Não é pelo outro que nos apaixonamos
É pela nossa imagem apaixonados pelo outro
Quando o amor resulta
Enquanto resulta
Louvamos o bom discernimento da escolha
E o espelho só devolve sorrisos
Mas se a coisa dá para o torto
Está bem de ver: a culpa é do outro
terça-feira, 30 de janeiro de 2018
Provérbio provado num verso branco - XXV
Provérbio provado entrevistado
- Anda daí, Alzira, está na hora do almoço! Se te demoras, daqui a bocado não temos lugar no refeitório. Já sabes que são sete cães a um osso...
Alzira largou a escova de cabelo, comprimiu os lábios em frente ao espelho e seguiu a colega escada acima.
Uma hora e meia chegava e sobejava para comer e ainda dar três dedos de conversa porque dois nunca eram suficientes.
O refeitório era grande e bem equipado e tinha até uma estante a um canto cheia de livros que ninguém folheava mas à qual as chefias chamavam pomposamente biblioteca. Ocupava uma área significativa do primeiro andar e era a menina dos olhos da administração. Por isso, ninguém estranhou quando na semana anterior entrou sala adentro uma jornalista ladeada por um fotógrafo, um cameraman, o patrão maior do hipermercado e respectivos lambe botas. Lá vinham eles exibir-se para a televisão e os jornais, querendo demonstrar as verdadeiramente fantásticas condições que davam aos empregados, esperando desviar as atenções dos baixos salários.
- Repare, sra. dra., na nossa biblioteca ali ao canto, ideal para uma pequena pausa após o almoço.
- Chame-me só Celeste, pela sua saúde! Sou apenas uma jornalista, não passo atestados médicos! E não me leve a mal, mas a biblioteca não deve ter lá muito uso, quer-me parecer. Por certo outras coisas fariam mais falta aos seus empregados... Ora e com quem é que posso trocar umas palavrinhas? - e virando-se para o grupo mais perto - Talvez aqui com esta senhora? Como se chama, quer dizer-nos? Ah, que engraçado!, Alzira era o nome da minha tia favorita. Já lá está, coitadinha... Mas então posso fazer-lhe uma ou duas perguntas, Alzira?
A jornalista parecia não saber muito bem ao que vinha, mas assim que se ligou a luz da câmara e o fotógrafo apontou a objectiva, transformou-se como que por magia. Quis saber ao pormenor tudo o que a Alzira fazia, se gostava daquele emprego, se o ordenado era o bastante para viver r quais as regalias que tinha, onde morada, se tinha filhos, tudo tim tim por tim tim - a Alzira chegou a recear que lhe fosse perguntar a cor das cuecas. Ficou muitíssimo vermelha, pois não gostava nada de ser o centro das atenções, mas de quando em vez lá deitava uma espreitadela pelo canto do olho para a câmara. Até que a jornalista se saiu com esta:
- Agora, para terminr, vou fazer-lhe uma pergunta difícil. Ou fácil, dependendo da perspectiva. A Alzira é feliz?
- Olhe, sra. dra... Ah, sim, Celeste, desculpe. Sabe o que é que eu lhe digo?
- Feliz é quem diz
Alzira largou a escova de cabelo, comprimiu os lábios em frente ao espelho e seguiu a colega escada acima.
Uma hora e meia chegava e sobejava para comer e ainda dar três dedos de conversa porque dois nunca eram suficientes.
O refeitório era grande e bem equipado e tinha até uma estante a um canto cheia de livros que ninguém folheava mas à qual as chefias chamavam pomposamente biblioteca. Ocupava uma área significativa do primeiro andar e era a menina dos olhos da administração. Por isso, ninguém estranhou quando na semana anterior entrou sala adentro uma jornalista ladeada por um fotógrafo, um cameraman, o patrão maior do hipermercado e respectivos lambe botas. Lá vinham eles exibir-se para a televisão e os jornais, querendo demonstrar as verdadeiramente fantásticas condições que davam aos empregados, esperando desviar as atenções dos baixos salários.
- Repare, sra. dra., na nossa biblioteca ali ao canto, ideal para uma pequena pausa após o almoço.
- Chame-me só Celeste, pela sua saúde! Sou apenas uma jornalista, não passo atestados médicos! E não me leve a mal, mas a biblioteca não deve ter lá muito uso, quer-me parecer. Por certo outras coisas fariam mais falta aos seus empregados... Ora e com quem é que posso trocar umas palavrinhas? - e virando-se para o grupo mais perto - Talvez aqui com esta senhora? Como se chama, quer dizer-nos? Ah, que engraçado!, Alzira era o nome da minha tia favorita. Já lá está, coitadinha... Mas então posso fazer-lhe uma ou duas perguntas, Alzira?
A jornalista parecia não saber muito bem ao que vinha, mas assim que se ligou a luz da câmara e o fotógrafo apontou a objectiva, transformou-se como que por magia. Quis saber ao pormenor tudo o que a Alzira fazia, se gostava daquele emprego, se o ordenado era o bastante para viver r quais as regalias que tinha, onde morada, se tinha filhos, tudo tim tim por tim tim - a Alzira chegou a recear que lhe fosse perguntar a cor das cuecas. Ficou muitíssimo vermelha, pois não gostava nada de ser o centro das atenções, mas de quando em vez lá deitava uma espreitadela pelo canto do olho para a câmara. Até que a jornalista se saiu com esta:
- Agora, para terminr, vou fazer-lhe uma pergunta difícil. Ou fácil, dependendo da perspectiva. A Alzira é feliz?
- Olhe, sra. dra... Ah, sim, Celeste, desculpe. Sabe o que é que eu lhe digo?
- Feliz é quem diz
Provérbio provado num verso branco - XXIV
Quando é esperada nunca chega
Quando chega não é esperada
Todavia já aqui devia estar, vão sendo horas
A felicidade já devia ter transporto a soleira
As raízes lançaram os seus braços sobre a terra
A palha secou há muito lá onde se seca a palha
A criança adormeceu acreditando que amanhã o final feliz virá
É fácil pôr as culpas no futuro
Para que se possa chamar-lhe futuro e não imitação
A felicidade é uma doidivanas, uma malandreca
Não tem metas, só rectas
Há-de aparecer de rompante levando tudo à frente
As lágrimas não terão memória de ter caído
Então é tomar-lhe o pulso e o gosto
Que se a felicidade é bruta
Experimentá-la total é brutal
Mas para ganhar na lotaria
É preciso comprar cautela
Despir-se da cautela
E dar uma mãozinha à felicidade
Fechar os olhos à beira do precipício
Esperando os pássaros que hão-de amparar a queda
Quando chega não é esperada
Todavia já aqui devia estar, vão sendo horas
A felicidade já devia ter transporto a soleira
As raízes lançaram os seus braços sobre a terra
A palha secou há muito lá onde se seca a palha
A criança adormeceu acreditando que amanhã o final feliz virá
É fácil pôr as culpas no futuro
Para que se possa chamar-lhe futuro e não imitação
A felicidade é uma doidivanas, uma malandreca
Não tem metas, só rectas
Há-de aparecer de rompante levando tudo à frente
As lágrimas não terão memória de ter caído
Então é tomar-lhe o pulso e o gosto
Que se a felicidade é bruta
Experimentá-la total é brutal
Mas para ganhar na lotaria
É preciso comprar cautela
Despir-se da cautela
E dar uma mãozinha à felicidade
Fechar os olhos à beira do precipício
Esperando os pássaros que hão-de amparar a queda
Provérbio provado rimado - CCCXI
Se pensas que os outros são tolos
E que comes todos por parolos
Não creias que és assim tão esperto
E de inteligência coberto
Não venhas aqui para o meu lado
Com esse peito tão inchado
Recebo-te com mil apupos
Porque eu cá não papo grupos
E que comes todos por parolos
Não creias que és assim tão esperto
E de inteligência coberto
Não venhas aqui para o meu lado
Com esse peito tão inchado
Recebo-te com mil apupos
Porque eu cá não papo grupos
domingo, 28 de janeiro de 2018
Provérbio provado rimado - CCCX
Cá para mim a sinceridade
É bem a melhor qualidade
Como os malucos tudo digo
Muito inconsciente do perigo
Mas há quem não seja sincero
Não por falta de ser vero
Só não sabe o que há-de dizer
Mas parvo não quer parecer
Então diz mentira piedosa
Que não tem nada de corajosa
Porque quem não sabe inventa
E mais parvos que ele contenta
É bem a melhor qualidade
Como os malucos tudo digo
Muito inconsciente do perigo
Mas há quem não seja sincero
Não por falta de ser vero
Só não sabe o que há-de dizer
Mas parvo não quer parecer
Então diz mentira piedosa
Que não tem nada de corajosa
Porque quem não sabe inventa
E mais parvos que ele contenta
Provérbio provado rimado - CCCIX
Meu querido és o meu farol
Que brilha até se faz sol
És bonança na tempestade
E embelezas a realidade
Chegaste assim de repente
Deixas-me porém tão contente
És lindo e tens a simplicidade
Que foste amealhando com a idade
E é essa sabedoria
Que é para mim mais valia
Encantas-me e tens pátine
Não é só isso que te define
Apesar do teu feitio torto
Tu és como vinho do Porto
Quanto mais velho melhor
E com bom sentido de humor
Lá está não sei bem explicar
A razão de eu agora te amar
Não penses que assim exagero
Para te provar o quanto te quero
Que brilha até se faz sol
És bonança na tempestade
E embelezas a realidade
Chegaste assim de repente
Deixas-me porém tão contente
És lindo e tens a simplicidade
Que foste amealhando com a idade
E é essa sabedoria
Que é para mim mais valia
Encantas-me e tens pátine
Não é só isso que te define
Apesar do teu feitio torto
Tu és como vinho do Porto
Quanto mais velho melhor
E com bom sentido de humor
Lá está não sei bem explicar
A razão de eu agora te amar
Não penses que assim exagero
Para te provar o quanto te quero
Provérbio provado predestinado
Era uma vez dois botões que se amavam mas viviam em casas separadas. Um dia veio um costureiro chamado Destino, que trazia na mão uma enorme tesoura capaz de cortar vidas aos pedaços, e pimba!, descoseu um dos botões. Era o que estava mais desprendido, não por incúria ou preguiça, é que os aparentes desapegos ombreiam normalmente com os botões mais fragilizados, vá-se lá saber porquê!, as estatísticas normalmente contrariam a lógica.
O botão caiu desamparado e chorou as lágrimas maiores e mais redondas da sua até então vida. Chorou de dor de raiva e maldisse o Destino. Inventou-lhe nomes feios à mãe e demais família das coincidências, lamentando a falta de critério e sentido de justiça, adivinhando que nenhum outro botão o poderia substituir como deve ser, já que teria de combinar a cor e diâmetro exactos.
Ficou perdido numa sarjeta a olhar as estrelas, desejando ir ter com elas: de certezinha que era lá em cima naquele brilho todo que ficava o céu dos botões desirmanados de que tanto ouvira falar... Nunca mais teve sono, frio ou fome; limitou-se a estar para ali parado vendo os ponteiros que rodavam no pulso de quem ia passando. A cada volta completa que davam os ponteiros regressava mais uma noite; o botão achava que, como toda a gente detestava o Inverno, a estação do frio vingava-se com mais horas de estrelas para compensar os abafos que são os afagos da solidão. E as pessoas iam passando ao frio e à chuva com relógios cada vez maiores.
Então, numa noite muito comprida, uma pessoa que não sabia a quantas andava, parou junto à sarjeta e reparou no botão sozinho. Apanhou-o e disse-lhe:
- Conheço um costureiro chamado Destino que te pode ajudar.
