Provérbios Provados noutras casas:

terça-feira, 25 de julho de 2023

Provérbio provado rimado -MCLVII

Para morrer basta estar vivo

Para viver basta acordar

Talvez arranje um adjectivo

Para esta história divulgar


Mas talvez nem seja preciso

Pois é demasiado evidente

Ninguém fica assim indeciso

Nem ninguém é assim dissidente



Provérbio provado rimado - MCLVI

Atestar a marmita

É como alguém agredir 

Não é uma cena bonita

Só ver e não intervir


É chegar a roupa ao pêlo

Sem que nada o justifique

Dar palmar com o chinelo

Nos filhos não é muito chique


Há um rol de tantas expressões

Para quem anda à batatada

Começa sempre em discussões

Onde nunca se aprende nada




Provérbio provado rimado - MCLV

O Tiago esteve muito doente

Que nem sabe como foi isso

Esteve dias a bater o dente

Tão sem forças e enfermiço 


Finalmente lá se ergueu

Até com alguma vergonha

Uma vez que o bicho morreu

É porque acabou a peçonha



Provérbio provado não publicado

Obedecia em cheio ao estereótipo, que lhe assentava que nem uma luva do tamanho certo. Era um poeta urbano-depressivo com os dentes amarelados do tabaco e dos dez cafés diários. Lamentava a cirrose que tinha levado precocemente o Pessoa e invejava-lhe as mocas do ópio. Aquilo é que era um poeta, mas já não se fazem drogas como antigamente...

Ainda não tinha publicado nenhum dos seus poemas, uma vez que desprezava o meio editorial que achava não ter suficiente competência para avaliar o seu trabalho. Já o tinham convidado para publicar uns quantos versos numa espécie de antologia de novos talentos e também numa colectânea luso-brasileira, mas ele declinara o convite desta forma alarve:

-  Não acredito em antologias nem em colectâneas. Sao autenticas mantas de retalhos.


- Muitos cozinheiros estragam a sopa 

Provérbio provado rimado - MCLIV

Olha que a antecipação

Ajuda a afastar o azar

Se procedes com precaução

Nada então te irá espantar


Antecipar o momento

A fim de evitar a surpresa

Que seja esse o intento

Que te promove a certeza


Quando for tempo dos instantes

Em que os discursos são dois

Lembra-te que a palavra antes

Vale mesmo por duas depois



Provérbio provado reformado

- Não se preocupe, Avó Joaquim. A maquilhagem sai facilmente com água, é só para não aparecer a brilhar na televisão....

Que simpática menina - pensou o Joaquim, enquanto outra menina entrava pela porta. Já não tão menina, confirmou num segundo e terceiro olhares.

- Esta é a Vera Santos, Avô Joaquim, a apresentadora do nosso programa.

- Muito gosto, menina Vera! Onde quer que me ponha?

- Vai sentar-se naquele cantinho e, quando eu for falar consigo, a câmara aproxima-se de si. Não tem de fazer mais nada. Veja só se se põe a entrelaçar a verga enquanto falamos... Dá um ar muito pitoresco e familiar.

A apresentadora conferia a toda aquela azáfama uma atmosfera de facilidade.

Depois de entrevistar um aprendiz de feiticeiro que lançara uma dezena de livros de auto-ajuda, Vera Santos virou-se na direcção do cesteiro. E, muito bem disposta, demasiado interessada na sua pessoa e actividades, lancou-lhe uma série de perguntas que de tão estudadas quase pareciam improviso.

Então o Avô Joaquim contou a sua história. O avô ensinara ao pai que, por sua vez, lhe ensinara em gaiato. Agora já ninguém queria aprender a entrançar, os jovens só queriam telemóveis... No entanto, os netos tinham-lhe criado uma conta nas redes sociais onde exibia os seus belos trabalhos.

Não, não fora o seu emprego principal. O Avô Joaquim fora camionista e mais tarde taxista. Mas sempre tivera aquele gosto e nos momentos de folga fazia o dito gosto ao dedo. 

E aproveitou para contar a uma surpreendida Vera que havia realizado cem cestos para que servissem de candeeiros num restaurante finório do Norte.

- Então, e conte lá, como arranjou tempo para fazer cem cestos, Avô Joaquim? - inquiriu Vera Santos.


