Provérbios Provados noutras casas:

domingo, 7 de janeiro de 2018

Provérbio honesto

Esta vida é um viver entre sonos que nunca são suficientes. Acordo muito cedo, fico ali uns cinco minutos sentada na cama a espreguiçar-me e a bocejar, a pensar se no calendário hoje é ontem ou hoje é amanhã. Depois de um banho apressado, preparo a marmita do almoço com as sobras do jantar, visto-me e desço as escadas do prédio a correr para não perder o autocarro. Vai sempre à pinha: nunca me posso sentar e sinto-me encurralada, uma mão no varão, outra segurando a marmita, nenhuma mão para afastar a franja dos olhos que não cheguei a secar com o secador.
Assim começa a minha semana de seis dias que o emprego exige. Oito horas de trabalho diário e um ordenado que vai direitinho para pagar contas, mal sobra para comer, vestir e calçar. Ao princípio, quando arranjei este emprego, ainda julguei que ia dar para juntar uns trocados para frequentar um ginásio - um dos doze desejos de começo de ano que nunca se cumpre ano após ano...
O subsídio de Natal esvai-se na comida própria das festividases e em presentes para a família; às vezes sobra alguma coisa para um trapito barato nos saldos. O subsídio de férias serve o propósito que o nome lhe dá: vou acampar todos os anos com a minha filha para a Costa da Caparica.
A minha filha Rebeca está na idade do armário e, neste preciso momento, está para ali a reclamar de não termos armário na tenda:
- Ó mãe, estou tão farta de acampar! As latas de atum, as filas para o banho, as toalhas de praia que desaparecem do estendal. E as costas, ai as minhas costas!, que me doem tanto de me estar sempre a baixar e de dormir no chão. Porque é que não vamos para um hotel?
- Porque nem para um de uma estrela temos dinheiro, Rebeca! Tu és a única riqueza da minha vida, filha. Somos pobres: aceita o facto. Nunca roubei, sempre trabalhei honestamente. O teu pai pirou-se e deixou-me aquelas dívidas todas: levei onze anos para as pagar, quase tanto como o tempo que tens de vida... E os teus avós só me deixaram uma nesga de terra com um poço seco e três pés de videira que não vale um chavo. Eles também eram pobres e assim o eram os seus pais antes deles. Aliás, a tua avó costumava sair-se com uma muito engraçada, com licença da mesa:

- Quem não rouba ou não herda não vale uma merda

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