O botão tremeu de medo e descobriu que afinal ainda conseguia tremer:
- Muito obrigado, pessoa sem relógio, mas não quero uma mãozinha do Destino. É por causa dele que me encontro aqui...
Mesmo assim tão contrariado, a pessoa pensou que era hora de o tirar dali, ainda que não soubesse que horas eram no Tempo das gentes muito menos no dos botões.
Foi tudo tão rápido que ainda hoje o botão está para perceber o que se passou. Foi entregue ao Destino e à sua irmã Sorte que tinham uma linha muito, muito grossa e uma agulha muito, muito comprida. Coseram o botão com todo o cuidado junto ao botão amado, o lugar estava vago, não chegou a saber se tinha chegado a ser preenchido.
No momento do regresso o botão compreendeu muitas coisas. Percebeu que muitas frases feitas de tão refeitas são perfeitas, como aquela que diz que o Destino e a Sorte andam sempre de mãos dadas e estão já ali ao virar da esquina. E de ter uma boa comunicação, não vá a Sorte ouvir o que o Destino não disse e aí todos os botões serem quadrados e o impossível não ter pernas. Ou então pode a Sorte embriagar-se de sonhos e ir perder-se na roleta, deixando o pobre Destino a escutar o seu triste fado em modo menor. Como o Destino é caprichoso, pode muito bem adiantar imenso os relógios das pessoas que se apressam em chegar ao fim de cada dia sem sorrisos nem lágrimas, como aquelas que o botão via passar quando estava na sarjeta: pessoas mecânicas, pessoas fecho éclair que não coleccionam botões descosidos nem meias sem par, pessoas sem memória que atiram as recordações para um saco verde de vinte litros e nem sequer se lembram.
O botão compreendeu também que era muito mais senhor de si, agora que dava o devido valor à família das coincidências. Sim, porque o Acaso é um caso muito sério!
- Nada acontece por acaso
O botão caiu desamparado e chorou as lágrimas maiores e mais redondas da sua até então vida. Chorou de dor de raiva e maldisse o Destino. Inventou-lhe nomes feios à mãe e demais família das coincidências, lamentando a falta de critério e sentido de justiça, adivinhando que nenhum outro botão o poderia substituir como deve ser, já que teria de combinar a cor e diâmetro exactos.
Ficou perdido numa sarjeta a olhar as estrelas, desejando ir ter com elas: de certezinha que era lá em cima naquele brilho todo que ficava o céu dos botões desirmanados de que tanto ouvira falar... Nunca mais teve sono, frio ou fome; limitou-se a estar para ali parado vendo os ponteiros que rodavam no pulso de quem ia passando. A cada volta completa que davam os ponteiros regressava mais uma noite; o botão achava que, como toda a gente detestava o Inverno, a estação do frio vingava-se com mais horas de estrelas para compensar os abafos que são os afagos da solidão. E as pessoas iam passando ao frio e à chuva com relógios cada vez maiores.
Então, numa noite muito comprida, uma pessoa que não sabia a quantas andava, parou junto à sarjeta e reparou no botão sozinho. Apanhou-o e disse-lhe:
- Conheço um costureiro chamado Destino que te pode ajudar.
O botão tremeu de medo e descobriu que afinal ainda conseguia tremer:
- Muito obrigado, pessoa sem relógio, mas não quero uma mãozinha do Destino. É por causa dele que me encontro aqui...
Mesmo assim tão contrariado, a pessoa pensou que era hora de o tirar dali, ainda que não soubesse que horas eram no Tempo das gentes muito menos no dos botões.
Foi tudo tão rápido que ainda hoje o botão está para perceber o que se passou. Foi entregue ao Destino e à sua irmã Sorte que tinham uma linha muito, muito grossa e uma agulha muito, muito comprida. Coseram o botão com todo o cuidado junto ao botão amado, o lugar estava vago, não chegou a saber se tinha chegado a ser preenchido.
No momento do regresso o botão compreendeu muitas coisas. Percebeu que muitas frases feitas de tão refeitas são perfeitas, como aquela que diz que o Destino e a Sorte andam sempre de mãos dadas e estão já ali ao virar da esquina. E de ter uma boa comunicação, não vá a Sorte ouvir o que o Destino não disse e aí todos os botões serem quadrados e o impossível não ter pernas. Ou então pode a Sorte embriagar-se de sonhos e ir perder-se na roleta, deixando o pobre Destino a escutar o seu triste fado em modo menor. Como o Destino é caprichoso, pode muito bem adiantar imenso os relógios das pessoas que se apressam em chegar ao fim de cada dia sem sorrisos nem lágrimas, como aquelas que o botão via passar quando estava na sarjeta: pessoas mecânicas, pessoas fecho éclair que não coleccionam botões descosidos nem meias sem par, pessoas sem memória que atiram as recordações para um saco verde de vinte litros e nem sequer se lembram.
O botão compreendeu também que era muito mais senhor de si, agora que dava o devido valor à família das coincidências. Sim, porque o Acaso é um caso muito sério!
- Nada acontece por acaso
Provérbio à altura da leitura
Primeiro os olhos topam uma lombada. O título é uma melodia duas vezes repetida, digo-o para dentro, canto-o se tem algo de canção. A autoria do livro pode ser consagrada ou desconhecida, admito que também conta, não me é indiferente: mais facilmente regresso à casa onde já fui feliz ou à casa onde me dizem outros leitores terem já sido felizes.
Tenho sempre o cuidado de não julgar o livro pela capa; afinal o designer pode sempre ser melhor que o escritor. Pego no objecto: afago-o, cheiro-o, passo os olhos numa fuga oblíqua pelo primeiro parágrafo. São as chamadas primeiras impressões, tal como no instante em que conhecemos uma pessoa e o cérebro decide se os nossos braços a abraçarão ou ficarão em linha com o corpo, paralelos à nossa indiferença. É nesse momento que decido se sim ou sopas: algo me conquista ou despeço-me sem remorsos. Se levo o livro comigo, torna-se mais uma promessa na longa lista de espera. Nem sempre viaja sozinho, nesses dias em que tenho mais fome de palavras julgo poder empanturrar-me de dois, três livros e mais um par de versos. Ficam a aguardar na estante pelo momento em que finalmente os engolirei, não há ordem de chegada ou partida: a cada momento escolho o que mais me apela aos sentidos e posso regressar a capítulos outrora lidos, como se amigos que moram longe ou um regresso ao bairro das portas da infância.
A cada livro uma nova viagem num mundo sem fronteiras. Quantas vezes uma repetição de sensações das quais já desconfiava, coisas que já me disse com aquelas mesmíssimas letras, aquela mesma música, quase um plágio autorizado em que dissesse: toma lá os meus pensamentos, autor sem imaginação, deixo-te fingir que todos os humanos são muito iguais.
Cada livro é quase sempre melhor do que a capa, por mais engalanada que se apresente. Na leitura estão os melhores momentos desta vida incompleta e fugaz: é através da literatura que escapo da morte.
- Não se deve julgar um livro pela capa
Tenho sempre o cuidado de não julgar o livro pela capa; afinal o designer pode sempre ser melhor que o escritor. Pego no objecto: afago-o, cheiro-o, passo os olhos numa fuga oblíqua pelo primeiro parágrafo. São as chamadas primeiras impressões, tal como no instante em que conhecemos uma pessoa e o cérebro decide se os nossos braços a abraçarão ou ficarão em linha com o corpo, paralelos à nossa indiferença. É nesse momento que decido se sim ou sopas: algo me conquista ou despeço-me sem remorsos. Se levo o livro comigo, torna-se mais uma promessa na longa lista de espera. Nem sempre viaja sozinho, nesses dias em que tenho mais fome de palavras julgo poder empanturrar-me de dois, três livros e mais um par de versos. Ficam a aguardar na estante pelo momento em que finalmente os engolirei, não há ordem de chegada ou partida: a cada momento escolho o que mais me apela aos sentidos e posso regressar a capítulos outrora lidos, como se amigos que moram longe ou um regresso ao bairro das portas da infância.
A cada livro uma nova viagem num mundo sem fronteiras. Quantas vezes uma repetição de sensações das quais já desconfiava, coisas que já me disse com aquelas mesmíssimas letras, aquela mesma música, quase um plágio autorizado em que dissesse: toma lá os meus pensamentos, autor sem imaginação, deixo-te fingir que todos os humanos são muito iguais.
Cada livro é quase sempre melhor do que a capa, por mais engalanada que se apresente. Na leitura estão os melhores momentos desta vida incompleta e fugaz: é através da literatura que escapo da morte.
- Não se deve julgar um livro pela capa
sábado, 20 de janeiro de 2018
Provérbio provado num verso branco - XXIII
O poema é um confessionário que não se pode fechar à chave
Não é beato mas quer ensinar a missa ao padre
De cada vez que reza o seu verso é diferente
Não tem cartilha, não é de pacotilha
O poema comunga palavras salgadas
Ajoelha-se ao desejo da superação
Quer crescer cada vez mais alto aos mais altos tectos
Adormece tarde e más horas
Desperta sempre para uma nova surpresa
O poema nunca é demais nem de menos
É a medida certa para a voz da mão inquieta
O padre que reza a missa não leu o poema
Tão pouco aceita que a poesia seja feita de palavras
Debita, repete, cansa-se e cansa-os
Os fiés são fiés ao bolor
Os infiéis estão atrasados, já não vêm
Ausentes neste e no próximo Domingo
Guardam o poema no bolso roto
O poema escapa-se e ganha asas
Quando regressa ao bolso encontra um espaço novo
Não é beato mas quer ensinar a missa ao padre
De cada vez que reza o seu verso é diferente
Não tem cartilha, não é de pacotilha
O poema comunga palavras salgadas
Ajoelha-se ao desejo da superação
Quer crescer cada vez mais alto aos mais altos tectos
Adormece tarde e más horas
Desperta sempre para uma nova surpresa
O poema nunca é demais nem de menos
É a medida certa para a voz da mão inquieta
O padre que reza a missa não leu o poema
Tão pouco aceita que a poesia seja feita de palavras
Debita, repete, cansa-se e cansa-os
Os fiés são fiés ao bolor
Os infiéis estão atrasados, já não vêm
Ausentes neste e no próximo Domingo
Guardam o poema no bolso roto
O poema escapa-se e ganha asas
Quando regressa ao bolso encontra um espaço novo
Provérbio provado num verso branco - XXII
Das nove às cinco
A pessoa não é só o trabalho que tem
O trabalho que tem não faz a pessoa
Há poemas, música e magia
Dias cheios de vazio, mas a tristeza é finita
Há esperança, noites inteiras e insónias de lua cheia
Há o mar e uma árvore robusta que morre de pé
Intensidade e a certeza da renovação
A vida não é só uma das nove às cinco
A vida são duas, três, cem
Sete como as do gato que cai sempre de pé
O gato não é feito de quedas
As quedas que dá não fazem o gato
Às cinco acorda de ser infeliz
Lambe as feridas, pisca os olhos várias vezes
E vai dar mais umas voltas curiosas pelas redondezas
Vai ser natureza, espanto e maldição
A pessoa não é só o trabalho que tem
O trabalho que tem não faz a pessoa
Há poemas, música e magia
Dias cheios de vazio, mas a tristeza é finita
Há esperança, noites inteiras e insónias de lua cheia
Há o mar e uma árvore robusta que morre de pé
Intensidade e a certeza da renovação
A vida não é só uma das nove às cinco
A vida são duas, três, cem
Sete como as do gato que cai sempre de pé
O gato não é feito de quedas
As quedas que dá não fazem o gato
Às cinco acorda de ser infeliz
Lambe as feridas, pisca os olhos várias vezes
E vai dar mais umas voltas curiosas pelas redondezas
Vai ser natureza, espanto e maldição
Provérbio provado rimado - CCCVIII
Quem está mal é melhor
Que se mude ou ficará pior
É sempre positiva a mudança
Um bom tempero da esperança
Quando tudo parece perdido
Vê lá não te dês por vencido
Apressa-te já no caminho
Mesmo que estejas sozinho
Apoia-te no que puderes
Por mais triste que estiveres
Pois nesta vida tudo passa
Não te entregues à desgraça
Que se mude ou ficará pior
É sempre positiva a mudança
Um bom tempero da esperança
Quando tudo parece perdido
Vê lá não te dês por vencido
Apressa-te já no caminho
Mesmo que estejas sozinho
Apoia-te no que puderes
Por mais triste que estiveres
Pois nesta vida tudo passa
Não te entregues à desgraça
sexta-feira, 19 de janeiro de 2018
Provérbio provado rimado - CCCVII
Mais vale uma mulher cuidada
Do que outra muito enfeitada
A primeira é mulher ideal
A segunda árvore de Natal
Importante é que seja estimada
Quando a vida está atravessada
Como na garganta a espinha
De um peixe que se pesca à linha
Se enfim estiver apaixonada
E não for temerosa nem nada
É agarrá-la com unhas e dentes
Dar-lhe muitos beijos frequentes
Pois uma mulher bem beijada
Nos sentidos fica consolada
E afoita-se para participar
No misterioso jogo de amar
Do que outra muito enfeitada
A primeira é mulher ideal
A segunda árvore de Natal
Importante é que seja estimada
Quando a vida está atravessada
Como na garganta a espinha
De um peixe que se pesca à linha
Se enfim estiver apaixonada
E não for temerosa nem nada
É agarrá-la com unhas e dentes
Dar-lhe muitos beijos frequentes
Pois uma mulher bem beijada
Nos sentidos fica consolada
E afoita-se para participar
No misterioso jogo de amar
quinta-feira, 18 de janeiro de 2018
Provérbio provado de um Deus equivocado
Havia tradição genética de gémeos na família. A Dona Leonor morreu, depois de um parto muito sofrido, ao dar à luz as duas gémeas, que ficaram ao cuidado do pai e duma tia beata e solteirona.