- Cesteiro que faz um cesto faz um cento se lhe derem verga e tempo 

Provérbio provado rimado - MCLIII

Agradeço as vossas palmas

Só que preferia dinheiro

E a cada Provérbio provado

Ter mais peso no mealheiro


Os conteúdos da página

Por serem assim levezinhos

Parece que nem dão trabalho

E que se escrevem sozinhos


Aceito todo o tipo de género

A galinha da capoeira

O feijão verde da horta

O licor para a bebedeira


Já que o meu tempo é de borla

E a casinha não é garantida

Mas não fiquem porém a pensar

Que sou pobre e mal agradecida



Provérbio provado rimado - MCLII

Será que não estás nem aí

Para o que te chega daqui?

Ou será que o aparelho

De audição já está velho?


Não te venhas queixar depois

Que não atinámos os dois

Daqui do meu canto observo

E pouca vontade conservo


Foi um tanto exagerado

Esse interesse assolapado

O que vale é que sou crescida

Não fiquei muito convencida


A idade em que tu estás

Algumas pancadas traz

Se não compras um descapotável

Tens uma miúda impressionável


Entretanto não és um deus grego

E o carro puseste no prego

Empenhaste valores em leilão

Só não vendas o teu coração


Parece que estás mais disposto

A ser defraudado com gosto

Mas cuidado com a velha raposa

Que consegue ser muito engenhosa


Quando menos prestares atenção

Já dorme no teu colchão

E a mais tenra companhia

Emigrou para outra freguesia 



Provérbio provado rimado - MCLI

Há cada erro ortográfico

Que chega a ser pornográfico

Eu deito as mãos à cabeça

E faço da luta a promessa


De o erro combater

Ao ensinar e aprender

A quem tivesse vontade

De escrever com propriedade


Bem sei que sou muito chata

Teimosa e cheia de lata

E até que este modo não extinga

Não fujam com o rabo à seringa



Provérbio provado rimado - MCL

O problema das mentes fechadas

É só terem a boca aberta

As opiniões são lançadas

Para a gente boquiaberta 


Não se privam de argumentar

Com tamanha falta de mundo

Que até custa a acreditar

Em tanto disparate rotundo


E não adianta discutir

Pois estão cheias de certeza

Assim não irão admitir

Que lhes falem franqueza


O mais correcto a fazer

Ignorar de qualquer maneira

E não tentar combater

Deitar lenha para a fogueira



Provérbio provado rimado - MCXLIX

Diz que as tuas palavras
São a tua segunda pele 
Às vezes são de ti escravas
Se alguma coisa as repele

De ti brotam normalmente
Basta abrires a boca 
Que assim saem de repente
Montes de palavras para troca

Porém quando à tua frente
Não há atenção ao momento
E o outro te sai indiferente
Palavras leva-as o vento 



Provérbio provado num verso branco - CXXI

Ai que me tarda o anjo da guarda que não me guarda

Que já tem à guarda tantos sapatos perdidos pelos caminhos

Tantas malas que não se penduraram nos armários

E cabides que não encontraram a silhueta regulamentada


O anjo que não guarda não pode ser da guarda

Ou é um anjo pedante e ambicioso

Convencido que mais guarda do que guarda


O anjo virou-me as costas com um cabide na mão

Todavia continuei a vê-lo de frente para mim

Porque os anjos não têm realmente costas

É por isso que desconhecem a hipocrisia

Tudo o que deles se diz não tem esconderijo

Tudo aceitam ainda que não guardem efectivamente

As costas de quem implora palmadinhas e compaixão


Os anjos não têm costas mas sentem o vento por detrás

Nessas alturas procuram refúgio nas montanhas que há nas nuvens

A auréola é a única coisa terrena e sem significado

Uma vaidade mal-disfarçada tal como um diploma

Que as pessoas penduram nas paredes das casas

E nos cabides onde se penduram


Os anjos não têm costas nem sexo

Por isso há homens que são como anjos

Há anjos que são como homens 



terça-feira, 18 de julho de 2023

Provérbio provado rimado - MCXLVIII

Conhecer imensos ditados
É o que nos faz abastados
Pois a cultura popular 
É cultura e é de louvar

Tem sempre um ditado á mão
Para em qualquer ocasião
Puderes criar sintonia
Com uma alminha arredia 

