Provérbios Provados noutras casas:

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Provérbio marítimo

O Verão estava a terminar, quando a Aninhas reparou que nem dera pela sua passagem. Era a primeira vez que tinha um trabalho a sério e já há muito tempo que não folgava, mesmo se estava de folga. Logo que a mãe percebeu que andava a empatar nos estudos, tratou de falar com a Dona Rosa para a pôr a trabalhar na pastelaria, assim como assim já tinha o nono ano e podia ajudar a família. Os horários eram duros e custou-lhe adaptar-se aos acordares repentinos a meio da noite para ir fazer pão e bolos entre bocejos.

Quando descobriu nessa tarde cansada que o Verão acabava, recordou o dia em que soube que reprovara novamente, e era desta que a mãe a tirava da escola, e se deu conta que melhor era deitar foguetes que vinham aí canas para apanhar. Nessa altura estava o Verão a começar e Aninhas vivia em terra de pescadores, num pulo chegava à esquina da frutaria e atalhava por uma ruela, tão estreita que quase se caminhava de lado, que desembocava na marginal. Dali distinguia as amigas no areal junto às barracas às riscas e corria a mergulhar no mar bravio e gelado em arrepios de liberdade. As amigas conversavam muito de rapazes, apontavam este e aquele em risadinhas, os de Lisboa que estavam de férias, os estrangeiros vermelhos do sol, os miúdos imberbes do liceu, mas a Aninhas vivia desde sempre em terra de pescadores e eram esses os homens que achava bonitos, com a pele verdadeiramente tisnada do sol, com barbas mal amanhadas e histórias de barcos e luares. Foi esses que procurou e foi assim que se arrepiou em vários mergulhos noutras águas, até a mãe ouvir um zunzum na frutaria, que parecia que na ruela estreita à noite, e porque uma rapariga fica mal afamada, e que ia já falar com a Dona Rosa da pastelaria porque já chegava de Verão.

Quando largou as fornadas e os pastéis nessa tarde de memórias, aspirou fundo a maresia e vinha-lhe o som das ondas, o som do coração sem nenhum desgosto de amor, pronto para se arrepiar, e a frase da mãe: Deixa lá, filha…

- Há mais marés que marinheiros

2 comentários:

Anónimo disse...

Há um traço comum entre os Verões, as marés e os marinheiros: vão e voltam ( em frequências diferentes, leia-se ).
Contínua, mana

Margarida Batista disse...

E assim quase criaste um provérbio, por exemplo:
Verões, marés e marinheiros, tanto voltam como vão

(mas as irmãs são perenes :)