As meninas cresceram iguais de feições, mas com personalidades diametralmente opostas. Todos os louvores que se pudessem tecer à Elisabete não eram suficientes: doce e afável, simpática e prestável, caridosa e responsável, e demais qualidade saudável. Foi cumprimentar a mãe ao céu com apenas 15 anos, por conta de uma meningite galopante que lhe roubou a vida em menos de 24 horas. Ficou gémea única a sempre mal humorada e bruta como as casas Helena.
Foi aos 18 anos que a Helena renunciou voluntariamente ao conforto familiar e galgou a pátria fronteira a caminho do mundo grande pelo qual desejava ser deslumbrada. Ao atravessar essa linha fronteiriça que a separava do futuro, soltou um suspiro de alívio que marcou bem fundo o carácter de independência que imprimiria a partir dali a sua vida.
A Helena passou a envergar apenas trajes masculinos e a usar o volumoso cabelo sempre apanhado e escondido por baixo de um chapéu de abas largas. Assim disfarçada, começou a segunda parte da sua existência: toda essa uma série de talvez imerecidos desaires morais e materiais.
É quase impossível seguir a par e passo a marcha aventurosa da aventureira Helena, mas sabe-se que, apesar de poderosa e inteligente, não mais teve uma atitude bonita, um gesto gracioso ou uma frase que mereça ser fixada pela injusta severidade da História. Adoptou um perfil bastante arrogante, que a sua voz máscula hiperbolizava, maneiras grosseiras e uma franqueza demasiado espontânea pontuada por um excesso de familiaridade.
Depois foi a marcha vertiginosa para uma velhice ruinosa que teve de enfrentar sozinha, pois não lhe sobrou qualquer amigo ou amante. Uma velha e solitária Helena viveu então amargas horas de ambição insatisfeita e arrependimento até se finar nuns mirrados e engelhados 92 anos.
- Deus leva os bons e os maus aqui ficam
As meninas cresceram iguais de feições, mas com personalidades diametralmente opostas. Todos os louvores que se pudessem tecer à Elisabete não eram suficientes: doce e afável, simpática e prestável, caridosa e responsável, e demais qualidade saudável. Foi cumprimentar a mãe ao céu com apenas 15 anos, por conta de uma meningite galopante que lhe roubou a vida em menos de 24 horas. Ficou gémea única a sempre mal humorada e bruta como as casas Helena.
Foi aos 18 anos que a Helena renunciou voluntariamente ao conforto familiar e galgou a pátria fronteira a caminho do mundo grande pelo qual desejava ser deslumbrada. Ao atravessar essa linha fronteiriça que a separava do futuro, soltou um suspiro de alívio que marcou bem fundo o carácter de independência que imprimiria a partir dali a sua vida.
A Helena passou a envergar apenas trajes masculinos e a usar o volumoso cabelo sempre apanhado e escondido por baixo de um chapéu de abas largas. Assim disfarçada, começou a segunda parte da sua existência: toda essa uma série de talvez imerecidos desaires morais e materiais.
É quase impossível seguir a par e passo a marcha aventurosa da aventureira Helena, mas sabe-se que, apesar de poderosa e inteligente, não mais teve uma atitude bonita, um gesto gracioso ou uma frase que mereça ser fixada pela injusta severidade da História. Adoptou um perfil bastante arrogante, que a sua voz máscula hiperbolizava, maneiras grosseiras e uma franqueza demasiado espontânea pontuada por um excesso de familiaridade.
Depois foi a marcha vertiginosa para uma velhice ruinosa que teve de enfrentar sozinha, pois não lhe sobrou qualquer amigo ou amante. Uma velha e solitária Helena viveu então amargas horas de ambição insatisfeita e arrependimento até se finar nuns mirrados e engelhados 92 anos.
- Deus leva os bons e os maus aqui ficam
Proverbio provado rimado - CCCVI
Lá na vila só a padaria
Pertencia à Ana Maria
A farinha era amassada
Por essa dona afadigada
Punha-lhe logo o fermento
Para o pão ter mais sustento
E depois acendia o forno
Para poder vender o pão morno
Mas a patroa tinha queda
Para querer muito justa a moeda
Então nunca fiado vendia
Não perdoava a Ana Maria
Conseguia ser muito chatinha
Pois tanto trabalho ela tinha
Assim os negócios não se estragam
Se cá se fazem cá se pagam
Pertencia à Ana Maria
A farinha era amassada
Por essa dona afadigada
Punha-lhe logo o fermento
Para o pão ter mais sustento
E depois acendia o forno
Para poder vender o pão morno
Mas a patroa tinha queda
Para querer muito justa a moeda
Então nunca fiado vendia
Não perdoava a Ana Maria
Conseguia ser muito chatinha
Pois tanto trabalho ela tinha
Assim os negócios não se estragam
Se cá se fazem cá se pagam
Provérbio provado rimado - CCCV
Não chateies o Joaquim
É teimoso até ao fim
Fica fulo e até o pé bate
Cora muito e fica escarlate
E quando o Quim está zangado
Não faz a barba em qualquer lado
Se ele for fazê-la a Cacilhas
Sabes que deves pôr-te a milhas
É teimoso até ao fim
Fica fulo e até o pé bate
Cora muito e fica escarlate
E quando o Quim está zangado
Não faz a barba em qualquer lado
Se ele for fazê-la a Cacilhas
Sabes que deves pôr-te a milhas
Provérbio provado rimado - CCCIV
A querida da Emília Santos
Não fica a preguiçar pelos cantos
Lança logo ao trabalho a mão
Põe os tachos em cima do fogão
Faz o belo bacalhau com natas
Que é assado por baixo de pratas
E prepara a carne num rolo
Ao mesmo tempo faz um bolo
Bem cozido que sabe a laranja
Depena a galinha para a canja
Sempre simpática a Emília
Faz refeições para toda a família
Que depois de comer a premeia
Por ser cozinheira de mão cheia
Provérbio provado num verso branco - XXI
A rainha da noite traz o rei na barriga
Vai pari-lo na rua escura da cidade cinzenta
Todos dirão que vai nú
A fralda do rei é o vento
Vai ser mal criado perto do rio que passa
Malcriado para quem passa no leito do rio
Esfomeado e febril de vida
A rainha mãe tem sede e rouba gotas ao rio
Não há pai para ela
Tão pouco há pai para o filho rei
Com os braços abertos sobre o rio
Morre solteira e a culpa é do outro
Terceiro braço que não teve
As mais altas pontes vigiam as águas
O rei orfão tem o barco mas já não tem a fralda do vento
Cresce de vez quando descobre a flor preta
Assiste do alto das pontes à cidade cinzenta
Quarta feira de cinzas eternas
Já não vai nú o rei
Os fatos feitos de ar ninguém os quis comprar
O rei abre as portas interiores
Quando se quer lembrar da vida na barriga
No princípio a meio do fim
Galga os degraus dois a dois
Come degraus para chegar lá acima ao inferno
Vê a vida a dar um passo atrás
Para logo descer e dar dois à frente
O rei quer sentir a queda do verso
Branco que lhe causa desconforto
Um arrepio percorre a espinha da cidade cinzenta
O rei reina sobre a própria morte
Vai pari-lo na rua escura da cidade cinzenta
Todos dirão que vai nú
A fralda do rei é o vento
Vai ser mal criado perto do rio que passa
Malcriado para quem passa no leito do rio
Esfomeado e febril de vida
A rainha mãe tem sede e rouba gotas ao rio
Não há pai para ela
Tão pouco há pai para o filho rei
Com os braços abertos sobre o rio
Morre solteira e a culpa é do outro
Terceiro braço que não teve
As mais altas pontes vigiam as águas
O rei orfão tem o barco mas já não tem a fralda do vento
Cresce de vez quando descobre a flor preta
Assiste do alto das pontes à cidade cinzenta
Quarta feira de cinzas eternas
Já não vai nú o rei
Os fatos feitos de ar ninguém os quis comprar
O rei abre as portas interiores
Quando se quer lembrar da vida na barriga
No princípio a meio do fim
Galga os degraus dois a dois
Come degraus para chegar lá acima ao inferno
Vê a vida a dar um passo atrás
Para logo descer e dar dois à frente
O rei quer sentir a queda do verso
Branco que lhe causa desconforto
Um arrepio percorre a espinha da cidade cinzenta
O rei reina sobre a própria morte
quarta-feira, 17 de janeiro de 2018
Provérbio provado do soldado marchado
A chuva caía fortemente e batia rija na calçada naquela manhã invernosa em que as meninas da primária, quarta classe à beira do exame, vieram espreitar ao recreio, timoratas e curiosas, o bando de militares acabadinhos de regressar do Ultramar no navio ainda agora aportado às Docas. Seriam, grosso modo, para cima de mil e quinhentos que chegavam exaustos e embriagados, bivaque à banda e farda amarrotada, com pinta de maltrapilhos, mas na infinita excitação que transporta quem regressa da morte ainda respirando. As meninas do recreio traziam bibes às riscas e grandes laços brancos enfeitando puxinhos de cabelo e, nessa manhã, esqueceram-se de saltar à corda, fascinadas pela turba de soldados que já dispersavam em mais pequenos grupos por ruas secundárias.
As meninas não eram assim tão pequeninas que não soubessem o que era a guerra: sobre ela se divagava em voz baixa lá por casa e arredores, havia sempre um tio mais desbocado ou uma vizinha mais contadeira. E, claro, os jornais. Mas nesses a arremetida colonialista era relatada combinando patrióticas elucubrações, louvores à valentia dos combatentes que só sabiam somar vitórias - nunca uma derrota, nem uminha que fosse! - e loas ao brioso Chefe de Estado, que por hora ainda não sornara na famosa cadeira donde se estatelaria fatidicamente.