Se ainda não estás convencido
E ainda não és convertido 
Já dizia o velho deitado
Que é sempre bom o ditado 



Provérbio provado rimado - MCXLVII

Se aqui não ofereço a ninguém

Nada na alegre casinha

Apenas quero ter entretém

Para que não me sinta sozinha


Só que o espaço tornou-se maior

Do que eu supus no passado

A obra passou o criador

É de deixar alguém abismado


Eu também fiquei surpreendida

Por tamanho número de amigos

Belisca-te ó Margarida

Neste sítio não há perigos


Ainda irá a casinha crescer

Muitos mais provérbios provar 

Assim eu consigo antever

Porque enfim não quero parar


Aqui tanto vos agradeço

Por me lerem e comentarem

Tenham paciência vos peço

Se não for bem o que esperarem


É por isso que quero dizer

Qualquer homem agradecido

Que julga poder merecer

Todo o bem lhe é querido



Provérbio provado rimado - MCXLVI

Olha que fiar mais fino

É como mudar de figura

Torcer ainda mais o pepino

Nos eventos estar à altura


É um modo de evoluir

De alcançar tal camada

De preferência a sorrir

Perceber que não teve nada



Provérbio provado num verso branco - CXXI

Estar de boa fé é ter fé nos demais

A pureza de intenções anula qualquer suspeição

É um pântano onde os desconfiados afogam os joelhos

Ou onde enterram a cabeça como a avestruz


Ter confiança na humanidade

É uma moeda rara e valiosa

A boa fé não é religiosa 



Provérbio provado rimado - MCXLV

Há vários tipos de animais

E depois há aqueles que voam

Nem esses são todos iguais

Diferentes cantos entoam


Também os seus golpes de asa

Não se mostram da mesma forma

E quando no regresso a casa 

Não respeitam idêntica norma 


Alguns demonstram gratidão

Pela mão que os alimenta

Já outros nem abrem excepção

Sem saber quem os complementa


Se a ave fica na agonia

De comer os restos que há

Aquele que o corvo cria

O olho lhe arrancará



Provérbio provado rimado - MCXLIV

Quando chega o fim de semana

Tenho de ir ao supermercado

Comprar pão café e banana

E um bacalhau congelado


Aos domingos principalmente

Às tarefas de casa me dedico

Lavar e cozinhar é frequente

E no fim tão cansada eu fico


Faço máquinas sem parar

Como se não houvesse amanhã

Não há tempo para hesitar

No meio de tamanho afã


O dia passa quase a correr

Parece que de pingo em pingo 

Como uma torneira a verter

Lá se escapa o domingo



Provérbio provado num verso branco - CXX

De facto vestir-se o fato do semelhante
Pode torná-lo mais semelhante
E calçar-lhe os sapatos de festa
É saber onde lhe apertam os calos
Ou experimentar-lhe as pantufas
Sempre que arruma as botas
Dá-nos a noção de como a vida lhe pesa
De como às vezes lhe é leve
Podemos deste modo também saber o lugar
Que preenchemos no seu lugar
Mas aqui termina a última réstia de empatia

Só um mesmo um próprio por dentro
Sabe com quantas veias se anima
Sabe quando o sangue nelas lhe gela
Quando o sangue no sangue lhe ferve
Cada um tem no âmago um território
Que até para si é quase desconhecido
Por lhe ter perdido a memória do passado 
E formalmente dessa forma o passado
O coração dos outros é terra que ninguém pisa 



Provérbio provado rimado - MCXLIII

Ser bonito e bom
E já agora barato
Dá o mote e dá o tom
Quando se escolhe o prato

Mas afinal a expressão
Não é isso que quer dizer
Convém saber de antemão
Para os pés nas mãos não meter 

Pois ser o bom e o bonito
É um tal caso complicado
Que põe qualquer um aflito
E está o caldo entornado


Provérbio provado rimado - MCXLII

O meu amigo Daniel
É uma pessoa fiel
Mesmo algum tempo depois
Ainda nos damos os dois

Apesar de longa ausência
Não houve enfim divergência
E hoje ele regressou
As caras apresentou

Como se não fosse nada
Ele surgiu na entrada
Que transpôs com confiança
Para cumprir esta aliança

Eu fiquei muito contente
Por o Daniel estar presente
Ele faz tudinho às claras
Quando pensa em dar as caras 



