Provérbios Provados noutras casas:

quinta-feira, 29 de março de 2018

Provérbios provados seleccionados - III

Este blog temático conta histórias ficcionadas a partir de provérbios populares. Surge primeiro o texto e o provérbio vem no fim de propósito, à laia de moral da história: pretende-se que os leitores descubram com surpresa qual é o ditado-desfecho.

Nesta compilação com alguns pequenos contos procedi de forma inversa: apresento o provérbio final com o link para a respectiva ficção.









domingo, 25 de março de 2018

Provérbio provado rimado - CCCLI

Era um costume do liceu
Ir para trás do pavilhão
Se não era tímida a mão
E lá também andei eu

Mas no tempo da minha avó
Ia-se para trás da moita
Se a mão era muito afoita
E o estômago dava um nó

Coisas próprias da juventude
Que se fazem só nessa idade
São brincadeiras sem maldade
Que se repetem amiúde

Assim creio que começaram
Escondidos tantos namoros
Muitos descambaram em choros
E em plena rua terminaram

Provérbio provado rimado - CCCL

Educação e moeda de ouro
Em toda a parte tem valor
Guardadas em bolsa de couro
Ensinadas pelo professor

Mas é preciso que no lar
Se ensine o que é a poupança
E aos outros sempre bem tratar
Vivam ou não em abastança

Provérbio provado rimado - CCCXLIX

Nem sei porque tanto te quero
E que te amo eu já desconfio
Com meu ser todo me atavio
Para te encontrar tanto espero

Em findo o comer e o coçar
Lá diz o povo e com razão
Nestas coisas do coração
O mal está bem no começar

domingo, 18 de março de 2018

Provérbio provado num verso branco - XXXI

Nem tudo o que vai volta
Olha a morte que não devolve quem roubou
Olha uma palavra mal dita que só te responde silêncio
Olha esse amor perdido envolto na eterna neblina
Todo o arrependimento não transforma os acontecimentos
O relógio não anda para trás apenas por quereres
O poço do esquecimento não se apieda das tuas lágrimas
É só hoje que podes evitar o remorso futuro
Um dia vais colher o que semeaste

Provérbio provado rimado - CCCXLVIII

Eu adoro uma boa conversa
Até com as paredes eu falo
E dificilmente me calo
Mesmo se esta for controversa

Já não compro toda a guerra
Mas gosto de uma boa peleja
Desde que civilizada ela seja
Qualquer ponto de vista encerra

Até tento ser atenciosa
Ouvir e não apenas falar
E algumas ideias trocar
Quando dou dois dedos de prosa

Provérbio provado enforcado

Ninguém sabia porque é que ultimamente no rosto dele se haviam desenhado aquelas olheiras tão fundas e parecera ter envelhecido dez anos. Só depois do acontecido é que a avó nos contou que ele não pregava olho há coisa de um mês: as noites todas na cama ora para cá ora para lá, vira para a esquerda, vira para a direita, e nem a aurora, que traz sempre uma certa redenção, o deixava abandonar-se a um sono retemperador. Sem dormir e sem conseguir desvendar uma saída para fazer face às dívidas que se acumulavam, também isto a avó nos contou. Contava tudo isto ainda não acreditando, com os olhos marejados, transbordantes, depois de ter recebido os credores, um por um, com toda a dignidade que conseguiu arranjar. Estávamos todos na sala, um silêncio gritante, escutando a avó falar da avidez dos prejudicados, das mil e uma desculpas que pedira em nome dele prometendo devolver o dinheiro até ao último tostão. Eu ouvia a avó também não querendo acreditar, mas o luto carregado dela entrava-me pelos olhos como uma evidência.
- Oh, meu Deus, como vou eu arranjar uma fortuna destas? Mas onde, meu Deus? Já não há nada para vender... Só resta esta casa e a várzea da figueira onde fui encontrar o vosso pai e avô. Ah, Severino, porque foste fazer uma coisa destas? Como foste capaz de me deixar a braços com tantos problemas?
A avó carpia assim, entre soluços, quando entrou a filha da vizinha perguntando se tínhamos com que atar o balde do poço, que tinha desaparecido a antiga... a antiga... E quase imediatamente se calou pois

- Em casa de enforcado não se fala em corda

Provérbio provado rimado - CCCXLVII

Um T0 ou um casebre
No coração de Lisboa
Vale maquia bem boa
É vender gato por lebre

Agências imobiliárias
De duas ou uma pessoa
Põem anúncios à toa
Enganam clientes várias

Que têm sempre um gatinho
Cinzeiros a transbordar
Dispostas a arrendar
O seu próprio cantinho

Querem dar tuta e meia
Mas pagam cara a renda
Mais valeria uma tenda
Noutra cidade feia

sábado, 17 de março de 2018

Provérbio provado rimado - CCCXLVI

Para que o flirt tenha pinta
É preciso ser-se cavalheiro
Se não há beleza não minta
Se a há não seja brejeiro

Tente ter alguma calma
Mas também não vá devagar
Primeiro consiga-lhe a alma
Só depois peça para se deitar