Algumas das meninas já eram espigadotas, com maminhas nascendo apertadas nas blusas por debaixo do bibe, e humedeciam os lábios à mistura com um suspiro engolido, sonhando com o dia em que esbarrariam numa esquina com um daqueles garbosos mancebos - bem fardado e engomado, penteado e de banho tomado -, que se apaixonaria irremediavelmente assim que algum daqueles olhos, ainda infantis mas doravante senhoris, topasse.
- Soldado em marcha pega no que acha
As meninas não eram assim tão pequeninas que não soubessem o que era a guerra: sobre ela se divagava em voz baixa lá por casa e arredores, havia sempre um tio mais desbocado ou uma vizinha mais contadeira. E, claro, os jornais. Mas nesses a arremetida colonialista era relatada combinando patrióticas elucubrações, louvores à valentia dos combatentes que só sabiam somar vitórias - nunca uma derrota, nem uminha que fosse! - e loas ao brioso Chefe de Estado, que por hora ainda não sornara na famosa cadeira donde se estatelaria fatidicamente.
Algumas das meninas já eram espigadotas, com maminhas nascendo apertadas nas blusas por debaixo do bibe, e humedeciam os lábios à mistura com um suspiro engolido, sonhando com o dia em que esbarrariam numa esquina com um daqueles garbosos mancebos - bem fardado e engomado, penteado e de banho tomado -, que se apaixonaria irremediavelmente assim que algum daqueles olhos, ainda infantis mas doravante senhoris, topasse.
- Soldado em marcha pega no que acha
Provérbio provado com final feliz
Depois de ter terminado o curso neste rectângulo à beira mar mal plantado, o Bruno inscreveu-se no programa Erasmus e resolveu rumar a terras de Sua Majestade. Por lá permaneceu largos anos, completando o doutoramento em Neurociências, até queimar todas as pestanas. Um belo dia, bateu-lhe uma tal saudade da lusa pátria que decidiu então regressar de vez. Tinha assegurado basto prestígio com as suas doutas investigações, por isso, mal concorreu, logo recebeu a almejada bolsa que lhe permitiria por cá ficar uns anitos. Então, o Bruno teve a bendita ideia de reunir todas as amigas e amigos da sua juventude num grande jantar de convívio que celebrasse o seu retorno a esta nesga de terra debruada de mar. E é aqui que verdadeiramente começa a nossa história...
O repasto deu-se numa fria noite de Janeiro, numa hamburgueria gourmet que o Bruno reservara para o efeito. Tinha um enorme salão onde se puderam acotovelar os 46 comensais (aliás, 44, pois à última hora o Rui e a mulher tinham os miúdos com febre). O Bruno afadigava-se a dar coordenadas pelo telefone aos retardatários, a lamentar os ausentes e a sentar os presentes fazendo as devidas apresentações, já que destes alguns não se conheciam entre si. E é aqui afinal que verdadeiramente começa a nossa história...
A Marta chegou atrasada porque ao Sábado à noite era difícil estacionar naquela zona. O João chegou atrasado porque ao Sábado à noite havia menos carruagens de Metro a circular. Ambos telefonaram ao Bruno informando-o do atraso e quando chegaram, praticamente ao mesmo tempo, acabaram por ficar sentados lado a lado nas duas cadeiras remanescentes (aquelas que estavam guardadas para o Rui e a mulher). Pediram o mesmo hamburguer de cogumelos, a mesma marca de cerveja e o mesmo quindim de côco para sobremesa. Descobriram, já a conversa ia solta, que até habitavam no mesmo bairro, a apenas duas ruas de distância, sem contudo nunca se terem cruzado. Quando o Bruno enfim percebeu que naquele canto da mesa corrida tinha falhado como anfitrião, já não era necessária apresentação: a Marta e o João trocavam números de telefone rindo a bom rir. Tantas coincidências, tantas coisas em comum; aquela já parecia uma relação escrita nas estrelas com tudinho para resultar! Pois, mas havia um pormenor que nem por sombras tinham em comum: a faixa etária. O João tinha mais dezassete anos do que a Marta e a sua filha mais velha distava desta menos anos do que o putativo casalinho entre si. Dezassete anos é muita fruta! Seria o interesse mútuo suficiente para o entendimento ou, pelo contrário, a diferença de idades ditaria um afastamento? Já lá vamos, não é aqui que verdadeiramente termina a nossa história...
Passados uns meses, numa quente noite de Verão, o Bruno entrincheirara-se de novo na portuguesa pachorra e conduzia o carro pelo tráfego caótico de Lisboa em direcção à casa do João que o tinha convidado para jantar. Qual não foi a sua surpresa quando, uma vez lá chegado, se deparou com uma Marta de calções e chinelo no pé alapada no sofá com ares de proprietária. E é aqui afinal que verdadeiramente termina a nossa história... E termina como é habitual com um ditote proverbial:
- O amor não escolhe idades
O repasto deu-se numa fria noite de Janeiro, numa hamburgueria gourmet que o Bruno reservara para o efeito. Tinha um enorme salão onde se puderam acotovelar os 46 comensais (aliás, 44, pois à última hora o Rui e a mulher tinham os miúdos com febre). O Bruno afadigava-se a dar coordenadas pelo telefone aos retardatários, a lamentar os ausentes e a sentar os presentes fazendo as devidas apresentações, já que destes alguns não se conheciam entre si. E é aqui afinal que verdadeiramente começa a nossa história...
A Marta chegou atrasada porque ao Sábado à noite era difícil estacionar naquela zona. O João chegou atrasado porque ao Sábado à noite havia menos carruagens de Metro a circular. Ambos telefonaram ao Bruno informando-o do atraso e quando chegaram, praticamente ao mesmo tempo, acabaram por ficar sentados lado a lado nas duas cadeiras remanescentes (aquelas que estavam guardadas para o Rui e a mulher). Pediram o mesmo hamburguer de cogumelos, a mesma marca de cerveja e o mesmo quindim de côco para sobremesa. Descobriram, já a conversa ia solta, que até habitavam no mesmo bairro, a apenas duas ruas de distância, sem contudo nunca se terem cruzado. Quando o Bruno enfim percebeu que naquele canto da mesa corrida tinha falhado como anfitrião, já não era necessária apresentação: a Marta e o João trocavam números de telefone rindo a bom rir. Tantas coincidências, tantas coisas em comum; aquela já parecia uma relação escrita nas estrelas com tudinho para resultar! Pois, mas havia um pormenor que nem por sombras tinham em comum: a faixa etária. O João tinha mais dezassete anos do que a Marta e a sua filha mais velha distava desta menos anos do que o putativo casalinho entre si. Dezassete anos é muita fruta! Seria o interesse mútuo suficiente para o entendimento ou, pelo contrário, a diferença de idades ditaria um afastamento? Já lá vamos, não é aqui que verdadeiramente termina a nossa história...
Passados uns meses, numa quente noite de Verão, o Bruno entrincheirara-se de novo na portuguesa pachorra e conduzia o carro pelo tráfego caótico de Lisboa em direcção à casa do João que o tinha convidado para jantar. Qual não foi a sua surpresa quando, uma vez lá chegado, se deparou com uma Marta de calções e chinelo no pé alapada no sofá com ares de proprietária. E é aqui afinal que verdadeiramente termina a nossa história... E termina como é habitual com um ditote proverbial:
- O amor não escolhe idades
terça-feira, 16 de janeiro de 2018
Provérbio provado rimado - CCCIII
É bem sabidona a Rita
Pois se se vê muito aflita
Dá-me logo o trabalho pior
E guarda para ela o melhor
Para assim falar a verdade
Isto é a pura realidade
Fala de desafios concretos
Mas o mundo é dos espertos
E lá nesse mundinho dela
A vida há-de sorrir para ela
É mais esperta que os demais
Filhos de outras mães e dos pais
Com este tipo de gentinha
É mais difícil a vidinha
Com a Rita já é garantida
No trabalho a tarde perdida
Que eu sei pôr o peixe a render
De mim só isso tens a temer
Não és só tu que fazes ronha
Já merecias sopapo na fronha
Pois se se vê muito aflita
Dá-me logo o trabalho pior
E guarda para ela o melhor
Para assim falar a verdade
Isto é a pura realidade
Fala de desafios concretos
Mas o mundo é dos espertos
E lá nesse mundinho dela
A vida há-de sorrir para ela
É mais esperta que os demais
Filhos de outras mães e dos pais
Com este tipo de gentinha
É mais difícil a vidinha
Com a Rita já é garantida
No trabalho a tarde perdida
Que eu sei pôr o peixe a render
De mim só isso tens a temer
Não és só tu que fazes ronha
Já merecias sopapo na fronha
Provérbio provado rimado - CCCII
Ó Alice olha que isto não é
Como o teu País das maravilhas
Temos pena ah pois é bebé
O que há são danças de quadrilhas
Se disseram que era um ballet
Enganaram-te deram-te tanga
Foi coisa de gente de má fé
Tu vê lá arregaça essa manga
Já viste que não há cafuné
É mais certo um chuto no cú
Dado com força pelo pé
De um maestro que dirige nú
Com sapato que cheira a chulé
A orquestra está doida pudera
Nem faz pausa para um café
Pois o maestro fica uma fera
Mais te digo o que melhor é
Esconde-te na toca do coelho
Ou talvez fosse a chaminé
De um rei de copas muito velho?
Isto não tem cabeça nem pé
E as rimas aqui já repito
Só cá falta o preto da Guiné
Para ser um sarilho bonito
Afinal qual era a expressão
Que eu queria aqui provar?
Ah já sei era a manga na mão
Arregaça-a e põe-te a andar
Como o teu País das maravilhas
Temos pena ah pois é bebé
O que há são danças de quadrilhas
Se disseram que era um ballet
Enganaram-te deram-te tanga
Foi coisa de gente de má fé
Tu vê lá arregaça essa manga
Já viste que não há cafuné
É mais certo um chuto no cú
Dado com força pelo pé
De um maestro que dirige nú
Com sapato que cheira a chulé
A orquestra está doida pudera
Nem faz pausa para um café
Pois o maestro fica uma fera
Mais te digo o que melhor é
Esconde-te na toca do coelho
Ou talvez fosse a chaminé
De um rei de copas muito velho?
Isto não tem cabeça nem pé
E as rimas aqui já repito
Só cá falta o preto da Guiné
Para ser um sarilho bonito
Afinal qual era a expressão
Que eu queria aqui provar?