Provérbio provado rimado - MCXLI

Quem acorda e vai correr
Porque não tem mais que fazer
É cromo do exercício
A partir um pé é propício

Anda de roupa fluorescente
Contando a passada na mente
Publica os quilómetros que faz
Para assim mostrar que é capaz 

Para mim não serve a corrida 
Porque fico logo exaurida 
É pernas pra que te quero 
Mas sei que no fundo exagero 



Provérbio provado rimado - MCXL

Cada vez mais os minutos

Nos servem só os desejos

Até que os ponteiros astutos

Proíbam quaisquer bocejos


Sempre prontos sempre alerta

Assim é a modernidade

Ora se não é coisa esperta

Que vai engolindo a idade


Não há  já tempo para nada

Somos de tal forma apressados

Que nem uma flor encarnada

Nos lembra de ser libertados


Somos teimosos e nhurros

Donos de todas as salas

E tal como alguns dos burros

Nos olhos temos duas palas



Provérbio provado confiado

Desde criança que era um indivíduo sério. Já indivíduo em criança e muito sério. Duplamente sério. Literalmente sério, na medida em que não se lhe media um sorriso nos dentes: apenas de raro quando em quando raro, os lábios se distendiam num esgar que imitava um sorriso. Figuradamente sério, no sentido em que levava as coisas a sério. Por coisas leia-se todas as coisas, mais as visíveis do que as invisíveis. Leia-se tudo, mesmo tudo tudinho, na sua vida.

Dava sempre o melhor possível de si mesmo. Esse melhor roçava o perfeccionismo obsessivo-compulsivo. Era um POC tal, que fazia jus à perfeição que o próprio se exigia em tudo onde metia a unha, que lhe conferia uma imagem interior superior de responsabilidade. Uma responsabilidade muito a sério, como se está bem de ver!

Nunca perdia de vista um objectivo e alimentava os pássaros na mão para que as hipóteses não lhe voassem a dobrar. Na sua mão firme. Era, por conseguinte, dono de uma vontade férrea, uma verdadeira máquina de guerra.

Esbanjava parte da imensa energia em braçadas largas na piscina, onde se sentia como um peixe dentro de água. Em suma, não conseguia parar quieto, mas sem um pingo de nervosismo: tal como nas demais qualidades e defeitos, aceitava as suas características com total confiança na sua pessoa. E total seriedade, naturalmente.


