Provérbios Provados noutras casas:

domingo, 28 de junho de 2020

Provérbio provado num verso branco - LXXXVII

O sono é a transição entre o passado e a surpresa aturdida 
A noite uma fugaz testemunha que expurga o remorso 
E antecipa a possibilidade do que há-de ser a perfeição 
O maior embuste que nunca chega mais adiante 
O pedaço de terra onde se é um eterno forasteiro 
O futuro só se atravessa de olhos vendados 
Amanhã nem sempre é o dia que se espera 

Provérbio provado rimado - DCCCLXXIII

Dias há em que o tempo se arrasta 
E nem mais um ponteiro lhe basta 
Tudo passa tão lentamente 
Sem saber se passado ou presente 

Parece que não evoluímos 
Ao correr do tempo resistimos 
Nada nos apetece fazer 
Ninguém nos consegue entreter 

O melhor ao fim e ao cabo 
É somente alapar o rabo 
Tais dias assim são ruins 
Andamos a coçar os tintins 

sábado, 27 de junho de 2020

Provérbio provado rimado - DCCCLXXII

Há que saber valor dar 
A tudo o que se consome 
Para não se desperdiçar 
O que nos mata a fome 

É a que alude a expressão 
Mesmo que a alguns desagrade 
De guardar migalhas de pão 
Em qualquer capelo de frade 

Provérbio provado rimado - DCCCLXXI

De cada vez que os teus braços 
Vêm ao encontro dos meus 
Afundo-me nos teus abraços 
Não te quero dizer adeus 

Por dentro toda estremeço 
Quero eternizar o momento 
Não vás para longe te peço 
Permanece no meu pensamento 

És a moldura mais bela 
Que a minha vida embeleza
É tal a vontade que apela 
A essa paixão que não pesa 

Estou de tal forma feliz 
Que em arco até embandeiro 
Parece que sempre te quis 
Parece que és o primeiro 

Quando um dia acordar 
Deste sonho maravilhoso 
Espero ainda ter-te por par 
Que de mim estejas desejoso 

Já vejo da rima o fim 
Mas não do nosso enlace 
Fica sempre junto a mim 
Adoro ver a tua face 

Para mim és o mais lindo 
Homem que existe no mundo 
Tens um talento infindo 
E o teu texto é profundo 

Terminar é complicado 
Ficava mais uma hora 
Neste poema dedicado 
Mas tenho de partir agora 

Provérbio provado rimado - DCCCLXX

É mais fácil apontar o dedo 
Do que pôr o dedo na ferida 
O primeiro é costume azedo 
Tão próprio de gente fingida 

O segundo requer mais coragem 
Que se assuma uma posição 
Quando se entra na engrenagem 
É punida qualquer emoção 

segunda-feira, 22 de junho de 2020

Provérbio provado rimado - DCCCLXIX

Tantos são os santos no altar 
Que nem sabe aquele que é crente 
Para qual deles se virar 
E lhe dirigir seu presente 

Fica assim siderado de espanto 
Enquanto a dúvida o assola 
E o pior é que nem sempre o santo 
No fim lhe agradece a esmola 

(Ilustração: Dinis Sousa) 

Provérbio provado rimado - DCCCLXVIII

Sobre o futebol e a religião 
Toda a nossa gente tem opinião 
Com a política o mesmo se passa 
Todos andam à porra e à maça 

Nesses assuntos só há tagarelas 
Desejosos de comprar querelas 
Tantas brigas não valem a pena 
Já nos basta estar em quarentena 

O ideal é saber respeitar 
O que cada cabeça pensar 
Daqui e dali um pouco ouvir 
E no fim as questões coligir 

Quanto mais se sabe de um tema 
Mais perto se está do teorema 
Uma opinião fundamentada 
É menos passível de ser refutada 

Provérbio provado rimado - DCCCLXVII

Para segredo ser segredo 
Conta-o só ao teu umbigo 
Não o partilhes com o amigo 
Que dele fará um enredo 

Pode até nem por mal fazer 
Mas em alguma ocasião 
Apanhado numa distracção 
Vai acabar por o dizer 

Em três bocas já vai o dito 
E chega ao dobro num instante 
Pode até nem ser importante 
Ser história sem gabarito 

Só que era um segredo teu 
Era um sentimento profundo 
Que caiu nas bocas do mundo 
E a sua essência perdeu 

Provérbio provado rimado - DCCCLXVI

Um amor bom do passado 
Que já se encontra terminado 
É porque não foi bom assim 
Ou não teria tido um fim 

Foi um ar que se lhe deu 
Fogueira que enquanto ardeu 
Foi bom enquanto durou 
Porém a fonte secou 