Não se fie no que é mostrado
Atente bem nas emoções
Mesmo se é muito desejado
Quem vê caras não vê corações

(Ilustração: Rui dos Prazeres Louraço
www.instagram.com/condecascais)


Provérbio provado rimado - CCCXLV

Ficar a rapar o carolo
Depois de devorar o miolo
É talvez como chuchar no dedo
Rezar sem esperança um credo

Pois ter o estômago vazio
Esteja calor ou faça frio
É tão sofrida privação
Que se leva à noite p'ró colchão

Oh que injustiça tão feia
Que nem todos tenham mesa cheia
Desejava que houvesse fartura
Que a fome ninguém a atura

sexta-feira, 16 de março de 2018

Provérbios provados num verso branco em livro

Uma parte dos Provérbios provados já está impressa; precisamente aquela que nunca esperei... Agora só falta os contos e as rimas serem escarrapachados no papel.
No Dia Mundial da Poesia, 21 de Março, às 18:30, venham assistir ao lançamento do meu livro Verso branco, na Biblioteca Fernando Piteira Santos, na Amadora.
Estão todos convidadíssimos!


quinta-feira, 15 de março de 2018

Provérbio provado rimado - CCCXLIV

Infelizmente esta vida
É uma eterna despedida
Dizemos adeus ao amor
Que estimámos com fervor

Mas feliz desse coração
Que canta nova saudação
E a sorrir te diz olá
Epá ainda bem que vens lá

Esse coração é um tolo
Tem feridas dentro do miolo
Mas num novo amor já aposta
Encanta-se e jura que gosta

Conforme a música dança
Inundado de tanta esperança
Deseja desta vez conseguir
Não todo em cacos se partir

Provérbio provado num verso branco - XXX

O poema anuncia-se
- Olá sou o poema -
Pálido e esfarrapado
Uma mão atrás e outra à frente
Tão teso como um carapau
Nem pode mandar cantar um cego

O poema constipa-se
- Atchim ai de mim -
Anda descalço e ao deus dará
Tem febres e um peso no peito
É uma florzinha de estufa
Desejando o vento nos cabelos

O poema traz queixumes
- Ah se soubessem -
Gastou uma vida e meias solas
À procura do verso perfeito
Quase morreu e ainda vive
De tanto viver não vai morrer já

Provérbio provado rimado - CCCXLIII

Se o papagaio come milho
O periquito leva a fama
P'ró periquito é sarilho
O papagaio é quem mama

Acontece isto tanta vez
Ser outro a ter o proveito
Quem se lixa não é quem fez
Mas quem se pensa tê-lo feito

Provérbio provado rimado - CCCXLII

Será que é por ser pequenino
Que é um país tão ladino?
Nele abunda a desavença
Ao mal ninguém pede licença

O bem esse é descuidado
Por tão poucos alinhavado
Dedicam-se tantos a parecer
Esquecendo cultivar o ser

O mote é o desenrascanço
O povo não luta é manso
Mas nos cafés todos opinam
A erva daninha ajardinam

Plantado no cú da Europa
Rectângulo de tão suja roupa
Quando o mal é de nação
Nem vai lá a poder de sabão

Provérbio provado rimado - CCCXLI

Aquela paz emocional
É tão difícil afinal
Nunca lhe dou atenção
Por ter tão cheio o coração

O mais das vezes estou triste
Porque o amor não me assiste
E consulto a almofada
Mas ela não responde nada

O segredo é continuar
Mesmo quando custa acordar
Sozinha hei-de conseguir
Esconder na almofada o sentir

Provérbio provado rimado - CCCXL

Viver como belo burguês
E morfar lautos almoços
Subtrair sem porquês
Comer cascas e caroços

Querer todos enganar
Sem qualquer ingenuidade
E a ocasião aproveitar
Com muita sagacidade

Roubar como gente grande
Encher os bolsos com largueza
Por mais que às vezes abrande
Não deixa de ser à francesa

sexta-feira, 9 de março de 2018

Provérbio provado desempregado

O Vicente vira-se desempregado quando a fábrica de rolhas de cortiça onde laborava abrira falência. Ficou a receber subsídio pois era demasiado novo para o reformarem. Era porém ainda demasiado activo para passar os dias em frente à televisão.
A sua Maria das Dores, que não tinha nenhuma - era ainda mais activa do que activo ele era - às vezes lá ligava o rádio e punha-se a cantarolar estridente, enquanto andava de divisão em divisão, tropeçando no Vicente e fazendo-o sentir-se um estorvo, pois todos os esforços que ensaiava para a ajudar resultavam em ralhos.
Foi assim que ele ganhou o hábito de ir para a biblioteca, as primeiras vezes porque não queria gastar dinheiro no jornal e lá havia-os diários e semanários, generalistas e desportivos. Depois descobriu as estantes e foi um vê-se-te-avias; começou a consumir enciclopédias no C de cortiça, mas cedo as mastigou de uma ponta à outra, até descobrir o Z com espanto. Claro que a partir daí se virou para a literatura, passando sem tabus de um policial para a literatura mais vagarosa e daí para a poesia. O Vicente andava satisfeito da vida com as suas leituras e ao fim do dia regressava a casa cheio de livros debaixo do braço: sentia que a sua vida tinha um propósito.
Uma vez chegado ao lar, dava com a Maria das Dores a arengar, acalorada entre tachos e vassouras, reclamando que a pilha da roupa suja não parava de crescer:
- Ó homem, sujas mais roupa do que quando estavas na fábrica! Era só a farda para lavar... Agora é este disparate: uma camisa lavada todos os dias, benza-te Deus! Mas tu tens alguma necessidade de andares para aí armado em doutor? Ganhaste-me este hábito de ir todos os dias para a biblioteca ler, vejam-me bem! Umas palavritas cruzadas não te bastariam para te entreteres? Um baralho de cartas, um dominó belga com o Zé Neves? Mas não, não senhor! Vens de lá carregadinho de livralhada, até poesias trazes para a ceia em vez de fazeres companhia à tua mulher. Mas tu julgas que é com esta idade que vais aprender alguma coisa, homem? Olha que