- Quem é desconfiado não é sério 

segunda-feira, 17 de julho de 2023

Provérbio provado rimado - MCXXXIX

As pressas dão sempre em vagares

Por isso respira mais fundo

Para que assim te prepares

Tenhas mais espaço no mundo 


Já que à gente ansiosa

Ninguém lhe tem empatia

Consideram-na caprichosa

Por acharem que é uma mania


Contudo as pessoas não fingem

Ter qualquer doença mental

Que está tudo bem elas dizem

Evitando o rótulo anormal


Só quem já sofreu é que sabe

O que é crise de ansiedade 

Onde o coração já nem cabe

Só existe naquela metade


É tamanha a dor no peito

Falta o ar ou é demasiado

Não há um relato perfeito

Cada qual tem seu mau bocado


Por isso não tenhas pressa

Porque ninguém te agradece

E tão pouco a alguém interessa

Por ser só o que apenas parece


Que os neurotransmissores

Podem estar danificados 

Não serem de si os senhores 

E andarem assoberbados


Então bem fundo inspira

E aproveita a inspiração

De não teres em ti a mentira

Não víveres em negação




Provérbio provado rimado - MCXXXVIII

Se eu fosse um pombo cinzento

Eu sei em quem cagaria

Até que num certo momento 

O esfíncter então abriria


E caso eu pudesse cagar

De alto para muita gente

Haveria de me concentrar

Para ser um cocó competente


E depois dessa situação

Sairia fugaz sem parar 

Mais vale um pássaro na mão

Do que ter dois a voar 


Se está na mão já não caga

Se voam dois é o medo

Que a vingança se propaga

Pelo bando no arvoredo



Provérbio provado rimado - MCXXXVII

Não esperes nada em troca

Quando fizeres o bem

Com seu fuso cada roca

Assim o disse alguém


A punição sempre vem

Faças lá o que faças

Por isso é que convém

Que não te comam as traças


O ar que te sopra à volta

Bafeja as novas ideias

E nem precisas de escolta

Lá fora ou paredes meias


A punição nem é má

É ela que te fortalece

Seja aqui perto ou lá

É coisa que não se esquece


Ensina a perseverança

Separa piores de melhores

E traz uma certa esperança

Não depender de favores


Por isso vê lá não esqueças

Que nenhuma boa acção

Mesmo que não a mereças

Não fica sem punição



Provérbio provado rimado - MCXXXVI

Quando perguntarem por mim

Digam que fui ver a lua

Mesmo que estranhem no fim

Não me encontrarem na rua


Com o gargalo no ar

Da lua andarei à procura

Até a conseguir encontrar

Apesar de tanta altura


Logo que doa o pescoço

Adio para o dia seguinte

Todo o brilho que eu posso

Que é da lua o requinte


Vai no céu lá tão alta

Iluminando os caminhos

Se falta faz mesmo falta

Para sentar os anjinhos


Dizem que a lua é calma

E tem vulcões no seu seio

No firmamento se espalma

Com as estrelas pelo meio


Alumia mas não aquece

Como faz o sol no Verão

No fim da tarde aparece

Sem que se gaste um tostão


Assim é de borla a lua

Não há maior maravilha

Vê-la subir nua e crua

Indo no céu andarilha



Provérbio provado rimado - MCXXXV

Se te oferecem um valor

Não deverás contrapor

Todo o homem tem um preço

Seja no fim ou começo


Se te crês incorruptível

Verás não ser impossível

Tu caíres em tentação

Se te põem luvas na mão 


Se te pedem que te cales

Não é o maior dos males

Assistes só de bancada

Dizes não ter visto nada


Se a situação for propícia

A que chamem a polícia

Tentas tudo para não ver

O sol quadrado nascer 



Provérbio provado rimado - MCXXXIV

Quem com outros reparte

Faz da dádiva uma arte

E sabe oferecer elogios

A reis e também a gentios


Não é de todo sovina

Que é uma coisa cretina

Adora poder repartir 

Sem nunca o admitir 


Todo aquele que é generoso

De receber não está desejoso

Diz-se que não dá quem tem

Senão aquele que quer bem




Provérbio provado rimado - MCXXXIII

És um homem interessado

E também és interessante

Não deixas ninguém pendurado

A tua presença é constante


Espero poder perceber

Se tu em mim tens interesse

Ver no que me vou meter

Antes que algo comece 


Espero que este desejo

Não finde em saco roto

E possa roubar-te um beijo

Se eu te cair no goto 






Provérbio provado enluarado

Os peixes possuem sérias limitações visuais quanto ao resto de mar que se passa fora de água. As alterações da luz incidindo em refração e reflexão à superfície limitam a percepção que têm do meio circundante. No entanto, ganham vantagens oculares se o pescador se encontrar bem iluminado e destacado contra o céu. Tanto de dia como de noite quando a lua desce o seu manto de luz. Sabem-no de cor os pescadores há muitas gerações sem precisar de frequentar quaisquer aulas de Zoologia. Por isso é que a pesca é um jogo de escondidas: uns querem almoço, outros fogem do isco como o Diabo da cruz. 

Nessa noite o Eusébio convenceu o filho mais velho a acompanhá-lo ao pontão. O quarto minguante muito bem desenhado mereceria uma fotografia, não fosse a distância da lua e o zoom pobre da câmara do telefone. Chegaram a experimentar, mas era um ponto branco longínquo rodeado de reticências estelares. 
O miúdo, não sabendo o que fazer nem o que dizer, deixou o pai de volta do balde das minhocas e sentou-se nas outras pedras que estavam mais longe. O pai já o tinha avisado para não fazer barulho nem se posicionar perto da água para que os peixes não dessem pela sua presença.
Mas logo o Eusébio esclareceu:
- Ó Gabriel, aproxima-te à vontade, não precisas de estar aí escondido. É que, em não havendo lua cheia e forte, podemos ir à confiança...