terça-feira, 16 de junho de 2020

Provérbio provado diferenciado

A Benedita era o que comummente se chama uma mulher interessante, pois reunia vários predicados: bonita e relativamente bem feita, considerada inteligente, divertida e espirituosa por quem com ela privava, também era sensível e empática. Claro que tinha defeitos, quem os não tiver que atire a primeira pedra nesse terreno xistoso; assim, a Benedita era egocêntrica - se bem que nada egoísta, embora possa parecer paradoxal -, pouco poupada e um bocado preguiçosa, só para mencionar alguns. Estes senãos eram pelo visto contornáveis, já que a Benedita tinha imensa saída entre o sexo oposto: a sua presença acendia fogos insuspeitos nos mais variados tipos de homem. Além dos que ia conhecendo no seu quotidiano presente, era frequente ser alvo de confissões de desejos recalcados no passado por indivíduos que finalmente ganhavam coragem para dizer da sua antiga vontade por ela. 
A Benedita estava habituada a toda essa atenção masculina, mas isso não a envaidecia por aí além pois normalmente tamanha oferta se saldava numa fila interminável de homens dispostos a levá-la para a cama. Benedita não achava isso nada de especial: de sexo até os passarinhos gostam, ainda que a fêmea não seja atraente. Do que ela sentia falta era de uma afeição verdadeira, de quem desejasse permanecer após o impulso sexual, quem se interessasse pelo seu âmago apesar das suas condicionantes. 
Ainda solteira depois de ter completado os quarenta, a Benedita estava já enjoada e de cabeça à roda de tanto circular num carrossel de relações intensas e pouco duradouras. Apesar disso, não se vergava aos estereótipos sociais que ditam os comportamentos femininos e continuava fiel a si própria. Curiosamente, não tinha perdido a esperança de encontrar a tampa para a sua panela fervente: tantas decepções não a haviam tornado amarga ou ressentida e encarava a sua pouca sorte no amor com evidente bom humor. 
Um belo dia, no meio da habitual plateia que por ela babava, surgiu-lhe o Jorge. Ao primeiro olhar não havia nada de extravagante que o distinguisse dos demais, até porque ele era tão discreto que aparentemente não se destacava na mole predadora. Mas a Benedita não fechou a porta: raramente se precipitava nesse gesto por acreditar que todos tinham direito à sua oportunidade de a impressionar. Em boa hora o fez, já que Jorge pôde mostrar e disparar as suas armas e surpreendê-la. Sim, Benedita quedou-se surpreendida: sensação que julgava desconhecida, de tal modo já adivinhava por antecipação o modus operandi dos machos que lhe faziam a corte.
Se bem que tímido, o Jorge era erudito e elegante na aproximação e cedo Benedita verificou que estava perante outro tipo de postura quando ele manifestou uma genuína vontade de a conhecer por inteiro. Isso notava-se na sua actuação que era consistente e ausente de qualquer conversa de teor sexual. Benedita ficou abismada e não demorou a espicaçá-lo com os trunfos que estava acostumada a jogar. Pura perda de tempo: se sequer reparou nos seus avanços, Jorge ignorou-os olimpicamente e prosseguiu adstrito ao seu comportamento recto. Sem saber, sem querer, conquistou-a pela diferença, deixando-a pelo beicinho, desejando assim Benedita mais e mais interacção com aquele homem com agá grande. 

- A farinha é a mesma, mas o pão pode ser diferente 

Provérbio provado rimado - DCCCLXV

A vossa escriba Margarida 
Está-vos muito agradecida 
Por tão boa companhia 
Que é esta confraria 

Está sempre aberta a porta 
P'ra toda a gente que importa 
E bem-vindo seja quem 
Aqui entra por bem 

Provérbio provado rimado - DCCCLXIV

Não te levantes da mesa 
Antes mesmo da sobremesa 
Pois não deves interromper 
Quem lá está para conviver 

Se desejas ir ao WC 
Cuida que ninguém te vê 
Que é um hábito feio 
Deixar a refeição a meio 

Quando fores as mãos lavar 
Trata também de urinar 
À tua mesa e à alheia 
Não te sentes de bexiga cheia 

Provérbio provado rimado - DCCCLXIII

O Ivan é um preguiçoso 
Está continuamente a adiar 
E chega a ser fastidioso 
Vê-lo a procrastinar 

Deixa tudo para mais tarde 
Depois é a hora certa 
Se um dia a casa lhe arde 
Nem a porta mantém aberta 

Costuma ter de repetir 
As tarefas que não termina 
Do chefe está farto de ouvir 
Parece que é a sua sina 

De manhã quando se levanta 
O Ivan já acorda cansado 
De dia a modorra é tanta 
O preguiçoso trabalha dobrado 

Provérbio provado rimado - DCCCLXII

Sempre que nasce um filho 
Nasce também uma mãe 
É um amor muito para além 
De qualquer problema ou sarilho 

Essa união é tão forte 
Passa por cima de tudo 
De todo o mal e contudo 
Nem a quebra a morte 

segunda-feira, 8 de junho de 2020

Provérbio provado rimado - DCCCLXI

Se tarefas queres delegar 
Vê bem o que vais arranjar 
Não ponhas muitos a fazer 
Que depois vais-te arrepender 

Dá a cada um a enxada 
Para coisa bem determinada 
Podem em grupo trabalhar 
Mas ninguém vão atropelar 

Essa é a melhor maneira 
De acertares à primeira 
Não jogues nos bastidores 
Ou colherás dissabores 

Aprende então a atribuir 
Por todos tens de dividir 
Pois não há guerra de mais aparato 
Que muitas mãos no mesmo prato 

Provérbio provado rimado - DCCCLX

Quando toco à tua campainha 
É quando a viagem começa 
Prometo não ficas sozinha 
Vamos lá nessa Vanessa 

A tenda vai no porta bagagens 
As férias serão divertidas 
Faremos diversas viagens 
Por várias estradas esquecidas 

À descoberta partamos 
Contentes e descontraídos 
De calções e chinelos vamos 
Sem planos e abstraídos 

Provérbio provado rimado - DCCCLIX

Nem tudo o que mexe está vivo 
E nem todo o imóvel está morto 
O que respira é esquivo 
O que dorme respira absorto 

De facto tudo depende 
Da força das circunstâncias 
É o raciocínio que entende 
Maiores ou menores relevâncias 

A tendência mais expedita 
É a rápida ilusão 
Mas é o contexto que dita 
Nossa posterior posição 

As conclusões precipitadas 
São coisa imediatista 
Normalmente resultam erradas 
E são a morte do artista