- Burro carregado de livros não é doutor

Provérbio provado rimado - CCCXXXIX

Do ponto A até ao ponto B
Pode traçar-se curva ou recta
Numa trajectória discreta
Ou bem marcada para quem vê

A diferença está no caminho
Pois é do prato para a boca
Que se perde ou se ganha a sopa
E esse gesto faz-se sozinho

Cada um será dono e senhor
De manejar a sua colher
E mexê-la o melhor que souber
Para assim orientar seu labor

Não é de comida que falo
É de partilhar a ciência
Do acto e sua consequência
E viver será um regalo

Provérbio provado rimado - CCCXXXVIII

Calças ao contrário as botas
Metes as mãos pelos pés
Ficas com as pernas tortas
E com um olhar de viés

Faz tudo mais devagar
Dá cada passo com jeitinho
Apenas consegues provar
Tudo é certinho direitinho

Se cuidas que aqui não aprendes
Nada com estas rimas tontas
É verdade porém não te ofendes
Pior era se fossem afrontas

Aqui há grande brincadeira
E passamos um bom bocado
Noutros sítios de toda a maneira
Poderás aprender de bom grado

Não te lembras qual a expressão
Que deu a esta rima o mote
Foi meter os pés pela mão
Tão trocada que é um fartote


domingo, 4 de março de 2018

Provérbio provado num verso branco - XXIX

Rascunho do que não fomos

1.
Do passado que não vivemos
Já sinto falta
Do futuro onde não estaremos
Já estou farta

O presente não faz um livro
Só este verso despido
Em que me dispo de ti

Quando falarem do casal do século vinte e um
Não dirão nada de nós

2.
As minhas avenidas são novas
O meu século é lá longe mais além

O meu tempo não tem ponteiros
Nem fronteiras ou desertos

As vielas onde me deito
Têm os olhos das corujas
Um dia é da caça outro do caçador

sábado, 3 de março de 2018

Provérbio citado (RORIZ)

"Lembro-me da história que a Felícia me leu - em "O Banquete" de Sócrates - que fala dos andrágoras (seriam andrágoras?) que eram uns seres que tinham quatro braços e quatro pernas num total de oito membros e que se movimentavam rodando sobre esses oito membros. Os deuses teriam acabado por os dividir ao meio para que fossem menos poderosos o que deu origem à raça humana e fez com que cada um de nós ande desesperadamente à procura da sua metade. Ou, como diz o povo - que povo será este? -, cada panela tem sua tampa."

In Avenida de Roma, duas da tarde - Jaime Roriz

Provérbio provado rimado - CCCXXXVII

As revistas cor de rosa
Nos consultórios são lidas
Têm má qualidade na prosa
E fotografias fingidas

Estão cheias de Photoshop
Sem celulite no Verão
Há gente rica a galope
Muita moda da estação

As senhoras nos cabeleireiros
Leem-nas de fio a pavio
Comentam actores estrangeiros
Nos cruzeiros de navio

Notícias sem relevância
De plásticas cirurgias
E frases de circunstância
Vaidades e muitas manias

São públicas as figuras
E outras são mais ou menos
De amor abundam as juras
Com sentimentos terrenos

Revistas com grande tiragem
Se não houvesse quem escutasse
E apreciasse a mensagem
Não haveria quem falasse

quinta-feira, 1 de março de 2018

Provérbio citado (MCCULLOUGH)

«Existe uma lenda acerca de um pássaro que só canta uma vez na vida, com mais suavidade que qualquer outra criatura sobre a Terra. A partir do momento em que deixa o ninho, começa a procurar um espinheiro, e só descansa quando o encontra. Depois, cantando entre os galhos selvagens empala-se no acúleo mais agudo e mais comprido. E, morrendo, sublima a própria agonia e solta um canto mais belo que o da cotovia e do rouxinol. Um canto superlativo, cujo preço é a existência. Mas o mundo inteiro pára para ouvi-lo, e Deus sorri no céu. Pois o melhor só se adquire à custa de um grande sofrimento... Pelo menos é o que diz a lenda.»


In Pássaros feridos - Colleen McCullough