Era uma tarde de tal forma quente lá na aldeia que até as moscas dormiam. Quem não fazia a sesta, amodorrava-se em qualquer cadeira de braços com um jornal ou uma revista no colo, deixando as tarefas caseiras para quando viesse a fresquinha.
O Ti Manel ressonava, como habitualmente a seguir ao almoço, na sua poltrona de pele vermelha com o trombone ao lado, o companheiro de surdez que se afadigava para alinhar com a toada nos domingos em que a filarmónica lá da terra se apresentava.
Estava então o Ti Manel musicando com as suas cordas vocais, quando duas vizinhas se pegaram numa disputa infeliz e tão desbragada que lhe acordou os tímpanos preguiçosos.
Parece que foi uma coisa sem importância que uma disse e a outra afinou, convencida que a frase inocente a si se dirigia como uma crítica velada. Instalou-se imediatamente a desconfiança e as comadres começaram a ralhar querendo cada uma ter razão, fazendo oscilar no corpo os aventais cheios das supostas verdades a descoberto.
O Ti Manel ainda veio de lá a botar água na fervura, mas foi debalde e demasiado tarde: as duas senhoras já tinham avermelhado de raiva e as veias das têmporas ameaçavam explodir-lhes. O Ti Manel suspirou, meteu o trombone no saco e afastou-se entristecido por não ter conseguido apaziguar a contenda entre as duas comadres.
O resultado foi zangarem-se para a vida, levando as respectivas famílias a tiracolo ao ponto de os maridos deixarem de brindar e as crianças de brincar. Quando calhava em conversa alguém indagar o motivo de tal peleja, ambas se desmanchavam no mesmo estribilho:
- Não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe
Sem comentários:
Enviar um comentário