Ah já sei era a manga na mão
Arregaça-a e põe-te a andar
Provérbio provado rimado - CCCI
Se já não quer vender mais fiado
Mas quer escrever correctamente
Aproveite e fixe com cuidado
Não faça figura de demente
Para falar bom português
Se não quer perder fale em perda
Aproveite e fixe de vez
Ou então está a dizer merda
Embora à última hora
De aprender não se queixe
Aproveite e fixe agora
A perca é apenas um peixe
Mas quer escrever correctamente
Aproveite e fixe com cuidado
Não faça figura de demente
Para falar bom português
Se não quer perder fale em perda
Aproveite e fixe de vez
Ou então está a dizer merda
Embora à última hora
De aprender não se queixe
Aproveite e fixe agora
A perca é apenas um peixe
Provérbio provado rimado - CCC
Esta rima número trezentos
Produz-me mistos sentimentos
Por um lado estou muito contente
Mas por outro não sei se aguente
Pois é tamanha a produção
Que já não tenho mais refrão
Mas em arquivo há tantas imagens
São mais de seiscentas viagens
Qualquer dia rimas já são mil
Vai ser até eu esticar o pernil
Parece que quem rima sem querer
É também amado sem saber
Essa é uma notícia boa
Que o coração desabotoa
Só de ouvi-la começa a bater
E assim continuo a escrever
Produz-me mistos sentimentos
Por um lado estou muito contente
Mas por outro não sei se aguente
Pois é tamanha a produção
Que já não tenho mais refrão
Mas em arquivo há tantas imagens
São mais de seiscentas viagens
Qualquer dia rimas já são mil
Vai ser até eu esticar o pernil
Parece que quem rima sem querer
É também amado sem saber
Essa é uma notícia boa
Que o coração desabotoa
Só de ouvi-la começa a bater
E assim continuo a escrever
Provérbio provado rimado - CCXCIX
O belo reverso da medalha
De vez em quando lá calha
Nem tudo corre como desejado
Reconsiderar é bem lixado
A vida é cheia de surpresas
Traz consigo difíceis empresas
Mas um sujeito até se esforça
E o que tem de ser tem muita força
De vez em quando lá calha
Nem tudo corre como desejado
Reconsiderar é bem lixado
A vida é cheia de surpresas
Traz consigo difíceis empresas
Mas um sujeito até se esforça
E o que tem de ser tem muita força
Provérbio provado rimado - CCXCVIII
O deputado tem bom emprego
Sabe virar o bico ao prego
Quando há moção de censura
Tanto concorda que até jura
Mas se a coisa não vai de feição
Levantou-a porém baixa a mão
Diz lá ter seus justos princípios
Atender interesses dos municípios
O quer é contentar empreiteiros
Advogados e alguns engenheiros
Já vê no cú da galinha o ovo
Anda mas é a brincar com o povo
Sabe virar o bico ao prego
Quando há moção de censura
Tanto concorda que até jura
Mas se a coisa não vai de feição
Levantou-a porém baixa a mão
Diz lá ter seus justos princípios
Atender interesses dos municípios
O quer é contentar empreiteiros
Advogados e alguns engenheiros
Já vê no cú da galinha o ovo
Anda mas é a brincar com o povo
Provérbio provado rimado - CCXCVII
Tanto peca quem vai à horta
Como aquele que fica à porta
Quem rouba só uma alface
É como se o canteiro roubasse
O amigo que está de vigia
Some-se como se por magia
Se tem medo de ser apanhado
Pela polícia aprisionado
Dá-lhe o nervoso miudinho
E a ressaca do copo de vinho
Assim deita tudo a perder
A salada não chega a fazer
Quando foge e o outro deixa
Vai o dono e apresenta queixa
E os dois apanham uma coça
Por meterem a pata na poça
Uma alface não dá para prisão
Mesmo assim chama-se ladrão
A quem o que não é seu cobiça
Pois de cultivar tem preguiça
Provérbio provado nada endividado
O André era a animação em pessoa e considerado o rei da festa, mesmo se não havia uma; para ele era a própria da vida uma festa! Muito criativo e expressivo, todas estas qualidades tornavam-no num indivíduo especialmente popular. O André sabia que caía facilmente no goto dos demais, por isso nunca se poupava a mais uma graçola, devidamente acompanhada pelo seu belo sorriso aberto de par em par: a popularidade assentava-lhe como uma luva, dava gosto só de ver! Os raros gregos e troianos para quem não caía imediatamente nas boas graças tomavam-no por um fulano leviano e algo irresponsável, mas era uma questão de poucas horas, vá, dias, para a ele se renderem e o reconhecerem mais que não fosse prestável. E era-o: o André atendia a todas as necessidades que podia de forma afável e o mais justa possível.
Havia também outra coisa pela qual o André era bastamente louvado: era o chamado homem de boas contas. O que ele detestava pedir emprestado! Mas a quem às vezes não faltam uns vinte cêntimos para o café?, quem não se depara de má cara com o Multibanco fora de serviço?, essas coisas acontecem até aos que descendem das melhores famílias, caramba! Mas ao André não, estava fora de questão! O André preferia até não beber o tal café e passar o dia ensonado, a ter de contraír uma dívida nem que fosse de um reles cêntimo. Talvez um exagero, uma picuinhice... Mas assim estava sempre de consciência tranquila e podia andar pela rua de costas direitas, esbanjando o seu largo sorriso, o que só o fazia ser mais apreciado ainda.
- Quem dívidas não tem, com a sua consciência está bem
Havia também outra coisa pela qual o André era bastamente louvado: era o chamado homem de boas contas. O que ele detestava pedir emprestado! Mas a quem às vezes não faltam uns vinte cêntimos para o café?, quem não se depara de má cara com o Multibanco fora de serviço?, essas coisas acontecem até aos que descendem das melhores famílias, caramba! Mas ao André não, estava fora de questão! O André preferia até não beber o tal café e passar o dia ensonado, a ter de contraír uma dívida nem que fosse de um reles cêntimo. Talvez um exagero, uma picuinhice... Mas assim estava sempre de consciência tranquila e podia andar pela rua de costas direitas, esbanjando o seu largo sorriso, o que só o fazia ser mais apreciado ainda.
- Quem dívidas não tem, com a sua consciência está bem
Provérbio provado rimado - CCXCVI
Se o paleio não me interessa
E não vale prata nem bronze
Faço orelhas moucas à conversa
Digo sim sim amanhã às onze
Esta frase aprendi-a no Porto
Pode utilizar-se sem cuidado
É melhor do que responder torto
Se não vale um tostão furado
O diálogo com que me premeiam
É enfadonho e é uma seca
Digo isto e não mais me chateiam
Ficam a falar para a cueca
E não vale prata nem bronze
Faço orelhas moucas à conversa
Digo sim sim amanhã às onze
Esta frase aprendi-a no Porto
Pode utilizar-se sem cuidado
É melhor do que responder torto
Se não vale um tostão furado
O diálogo com que me premeiam
É enfadonho e é uma seca
Digo isto e não mais me chateiam
Ficam a falar para a cueca
Provérbio provado rimado - CCXCV
Chega o fim do mês e não lhe pego
Nem dá p'ra mandar cantar um cego
Pois dinheiro de pobre é sabão
Quando pega escorrega da mão
Nem dá p'ra mandar cantar um cego
Pois dinheiro de pobre é sabão
Quando pega escorrega da mão
Provérbio provado rimado - CCXCIV
Era uma vez blá blá blá
Assim começa a cantilena
Se na cuca ideia não há
Eu já finjo que tenho um tema
E então venho aqui contar
Dum amor que está a nascer
Para logo depois se finar
É o que sói acontecer
Apresento-me de peito aberto
E costumo abri-lo às balas
Não é de admirar decerto
Que às paixões queira matá-las
Neste rame rame infinito
Não aprendo a ser cuidadosa
Assim faço um verso bonito
Ou até uma mais longa prosa
Afinal não é assim tão mau
O fim chega e traz a tristeza
Mas depois vem novo marau
Somo e sigo que é uma beleza
Assim começa a cantilena
Se na cuca ideia não há
Eu já finjo que tenho um tema
E então venho aqui contar
Dum amor que está a nascer
Para logo depois se finar
É o que sói acontecer
Apresento-me de peito aberto
E costumo abri-lo às balas
Não é de admirar decerto
Que às paixões queira matá-las
Neste rame rame infinito
Não aprendo a ser cuidadosa
Assim faço um verso bonito
Ou até uma mais longa prosa
Afinal não é assim tão mau
O fim chega e traz a tristeza
Mas depois vem novo marau
Somo e sigo que é uma beleza
Provérbio provado rimado - CCXCIII
Esta casinha é bem bucólica
Tranquila e bastante campestre
Mas tem antena parabólica
Para não dar o peido mestre
Às vezes a história que conta
É tão agitada e citadina
A casa tem também rima tonta
Para o menino e para a menina
Resumindo é bem variada
Termina sempre com moral
Mas deixa a gente embasbacada
Por não ser moralista afinal
Tranquila e bastante campestre
Mas tem antena parabólica
Para não dar o peido mestre
Às vezes a história que conta
É tão agitada e citadina
A casa tem também rima tonta
Para o menino e para a menina
Resumindo é bem variada
Termina sempre com moral
Mas deixa a gente embasbacada
Por não ser moralista afinal
Provérbio provado rimado - CCXCII
É certo que nas árvores não nasce
Era bom que surgisse o dinheiro
Semente que à terra se lançasse
Assim faríamos o dia inteiro
E então logo que se plantasse
Cada um de nós o jardineiro
Dessa árvore somente cuidasse
Encheria um belo mealheiro
Das patacas ela se chamasse
Árvore de inebriante cheiro
Um maná docinho lembrasse
Para sempre fiel companheiro
Era bom que surgisse o dinheiro
Semente que à terra se lançasse
Assim faríamos o dia inteiro
E então logo que se plantasse
Cada um de nós o jardineiro
Dessa árvore somente cuidasse
Encheria um belo mealheiro
Das patacas ela se chamasse
Árvore de inebriante cheiro
Um maná docinho lembrasse
Para sempre fiel companheiro
segunda-feira, 15 de janeiro de 2018
Provérbio provado num verso branco - XX
Prova oral
Que porra de vida!
Bem vivida?
Mal vivida?
Porque só há faltas,
Falhas e manchas,
Pontos de interrogação?
Onde se esconderam a harmonia,
A felicidade, a serenidade?
Existem ou são só palavras bonitinhas no dicionário?
Quem avalia?
O professor corrige a vermelho
O médico passa a receita
O padre aconselha a penitência
Afinal ninguém é bom juiz em causa própria
Afinal são o excesso e o erro
Que conduzem à excelência
Que porra de vida!
Bem vivida?
Mal vivida?
Porque só há faltas,
Falhas e manchas,
Pontos de interrogação?
Onde se esconderam a harmonia,
A felicidade, a serenidade?
Existem ou são só palavras bonitinhas no dicionário?
Quem avalia?
O professor corrige a vermelho
O médico passa a receita
O padre aconselha a penitência
Afinal ninguém é bom juiz em causa própria
Afinal são o excesso e o erro
Que conduzem à excelência
Provérbio provado rimado - CCXCI
Gostava que o inconsciente
Fosse só mais consciente
Para não lhe chamar destino
Nesta vida que é um desatino
Gostava de ser mais constante
E não somente vibrante
Não andar aos altos e baixos
Nem ter dias cabisbaixos
Gostava de ser outra pessoa
Às vezes não andar à toa
Mas só sei ser imperfeita
E estar sempre insatisfeita
Provérbio provado sem namorado
Tenho feito de tudo para engordar, mas o médico disse-me que sou mesmo assim magra de nascença, a minha constituição óssea é fininha. Se eu casar talvez mude... Dizem que o casamento engorda: deve ser porque as pessoas ficam mais calmas, enfim descansadas por já não irem passar a vida sozinhas sem descendência.
Ai, se eu casar... Tenho sonhado muito com o dia do meu casamento e com o meu vestido. Nem é preciso que tenha uma causa de vários metros, só quero mesmo é mostrar à minha família lá da terra, e também às minhas colegas de trabalho desta terra onde agora habito, que a grinalda não me há-de cair da cabeça: só as mulheres que já não são virgens é que se arriscam a dar barraca na hora do casamento, isto é o que dizem, se é ou não verdade não sei.
Das minhas colegas solteiras, só a Maria Inês é que já não está imaculada, por assim dizer. Às vezes almoçamos juntas, e numa dessas refeições ela contou-me que já não é virgem, mais acrescentando que não tem vergonha de se ter entregado ao namorado. É por isso que deixou de se confessar ao padre e não se vestirá de branco quando casar. Ela tem esperança que o rapaz lhe peça a mão, normalmente os polícias gostam de constituir família cedo por quererem apoio numa vida tão difícil.