- Lua deitada, marinheiro de pé 

Provérbio provado rimado - MCXXXII

Praticar o despojamento 

Reduzir-se ao essencial 

Marca muito o crescimento 

De maturidade é sinal 


Saber lidar com os destroços 

Libertar o que tem de partir 

E destruir os colossos 

Que fazem a vida a fingir 


As memórias poder rasgar 

Como páginas de caderno

E um novo amor abraçar 

Infinito e quase eterno 


Deixar sem olhar para trás 

Abraçar a constante mudança 

O coração não se desfaz 

Segue em frente com confiança


Assim há pois que praticar

Porque é assim que faz falta 

Evitando sempre recuar

Quando a fasquia está alta 



Provérbio provado rimado - MCXXXI

A Lia tem duas caras
Não faz nadinha às claras
Não dá ponto sem nó
De ninguém ela tem dó

Desconhece a empatia
Só sabe a sobranceria
E gosta de estar rodeada
De gente bem relacionada 

A Lia é tão egoísta
Nisso é que ela é artista
Infantil é o seu egoísmo 
Não tem nada de altruísmo 

Por as caras serem duas
Ela faz muitas falcatruas
É exímia em disfarçar
Está sempre a ludibriar

Engraxa os doutos doutores
Que andam pelos corredores
E lambe cus com fartura
Se lhe derem abertura 

A Lia tem pico de beta
De gente importante é neta 
Trata os pais por Vossemecê
Porque é chique assim o crê

Lá no fundo não tem pinta 
Porque é um bocado indistinta
Por não ser assim peculiar
As duas caras não vai mostrar 




sábado, 15 de julho de 2023

Provérbio provado engelhado

Primeiro atendia às suas necessidades mais básicas. Ajudava a pagar a televisão por cabo e chegava-se à frente sempre que a luz era cortada. Depois enchia-as de presentes caros.
Aquelas mulheres podiam ser muito pobres mas não eram muito estúpidas: aquele cota podia prover-lhes um futuro próximo mais desafogado.
É certo que os poucos cabelos que lhe restavam eram brancos, que a parede abdominal tinha quebrado irremediavelmente, mas a sua generosidade compensava o que lhe faltava na jovialidade que elas tinham de sobra. Era um jogo que acabava sempre por ganhar porque as sabia escolher: ora eram mães solteiras sem posses e muitas bocas para sustentar, ora eram migrantes em busca de um meio de subsistência e uma razão para a sobrevivência.
Elas tratavam-no por paizinho e algumas até lhe chamavam sugar daddy. Ele ria-se com gosto da piada e respondia:
- Anda cá, querida, que tenho aqui um bolso cheio de açúcar. Anda ao pai, anda!


- Boi velho gosta de erva tenra 

Provérbio provado num verso branco - CXIX

A palavra fora da boca é uma espada na mão
É uma seta disparada para fora da mão
Só se chama palavra porque afinal é 
Um conjunto de palavras que faz os momentos
Senão chamar-se-iam apenas momentos
E não se poderiam recordar nem relatar
Os momentos e as palavras é que constroem a memória

Quando as palavras voam é a escrita que fica
Sendo ditas ditam a sua própria distância
Só permanecem se há a impressão
Que dá a impressão de que permanecem

 

Provérbio provado rimado - MCXXX

Sou do povo e que importa

Se deixo aberta a porta

A chave na fechadura

Para a ladroagem futura 


Sou muito de confiar

Em quem me irá enganar

Mas limpos ficam os pratos

Sempre que há desacatos


Por isso haver pontos nos is

Evita as bocas infantis

E os nomes dos bois que passarem 

Para que neles reparem 


É assim preto no branco

Que calço o meu tamanco

Do povo sou uma mulher

Que parecer só não quer


No bairro sou conhecida

Por ser assim desabrida

A fama bem longe soa

Mais depressa a má que a boa 



Provérbio provado rimado - MCXXIX

O Diabo é desenrascado

Ele anda sempre ocupado

Não tira férias há anos

É mestre de muitos enganos


O Demo tanto manipula

Os próprios passos calcula

Ele quer arregimentar

Mais almas para o seu lar 


O inferno é uma cave quente

Abarrotando de gente

Há um monte de pecados

Que não serão perdoados


É uma casa escaldante

Que é penosa o bastante

Mas o Diabo é espertinho

Mora em qualquer cantinho 


Se paredes ele não tiver

Trabalha com o que houver

Para mais o Diabo é tendeiro

E arma tendas sem dinheiro 



Provérbio provado rimado - MCXXVIII

Se queres ir participar

E ver passar o cortejo

Já sabes que tens de suar

Se é esse o teu desejo 


Na rua é um mar de gente

No meio de imenso calor

E está tudo impaciente

Para mirar o andor


Só pensas em desistir

Tal é o espaço que falta

Dali mais valia fugir 

Que se lixe o resto da malta 


Depois duma tarde apertada

Só boa romaria faz

Quem não sai da morada 

E em casa fica em paz 



Provérbio provado enforcado - II

Aquela cena do filme, logo no início do filme, havia-o marcado profundamente. Na verdade, o filme começava assim, mas a história sofria uma analepse e só no fim do enredo se compreendia verdadeiramente a cena inicial.

