí que a Susaninha, de repente enorme, ataca no escuro sem dar tempo a qualquer reacção do outro lado. Ah, se aquele túnel falasse... Mas já se sabe que as paredes têm ouvidos, não têm boca. As presas nada contam também, envergonhados por terem sido apanhados assim de surpresa quando se julgavam senhores da situação, eles que supunham vários passeios até à porta de casa até à noite do primeiro roçar mão na mão com correspondente beijinho de passarinho. Mais envergonhados ficam ainda no depois, pois a Susaninha ignora-os dali em diante, baixando-se para apertar os atacadores quando lhe dirigem a palavra.
E quando no grupo de amigos lhe chamam porta chaves, metro e meio, e muitas outras palavras a terminar em inha, ela não se rala e responde:
- A mulher quer-se pequenina como a sardinha
domingo, 8 de outubro de 2017
Provérbio provado rimado - XXX
Há dias em que o que comes
Parece que alguns incomoda
É chamar os bois pelos nomes
E partir a loiça toda
Noutros dias é o que vestes
O que dizes e como o fazes
E se a refilar estás prestes
De tudo mirar são capazes
Pois te digo não hesites
Só custa o primeiro prato
A partir não ponhas limites
Destrói tudo com aparato
Parece que alguns incomoda
É chamar os bois pelos nomes
E partir a loiça toda
Noutros dias é o que vestes
O que dizes e como o fazes
E se a refilar estás prestes
De tudo mirar são capazes
Pois te digo não hesites
Só custa o primeiro prato
A partir não ponhas limites
Destrói tudo com aparato
Provérbio provado rimado - XXIX
Palavras leva-as o vento
É o que diz infelizmente
Quem delas não tira sustento
Para exprimir o que sente
É verdade que são os actos
Que mais ficam na retina
Mas palavras são artefactos
Que dão mais cor à rotina
E quem navega nesse mar
De palavras para escolher
A ideal para cada lugar
A mais certa para cada ser
Torna mais rica a vivência
E encolhe a monotonia
Recusa a condescendência
De dar palavras à ventania
É o que diz infelizmente
Quem delas não tira sustento
Para exprimir o que sente
É verdade que são os actos
Que mais ficam na retina
Mas palavras são artefactos
Que dão mais cor à rotina
E quem navega nesse mar
De palavras para escolher
A ideal para cada lugar
A mais certa para cada ser
Torna mais rica a vivência
E encolhe a monotonia
Recusa a condescendência
De dar palavras à ventania
Provérbio provado rimado - XXVIII
Era bom não ter de vergar
A quem não sabe mandar
Mas há que engolir uns sapos
E limpar a boca aos guardanapos
A quem não sabe mandar
Mas há que engolir uns sapos
E limpar a boca aos guardanapos
Provérbio provado rimado - XXVII
Há quem se julgue bastar
E apenas consigo contar
Mas ninguém é tão alguém
Que não precise de ninguém
E apenas consigo contar
Mas ninguém é tão alguém
Que não precise de ninguém
Provérbio provado rimado - XXVI
Burro não é gato ou cobra
Para poder ver no escuro
Nem como minhoca que dobra
Um corpo que não é duro
Burro não é um insecto
E tem fama de teimoso
Um temperamento recto
Contudo um tanto aleivoso
Burro parece humano
Às vezes põe-se a pensar
Se o tratam mano a mano
O olhar não vai desviar
Burro é simples jumento
Quando teima dá um zurro
E nesse preciso momento
A pensar morre esse burro
Para poder ver no escuro
Nem como minhoca que dobra
Um corpo que não é duro
Burro não é um insecto
E tem fama de teimoso
Um temperamento recto
Contudo um tanto aleivoso
Burro parece humano
Às vezes põe-se a pensar
Se o tratam mano a mano
O olhar não vai desviar
Burro é simples jumento
Quando teima dá um zurro
E nesse preciso momento
A pensar morre esse burro
Provérbio provado rimado - XXV
Por vezes a precipitação
Tropeça e leva à mazela
E só depois a razão
Surge e fala por ela
É nesse corrido esgar
Que engorda o triste enfado
Mas não adianta chorar
Sobre leite derramado
Tropeça e leva à mazela
E só depois a razão
Surge e fala por ela
É nesse corrido esgar
Que engorda o triste enfado
Mas não adianta chorar
Sobre leite derramado
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