A Maria Inês contou-me como foi a sua primeira vez, e disse que uma mulher que só dorme com o homem no dia em que casa vai achar aquilo muito mau ao princípio:
- Não é natural, sabes Joana? Aquela história toda da noite de núpcias, com tudo preparadinho para ser naquele dia, dá um medo danado! Muitas noivas só tremem como varas verdes, nem chegam a conseguir fazer nada de nada... Pois eu cá dormi com o Manuel, sim senhora! Gosto muito dele e desejava pertencer-lhe com todo o meu ser.
Percebo a Maria Inês, mas não teria coragem; aliás, nem acho que seja correcto ir assim contra as leis de Deus: sou católica e ir virgem para o casamento é uma tradição da Igreja. E além disso, o que diriam o meu pai e a minha mãe?, para já não falar dos familiares e amigos lá da terra? Meu Deus, nem quero pensar nisso!
Eu não tenho ainda namorado, mas calculo que seria uma situação deveras confortável: eu entregar-me-ia e ele, em vez de passar a gostar mais de mim, passaria a aproveitar-se à grande e não quereria sequer pensar em casar-se comigo... E eu quero casar, pois então!, que apesar de franzina até sou engraçadinha! E porque uma mulher casada engorda facilmente: fica mais calma por não ir pastar eternamente na paisagem da tia solteirona. Logo eu que nem tenho sobrinhos...
- Casarás, amansarás
Ai, se eu casar... Tenho sonhado muito com o dia do meu casamento e com o meu vestido. Nem é preciso que tenha uma causa de vários metros, só quero mesmo é mostrar à minha família lá da terra, e também às minhas colegas de trabalho desta terra onde agora habito, que a grinalda não me há-de cair da cabeça: só as mulheres que já não são virgens é que se arriscam a dar barraca na hora do casamento, isto é o que dizem, se é ou não verdade não sei.
Das minhas colegas solteiras, só a Maria Inês é que já não está imaculada, por assim dizer. Às vezes almoçamos juntas, e numa dessas refeições ela contou-me que já não é virgem, mais acrescentando que não tem vergonha de se ter entregado ao namorado. É por isso que deixou de se confessar ao padre e não se vestirá de branco quando casar. Ela tem esperança que o rapaz lhe peça a mão, normalmente os polícias gostam de constituir família cedo por quererem apoio numa vida tão difícil.
A Maria Inês contou-me como foi a sua primeira vez, e disse que uma mulher que só dorme com o homem no dia em que casa vai achar aquilo muito mau ao princípio:
- Não é natural, sabes Joana? Aquela história toda da noite de núpcias, com tudo preparadinho para ser naquele dia, dá um medo danado! Muitas noivas só tremem como varas verdes, nem chegam a conseguir fazer nada de nada... Pois eu cá dormi com o Manuel, sim senhora! Gosto muito dele e desejava pertencer-lhe com todo o meu ser.
Percebo a Maria Inês, mas não teria coragem; aliás, nem acho que seja correcto ir assim contra as leis de Deus: sou católica e ir virgem para o casamento é uma tradição da Igreja. E além disso, o que diriam o meu pai e a minha mãe?, para já não falar dos familiares e amigos lá da terra? Meu Deus, nem quero pensar nisso!
Eu não tenho ainda namorado, mas calculo que seria uma situação deveras confortável: eu entregar-me-ia e ele, em vez de passar a gostar mais de mim, passaria a aproveitar-se à grande e não quereria sequer pensar em casar-se comigo... E eu quero casar, pois então!, que apesar de franzina até sou engraçadinha! E porque uma mulher casada engorda facilmente: fica mais calma por não ir pastar eternamente na paisagem da tia solteirona. Logo eu que nem tenho sobrinhos...
- Casarás, amansarás
Provérbio provado rimado - CCXC
A Mariana é esquecida
Parece que nem vive cá
Passa o dia distraída
Atenção nela não há
Às vezes digo-lhe essa
Expressão tão engraçada
Só não te esqueces da cabeça
Porque ao corpo está agarrada
Parece que nem vive cá
Passa o dia distraída
Atenção nela não há
Às vezes digo-lhe essa
Expressão tão engraçada
Só não te esqueces da cabeça
Porque ao corpo está agarrada
domingo, 14 de janeiro de 2018
Provérbio provado desenrascado
De vez em quando tinha de ir à fábrica. Ia lá como advogado, não como filho do patrão. Era o meu pai que me pedia: Podes passar cá hoje? Já sabes que não consigo chegar à fala com esta gente, uns mal agradecidos!, enervo-me com tanta exigência e não posso perder as estribeiras nem a razão. Eu dizia-lhe sempre que sim para colmatar o desgosto por não lhe ter seguido as pisadas: não quis ser engenheiro, optei pela advocacia, e essa foi e será uma espinha atravessada na garganta do meu velho pai.
Foi assim que conheci o Timóteo; ele era o delegado sindical. Era um tipo rijo a negociar, mas ao mesmo tempo bonacheirão. Quando terminava a nunca breve conversa, dava-me duas palmadinhas nas costas e convidava-me para uma cerveja. Eu contudo recusava: Não, Timóteo, obrigado, não bebo nas horas de serviço, mas aceito um café... - repetia-lhe pela enésima vez.
Com o tempo a confiança foi-se estreitando e o Timóteo expandindo-se nas confidências. Nesses fins de tarde ele bebia não uma, mas duas ou três cervejas, e ficava com a língua solta. Já divorciado duas vezes, não punha de lado a hipótese de se divorviar de novo, pois não rejeitava a ideia de voltar a casar. O que o Timóteo era era um grande pinga amor: tinha duas namoradas que não sabiam uma da outra e uma terceira que sabia das duas mas não se importava. Assim sendo, não deixava passar uma oportunidade de fazer "o amor". Dizia-se abonado no membro e muito trabalhador na cama, sendo o seu principal objectivo a satisfação mútua: dele e das suas três mulheres, uma de cada vez, bem entendido. O Timóteo estava convencido que lhes proporcionava momentos memoráveis com o seu desempenho, caso contrário já o teriam deixado porque não era rico nem particularmente bonito. Por isso, resumia-me assim a sua máxima de vida: Ouve o que te digo, meu rapaz! O sexo que não fizeres hoje, não é um sexo adiado, é um sexo perdido! E ainda te digo mais, nunca negues uma segunda volta... Isto com as mulheres não é de fiar e
- Quem vai ao mar perde o lugar
Foi assim que conheci o Timóteo; ele era o delegado sindical. Era um tipo rijo a negociar, mas ao mesmo tempo bonacheirão. Quando terminava a nunca breve conversa, dava-me duas palmadinhas nas costas e convidava-me para uma cerveja. Eu contudo recusava: Não, Timóteo, obrigado, não bebo nas horas de serviço, mas aceito um café... - repetia-lhe pela enésima vez.
Com o tempo a confiança foi-se estreitando e o Timóteo expandindo-se nas confidências. Nesses fins de tarde ele bebia não uma, mas duas ou três cervejas, e ficava com a língua solta. Já divorciado duas vezes, não punha de lado a hipótese de se divorviar de novo, pois não rejeitava a ideia de voltar a casar. O que o Timóteo era era um grande pinga amor: tinha duas namoradas que não sabiam uma da outra e uma terceira que sabia das duas mas não se importava. Assim sendo, não deixava passar uma oportunidade de fazer "o amor". Dizia-se abonado no membro e muito trabalhador na cama, sendo o seu principal objectivo a satisfação mútua: dele e das suas três mulheres, uma de cada vez, bem entendido. O Timóteo estava convencido que lhes proporcionava momentos memoráveis com o seu desempenho, caso contrário já o teriam deixado porque não era rico nem particularmente bonito. Por isso, resumia-me assim a sua máxima de vida: Ouve o que te digo, meu rapaz! O sexo que não fizeres hoje, não é um sexo adiado, é um sexo perdido! E ainda te digo mais, nunca negues uma segunda volta... Isto com as mulheres não é de fiar e
- Quem vai ao mar perde o lugar
Provérbio provado culpado
A Culpa morreu solteira. Mas desconfio que tinha uma sexualidade desenfreada, apesar da sua melhor amiga ser a Vergonha. Claro que a sua única irmã era muitíssimo bem casada... e o seu nome era Inveja.
- A culpa morreu solteira
- A culpa morreu solteira
Provérbio provado rimado - CCLXXXIX
O trolha chama-se Jaime
Passa o dia no andaime
E de lá manda piropos
A uns quantos cachopos
O Jaime é endiabrado
Para a brincadeira é danado
Não tem vergonha de ser gay
Desde que foi aprovada a lei
Faz elogios aos colegas
E olhinhos aos engenheiros
Se pudesse tentava esfregas
Ele tem bichos carpinteiros
Acha muito mais grave
Fechar mulheres à chave
Que a doméstica violência
Não condiz com inteligência
Ao menos não força ninguém
Que não o queira também
Cuja vontade seja pouca
De amar uma bicha louca
Passa o dia no andaime
E de lá manda piropos
A uns quantos cachopos
O Jaime é endiabrado
Para a brincadeira é danado
Não tem vergonha de ser gay
Desde que foi aprovada a lei
Faz elogios aos colegas
E olhinhos aos engenheiros
Se pudesse tentava esfregas
Ele tem bichos carpinteiros
Acha muito mais grave
Fechar mulheres à chave
Que a doméstica violência
Não condiz com inteligência
Ao menos não força ninguém
Que não o queira também
Cuja vontade seja pouca
De amar uma bicha louca
Provérbio provado rimado - CCLXXXVIII
Água suja do capitalismo
Mas que me sabe tão bem
E aqui com algum lirismo
Faço-lhe rima sem desdém
Ás vezes dá mesmo vontade
De beber fresca a Coca Cola
E essa é uma realidade
Desde que andava na escola
Se houver gelo e limão
Para lhe pôr ali por perto
Isso é que é satisfação
Sabe-me à última do deserto
Mas que me sabe tão bem
E aqui com algum lirismo
Faço-lhe rima sem desdém
Ás vezes dá mesmo vontade
De beber fresca a Coca Cola
E essa é uma realidade
Desde que andava na escola
Se houver gelo e limão
Para lhe pôr ali por perto
Isso é que é satisfação
Sabe-me à última do deserto
Provérbio provado rimado - CCLXXXII
A vida é uma aprendizagem
Tão contínua e constante
E lá vamos nessa viagem
Como um esforçado estudante
Levamos no bolso uma cábula
Para auxiliar a memória
Umas vezes comédia e rábula
Outras uma tragédia com história
Nem sempre o que pensamos
Se processa como se crê
E então assim alternamos
O plano A com o B
Tão contínua e constante
E lá vamos nessa viagem
Como um esforçado estudante
Levamos no bolso uma cábula
Para auxiliar a memória
Umas vezes comédia e rábula
Outras uma tragédia com história
Nem sempre o que pensamos
Se processa como se crê
E então assim alternamos
O plano A com o B
sábado, 13 de janeiro de 2018
Provérbio provado chorado
Meu bom amigo, chorar desalmadamente faz bem. Parece que os homens não choram, não é o que se diz?, que mentira mais idiota e castrante! Nestes anos todos nunca te vi chorar, mas calculo que as poucas vezes em que o terás feito, enterrando a cabeça na almofada e mordendo a língua para não gritar, terás experimentado algum alívio. Chorar traz uma espécie de redenção, é muito melhor que aquele nó na garganta que nos engasga fatalmente, é como uma tampa de uma panela de pressão a chiar com o esforço: uma vez aberta o vapor pode sair finalmente em jacto e a ferver; queima, mas é sinal que a comida está pronta.
- Chorar faz bem
- Chorar faz bem
Provérbio provado num verso branco -XIX
Não me podes matar
Dou um passo na direcção do teu sonho
Não tenho nada a perder
Quem não tem nada a perder perde-se
Essa é que é essa
Posso retroceder quando queira
Não quando me queiras espantar
Nos espelhos espanta espíritos
Como se eu um pesadelo ou uma aparição desonesta
Mas eu uma ilha e tu o meu náufrago
Tuas velas rasgadas e o mastro partido
Tenho em mim água potável
Frutos amargos que te alimentarão
No meu solo morrerás
No meu colo
Eu sou a tua tal
Ponte do teu rio
A flor do teu jardim
Essas coisas assim tão lamechas
Que um dia hás-de dizer-me
Trazendo ramos de rosas
Vermelhas claro
Têm mesmo de ser vermelhas
Entretanto sussurrarás sonetos batidos
As tuas palavras ardendo no meu ouvido
Por exemplo aquele clássico
Era uma vez um amor que arde sem se ver
Uma ferida que não dói e se sente
Dou um passo na direcção do teu sonho
Não tenho nada a perder
Quem não tem nada a perder perde-se
Essa é que é essa
Posso retroceder quando queira
Não quando me queiras espantar
Nos espelhos espanta espíritos
Como se eu um pesadelo ou uma aparição desonesta
Mas eu uma ilha e tu o meu náufrago
Tuas velas rasgadas e o mastro partido
Tenho em mim água potável
Frutos amargos que te alimentarão
No meu solo morrerás
No meu colo
Eu sou a tua tal
Ponte do teu rio
A flor do teu jardim
Essas coisas assim tão lamechas
Que um dia hás-de dizer-me
Trazendo ramos de rosas
Vermelhas claro
Têm mesmo de ser vermelhas
Entretanto sussurrarás sonetos batidos
As tuas palavras ardendo no meu ouvido
Por exemplo aquele clássico
Era uma vez um amor que arde sem se ver
Uma ferida que não dói e se sente
sexta-feira, 12 de janeiro de 2018
Provérbio provado num verso branco - XVIII
No teu céu branco
As nuvens são azuis
É um deus que guarda a porta
De um inferno onde habitam os anjos
És uma contradição
Um paradoxo danado
Todos os sinónimos de contradição e paradoxo
No dicionário das contradições e paradoxos
A tua bofetada sem mão
Faz pingar o sangue na luva branca
O teu coração tem mais cavidades
Que quantos ossos tens no corpo
Nele altura para tantos edifícios erguer
São tantos meu amor
Com eles construirás uma nova cidade em ti
E eu em ti esse zero
Começando sem começar
O que significa que nem começa
Eu em ti irrealizável
As nuvens são azuis
É um deus que guarda a porta
De um inferno onde habitam os anjos
És uma contradição
Um paradoxo danado
Todos os sinónimos de contradição e paradoxo
No dicionário das contradições e paradoxos
A tua bofetada sem mão
Faz pingar o sangue na luva branca
O teu coração tem mais cavidades
Que quantos ossos tens no corpo
Nele altura para tantos edifícios erguer
São tantos meu amor
Com eles construirás uma nova cidade em ti
E eu em ti esse zero
Começando sem começar
O que significa que nem começa
Eu em ti irrealizável
Provérbio provado rimado - CCLXXXI
A Maria Antónia Gomes
É o meu braço direito
E no seu verso escorreito
Faz rimas uniformes
Desde o início da casa
Conto com a sua ajuda
E quando o provérbio muda
A Maria Antónia arrasa
Mas agora iremos fazer
Uma bela prosa a meias
Juntaremos as ideias
Para um novo conto escrever
Quando estiver terminado
Bem escrito a quatro mãos
Damos-lhe duas demãos
E aqui será partilhado
É o meu braço direito
E no seu verso escorreito
Faz rimas uniformes
Desde o início da casa
Conto com a sua ajuda
E quando o provérbio muda
A Maria Antónia arrasa
Mas agora iremos fazer
Uma bela prosa a meias
Juntaremos as ideias
Para um novo conto escrever
Quando estiver terminado
Bem escrito a quatro mãos
Damos-lhe duas demãos
E aqui será partilhado
Provérbio provado rimado - CCLXXX
Está com o fogo no rabo
Quem anda muito apressado
Num instante a correria
Impede-lhe o que faria
Se o tempo porventura
Lhe sobrasse nessa altura
Para bem se dedicar
Ao que mais lhe agradar
A vida é uma maratona
Anda-se sempre numa fona
Nem sequer se ganha medalha
E essa é grande falha
Quem anda muito apressado
Num instante a correria
Impede-lhe o que faria
Se o tempo porventura
Lhe sobrasse nessa altura
Para bem se dedicar
Ao que mais lhe agradar
A vida é uma maratona
Anda-se sempre numa fona
Nem sequer se ganha medalha
E essa é grande falha
quinta-feira, 11 de janeiro de 2018
Provérbio provado avinhado
Néctar dos deuses, soro da verdade e da mentira, voluptuosa fruição: o vinho é o líquido mais adjectivado e metaforizado de todos os tempos. Ele é veludo, aromas frutados, os encantadores taninos, as castas mais ou menos castas e finais de boca persistentes, quiçá memoráveis, ali vai uma autêntica cepa poética rótulos afora. E já agora, vinho é tinto e o resto é conversa!
- In vino veritas
- In vino veritas
terça-feira, 9 de janeiro de 2018
Provérbio provado rimado - CCLXXIX
Se queres ter boa lareira
Lenha verde pouco acende
Tens de ter boa madeira
Pois dela o calor depende
Se queres saber cozinhar
Vai comprar onde se vende
Ingredientes para juntar
Num tacho que surpreende
Se queres escrever melhor
Teu texto não se compreende
Não durmas tanto por favor
Que a leitura assim não rende
Se queres em suma aprender
O conhecimento não ofende
Faz por o teu tempo estender
Quem muito dorme pouco aprende
Lenha verde pouco acende
Tens de ter boa madeira
Pois dela o calor depende
Se queres saber cozinhar
Vai comprar onde se vende
Ingredientes para juntar
Num tacho que surpreende
Se queres escrever melhor
Teu texto não se compreende
Não durmas tanto por favor
Que a leitura assim não rende
Se queres em suma aprender
O conhecimento não ofende
Faz por o teu tempo estender
Quem muito dorme pouco aprende
Provérbio provado rimado - CCLXXVIII
O Rodrigo era tão azarado
Que para a agulha procurar
No palheiro sobrelotado
Em cima dela se foi sentar
O rabo o Rodrigo picou
Mas quando procurava dinheiro
Nem uma só moeda achou
Só a agulha naquele palheiro
Que para a agulha procurar
No palheiro sobrelotado
Em cima dela se foi sentar
O rabo o Rodrigo picou
Mas quando procurava dinheiro
Nem uma só moeda achou
Só a agulha naquele palheiro
Provérbio provado num verso branco - XVII
Acabada de chegar
Foi mesmo agora: ainda mal sentes a minha presença
Foi mesmo agora: ainda mal sentes a minha presença
Na tua casa ocupo muito espaço
E os teus poentes são mais belos sem mim
Tocas-me como se eu as teclas de um piano
Eu o teu instrumento desafinado
Já rasgaste as pautas do passado
Mas nas tuas paredes ainda ecoa uma melodia de instantes semibreves
Hoje estás cinzento sentado no sofá
O pensamento lutando contra este Inverno
O desejo um bocejo que deixas escapar involuntário
Carregas a tua vontade de mim sem vontade
Queres-me lamentando não me querer
Cala-te: dizes-me
Não adivinhes já a despedida
É muito cedo para os meus poentes serem mais belos sozinho
Deste-me as frases que pedi na folha de rosto
A minha mão guiou-te cada palavra
Não inventaste um novo alfabeto para escrever o meu nome
Se tivesses deixado falar as letras do coração eu saberia
Eu sei ler nas entrelinhas
Tocas-me como se eu as teclas de um piano
Eu o teu instrumento desafinado
Já rasgaste as pautas do passado
Mas nas tuas paredes ainda ecoa uma melodia de instantes semibreves
Hoje estás cinzento sentado no sofá
O pensamento lutando contra este Inverno
O desejo um bocejo que deixas escapar involuntário
Carregas a tua vontade de mim sem vontade
Queres-me lamentando não me querer
Cala-te: dizes-me
Não adivinhes já a despedida
É muito cedo para os meus poentes serem mais belos sozinho
Deste-me as frases que pedi na folha de rosto
A minha mão guiou-te cada palavra
Não inventaste um novo alfabeto para escrever o meu nome
Se tivesses deixado falar as letras do coração eu saberia
Eu sei ler nas entrelinhas
Provérbio provado num verso branco - XVI
Nem a lã dos carneiros é toda igual
Até num rebanho cada par de cornos tem a sua nobreza
Os peixes mortos abandonam-se à maré
Esses que ainda vivem aprenderam a respirar debaixo de água
Podem remar contra a maré cheios de ar cheios de si
Só eu sou demasiado sólida
Não tomo a forma dos recipientes
Vivo na intensidade própria dos loucos
A anuência cega mortifica-me
A condescendência parola põe-me a milhas
A sobranceria dos sem mérito continua a surpreender-me
Para que desperto se nunca nasci?
Cavo a minha própria sepultura
Não é bonito mas é profundo
Até num rebanho cada par de cornos tem a sua nobreza
Os peixes mortos abandonam-se à maré
Esses que ainda vivem aprenderam a respirar debaixo de água
Podem remar contra a maré cheios de ar cheios de si
Só eu sou demasiado sólida
Não tomo a forma dos recipientes
Vivo na intensidade própria dos loucos
A anuência cega mortifica-me
A condescendência parola põe-me a milhas
A sobranceria dos sem mérito continua a surpreender-me
Para que desperto se nunca nasci?
Cavo a minha própria sepultura
Não é bonito mas é profundo
Provérbio provado rimado - CCLXXVII
De manhã tens de saltar da cama
Pôr direitos os dois pés no chão
Pois vai acabar-se-te a mama
Não podes ficar no colchão
Tens de arranjar um emprego
Que o dinheiro não cai do céu
A vida é difícil não nego
Mas tenta fazer como eu
Tanto queres enriquecer
Não te percebo Fernando
Se tens inveja do meu viver
Vai trabalhar ó malandro
Pôr direitos os dois pés no chão
Pois vai acabar-se-te a mama
Não podes ficar no colchão
Tens de arranjar um emprego
Que o dinheiro não cai do céu
A vida é difícil não nego
Mas tenta fazer como eu
Tanto queres enriquecer
Não te percebo Fernando
Se tens inveja do meu viver
Vai trabalhar ó malandro
Provérbio provado rimado - CCLXXVI
Emprestei o arco à velha
Para ela fazer hula hoop
Mas ela olhou-me de esguelha
Foi juntar-se a outra trupe
Eu fiquei desconcertada
Triste e com grande telha
A situação não teve piada
Foi coisa do arco da velha
Para ela fazer hula hoop
Mas ela olhou-me de esguelha
Foi juntar-se a outra trupe
Eu fiquei desconcertada
Triste e com grande telha
A situação não teve piada
Foi coisa do arco da velha
Provérbio provado rimado - CCLXXIV
Quando te dão brinde de oferta
É porque vais pagá-lo pela certa
Black fridays são enganadoras
Feitas por mentes impostoras
Sobem e diminuem os preços
E aindas levas mais uns adereços
Trazes coisas de que não precisas
Com a carteira repleta de Visas
Depois quando chegas a casa
Das comprinhas fazes tábua rasa
Tens sapatos um número acima
Trouxeste sabonetes para a prima
Chegas-te mesmo a arrepender
Mas a tralha não podes devolver
É que não são grátis os almoços
Gratuitos só mesmo os tremoços
É porque vais pagá-lo pela certa
Black fridays são enganadoras
Feitas por mentes impostoras
Sobem e diminuem os preços
E aindas levas mais uns adereços
Trazes coisas de que não precisas
Com a carteira repleta de Visas
Depois quando chegas a casa
Das comprinhas fazes tábua rasa
Tens sapatos um número acima
Trouxeste sabonetes para a prima
Chegas-te mesmo a arrepender
Mas a tralha não podes devolver
É que não são grátis os almoços
Gratuitos só mesmo os tremoços
segunda-feira, 8 de janeiro de 2018
Provérbio provado tresloucado
Já se versejava nas paredes húmidas das grutas primitivas. Em vez de letras, desenhos: os poemas todos visuais.
Todo o homem escreve, afinal. Mas em muitos as linhas que a alma tece são transparentes, invisíveis para quem não lê para lá do que está escrito, apesar do que está escrito. Muitos só escutam os seus versos dentro dos próprios ouvidos, nunca fora: é uma voz inaudível que os engasga e às vezes corrói.
Cada poeta em potência - o poeta impotente -, devia poder casar-se com a sua imperfeição poética: unir-se a ela irrediavelmente sem hipótese de divórcio nem viuvez. E essa união uma procriação eterna em quotidianos sem gaiolas, engolindo e evacuando versos, engordando de versos até rebentar.
- De poeta e de louco todos temos um pouco
Todo o homem escreve, afinal. Mas em muitos as linhas que a alma tece são transparentes, invisíveis para quem não lê para lá do que está escrito, apesar do que está escrito. Muitos só escutam os seus versos dentro dos próprios ouvidos, nunca fora: é uma voz inaudível que os engasga e às vezes corrói.
Cada poeta em potência - o poeta impotente -, devia poder casar-se com a sua imperfeição poética: unir-se a ela irrediavelmente sem hipótese de divórcio nem viuvez. E essa união uma procriação eterna em quotidianos sem gaiolas, engolindo e evacuando versos, engordando de versos até rebentar.
- De poeta e de louco todos temos um pouco
Provérbio provado rimado - CCLXXIII
O Paulo era um sujeito
Com imensos predicados
O pretérito perfeito
E outros escarrapachados
Mas o Paulo tinha um defeito
Nem sei se aqui o diga
Um intestino desfeito
E um grande rei na barriga
Não tenhamos preconceito
Há Paulos assim vaidosos
Que sempre arranjam um jeito
De parecer mais valiosos
Com imensos predicados
O pretérito perfeito
E outros escarrapachados
Mas o Paulo tinha um defeito
Nem sei se aqui o diga
Um intestino desfeito
E um grande rei na barriga
Não tenhamos preconceito
Há Paulos assim vaidosos
Que sempre arranjam um jeito
De parecer mais valiosos
Provérbio provado rimado - CCLXXII
Fazes figurinhas tristes
É coisa a que não resistes
Não sabes estar calada
Manter essa boca fechada
Não fales que não entra mosca
Em silêncio não és tão tosca
Provérbio provado numa prova auxiliado
- Olá, boa tarde, queria experimentar aquela camisola azul que está na montra, se faz favor. Tem o número 40?
- A senhora deseja experimentar o 40? Talvez o 42 seja melhor... Agora usa-se tudo muito largo, não é verdade?
É assim que lhes dou a volta para poupar idas ao armazém, evitando dar a entender que as clientes são mais gordas do que pensam. Imagine-se!, um 40 para aquelas costas e aquele par de mamas! Nem aqui nem na China, nem em qualquer outra parte do mundo. O 42 no mínimo. E, e...
- Se calhar tem razão... Olhe, traga-me então o 40 e o 42.
- Duas cabeças pensam melhor que uma
- A senhora deseja experimentar o 40? Talvez o 42 seja melhor... Agora usa-se tudo muito largo, não é verdade?
É assim que lhes dou a volta para poupar idas ao armazém, evitando dar a entender que as clientes são mais gordas do que pensam. Imagine-se!, um 40 para aquelas costas e aquele par de mamas! Nem aqui nem na China, nem em qualquer outra parte do mundo. O 42 no mínimo. E, e...
- Se calhar tem razão... Olhe, traga-me então o 40 e o 42.
- Duas cabeças pensam melhor que uma
Provérbio provado num verso branco - XV
Os homens já teriam roubado o sol
Se houvesse onde o esconder
Já teriam comido a lua
Fosse ela feita de queijo como contam as histórias infantis
A ambição é tão grande
Os homens são tão pequenos
Não há mãos que replantem as florestas
Nem bocas que emprestem a paz às fronteiras
As pernas dos homens galgam caminhos com buracos
Tropeçam caiem desfalecem
O gesso não devolve o osso original
Se houvesse onde o esconder
Já teriam comido a lua
Fosse ela feita de queijo como contam as histórias infantis
A ambição é tão grande
Os homens são tão pequenos
Não há mãos que replantem as florestas
Nem bocas que emprestem a paz às fronteiras
As pernas dos homens galgam caminhos com buracos
Tropeçam caiem desfalecem
O gesso não devolve o osso original
Provérbio provado num verso branco - XIV
Se quiseres
Se eu puder
Se procurares pelos cantos com atenção
Encontrarás o melhor de mim
Encontrarás o pior de mim
Não estão escondidos
Não estão à vista desarmada
Não são prémios
Não são problemas
Se puderes
Se eu quiser
Sentir-me-ás com o coração
A minha pele também te fala
Os meus olhos também te comem
Se eu puder
Se procurares pelos cantos com atenção
Encontrarás o melhor de mim
Encontrarás o pior de mim
Não estão escondidos
Não estão à vista desarmada
Não são prémios
Não são problemas
Se puderes
Se eu quiser
Sentir-me-ás com o coração
A minha pele também te fala
Os meus olhos também te comem
Provérbio provado rimado - CCLXXI
Convidaste-me para o cinema
Ver o filme foi um problema
Pois estiveste encostado a mim
Do princípio até ao fim
Tentaste dar-me a mão
Impossível a concentração
Mais um pouco seria um beijo
E a seguir de prenda um queijo
Ver o filme foi um problema
Pois estiveste encostado a mim
Do princípio até ao fim
Tentaste dar-me a mão
Impossível a concentração
Mais um pouco seria um beijo
E a seguir de prenda um queijo
Provérbio provado após muito ter trabalhado
Passava os meus dias a encher chouriços numa pequena fábrica de enchidos. Parece piada, não é? Pois, mas não é, Sr. Carvalho! Muitos enchem chouriços no trabalho, mas eu fazia-o literalmente: abria a tripa vazia, enchia o conteúdo e fechava-lhe a boca com cuidado, antes de passar para o próximo. E assim sucessivamente, todos os dias nisto, os dias sempre iguais.
É verdade que tinha aquele emprego tão rotineiro porque não terminei os estudos, Sr. Carvalho. Comecei a trabalhar muito novo para ajudar a família: lá em casa eram oito filhos para sustentar. A minha mãezinha que Deus tem ficava em casa a criar oito bocas com apetite, sempre de avental e a braços com muitas tarefas em simultâneo e crianças nos braços. O meu pai que Deus também lá tem não dava conta das despesas sozinho, por isso quando fiz quinze anos - eu sou o mais velho - tive de sair abruptamente da escola. E até nem era mau aluno...
Desculpe estar a maçá-lo com as minhas histórias, Sr. Carvalho. Afinal não tive uma vida assim tão interessante que mereça ser contada... Trabalhei toda a vida no mesmo sítio: não havia falta de chouriços lá em casa, salvo seja! Enchi-me de enchidos mais do que devia e bebia um copito de tinto à refeição, só um!, que nunca fui de abusar da bebida.
De uma coisa me orgulho: os meus filhos puderam terminar os estudos. A minha Carlota até foi para a faculdade e tudo! O meu Miguel não quis continuar depois de acabar o liceu, mas muito lhe agradeço, Sr. Carvalho, a oportunidade que lhe deu lá no stand de automóveis, quem diria que seria tão bom vendedor, hein?
Eu comecei a trabalhar tão novo, mas agora posso gozar tranquilamente a minha reforma. À mesa já não há chouriços: agora temos ovos de todas as maneiras e feitios. É que, sabe, o pai da minha nora, a minha Dora, faz criação de galinhas e quando chega da terra atesta-nos a despensa.
- Quem em novo não trabalha, em velho come palha
É verdade que tinha aquele emprego tão rotineiro porque não terminei os estudos, Sr. Carvalho. Comecei a trabalhar muito novo para ajudar a família: lá em casa eram oito filhos para sustentar. A minha mãezinha que Deus tem ficava em casa a criar oito bocas com apetite, sempre de avental e a braços com muitas tarefas em simultâneo e crianças nos braços. O meu pai que Deus também lá tem não dava conta das despesas sozinho, por isso quando fiz quinze anos - eu sou o mais velho - tive de sair abruptamente da escola. E até nem era mau aluno...
Desculpe estar a maçá-lo com as minhas histórias, Sr. Carvalho. Afinal não tive uma vida assim tão interessante que mereça ser contada... Trabalhei toda a vida no mesmo sítio: não havia falta de chouriços lá em casa, salvo seja! Enchi-me de enchidos mais do que devia e bebia um copito de tinto à refeição, só um!, que nunca fui de abusar da bebida.
De uma coisa me orgulho: os meus filhos puderam terminar os estudos. A minha Carlota até foi para a faculdade e tudo! O meu Miguel não quis continuar depois de acabar o liceu, mas muito lhe agradeço, Sr. Carvalho, a oportunidade que lhe deu lá no stand de automóveis, quem diria que seria tão bom vendedor, hein?
Eu comecei a trabalhar tão novo, mas agora posso gozar tranquilamente a minha reforma. À mesa já não há chouriços: agora temos ovos de todas as maneiras e feitios. É que, sabe, o pai da minha nora, a minha Dora, faz criação de galinhas e quando chega da terra atesta-nos a despensa.
- Quem em novo não trabalha, em velho come palha
Provérbio provado rimado - CCLXX
Podes uma rima inventar
Mas antes prepara o jantar
Podes rechear o perú
Promete não o comes cru
Podes levantar a mesa
À vontade não está presa
Podes puxar a cadeira
E arrastá-la inteira
Podes fazê-lo com a mão
Depois senta-te no chão
Mas antes prepara o jantar
Podes rechear o perú
Promete não o comes cru
Podes levantar a mesa
À vontade não está presa
Podes puxar a cadeira
E arrastá-la inteira
Podes fazê-lo com a mão
Depois senta-te no chão
Provérbio provado rimado - CCLXIX
Assim é de tostão em tostão
Que se faz quase um milhão
Mas que exige concentração
E logo se junta um quinhão
É precisa boa disciplina
Ao menino assim como à menina
Não ter uma doida rotina
Pois não há nenhuma mina
Quem consegue ser poupado
Mesmo depois de almoçado
É bom de ser imitado
E numa rima consagrado
Que se faz quase um milhão
Mas que exige concentração
E logo se junta um quinhão
É precisa boa disciplina
Ao menino assim como à menina
Não ter uma doida rotina
Pois não há nenhuma mina
Quem consegue ser poupado
Mesmo depois de almoçado
É bom de ser imitado
E numa rima consagrado
Provérbio provado rimado - CCLXVIII
Se for hábil e laboriosa
Não serve apenas para a prosa
Há que pô-la a dar a dar
E com outras não a comparar
Mas se não for há remédio
Preciso é afastar o tédio
Quando uma língua é sem papas
De a experimentar não te escapas
Não serve apenas para a prosa
Há que pô-la a dar a dar
E com outras não a comparar
Mas se não for há remédio
Preciso é afastar o tédio
Quando uma língua é sem papas
De a experimentar não te escapas
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