Foi quando se viu entalado por todos os lados, sem capacidade de reacção, que a dita cena regressou com toda a força.


Recebera a notificação do tribunal há uma semana e até o próprio advogado - e se esta é a mais gulosa das profissões! - lhe preconizara uma condenação pouco leve.

Por isso, tivera uma semana inteirinha para preparar tudo. Saiu de casa apenas com as chaves do carro. No acesso à praia foi apanhando pedras que guardou nos bolsos. Então entrou no mar.


Ainda hoje está para saber o que o despertou: se a água muito fria nessa manhã se o surfista do fato de neoprene vermelho e azul. Só tem pena que o filho não o visite mais vezes na prisão.


- Quem nasceu para a forca não morre afogado 

Provérbio provado rimado - MCXXVII

Ela é tão hipocondríaca

E tem a doença celíaca

Dores de cabeça constantes

Dão-lhe em todos os instantes 


Anda sempre queixosa

Com passada vagarosa

Padece de várias maleitas

Por ter as veias estreitas


Diz muito que vai morrer nova

Que está com os pés para a cova

Só que morte desejada

Acaba em vida dobrada 



Provérbio provado rimado - MCXXVI

Julgamentos de papelaria

Dão em rebaldaria

Ajuíza sempre alguém

Cheio de moral e desdém


Tal como no cabeleireiro

É ver quem maldiz primeiro

A que horas chegou a vizinha?

Já era bem de noitinha


Há um café lá ao lado

Onde às quintas há fado

Com os suspeitos do costume

Por ali a cravarem lume


Ao fundo do quarteirão

Está o barbeiro João

Bem perto da padaria 

Da esposa Ana Maria


É uma zona castiça

Mas com gente metediça

E as conversas por ironia

Vão parar à papelaria 



Provérbio provado rimado - MCXXV

Quem tem cem mas deve cem

É certo que pouco tem

É difícil o sustento

Por não ter sido avarento 


Do passado se arrepende

A ver se agora aprende

A ser menos gastador

Não dever nenhum valor 



Provérbio provado num verso branco - CXVIII

Qualquer procura um percurso que é como rio
Com o leito onde moram as pedras e os peixes
Com as margens mais ou menos acidentadas
Mais ou menos sedimentadas

Todos pedras e peixes se descolam se deslocam
A sua progressão não é igual à da água
As pedras sabem fingir no seu olhar redondo
Que não são verdadeiros seres vivos
E depois quando iniciam o movimento
Sabem fingir que também são
Pedra que rola não cria limo 


Provérbio provado rimado - MCXXIV

Anda devagar na estrada

Ou levas multa pesada

Só que a maior verdade

É que mata a velocidade


Há sempre quem atrapalhe

E também há quem esgalhe

O condutor de fim de semana

Até nas portagens se engana


Tens pois de ir bem atento

A tudo o que é movimento

Convém que não aceleres

Mesmo se é o que preferes


Cada carro leva uma pessoa

Que pode conduzir à toa

Por isso anda devagar

Até ires a pastelar


Mais vale ir devagarinho

Do que ficar pelo caminho

Mais vale um pé no travão

Que depois dois no caixão 




Provérbio provado rimado - MCXXIII

Ele queria ser cantor
Ser famoso como tenor
Mas tinha o garfo pesado
Era até ficar enfartado

Foi uma pena mas não
Conseguiu ter tal profissão
Pois menino que come e canta
Não tem amor à garganta 


Provérbio provado desconfiado - III

Nunca chegara a ter a tão moderna adoração pelas tecnologias porque nunca se tinha conseguido adaptar. Antes da reforma, lá no serviço, tinha operado um terminal, o mais parente de um computador em que tinha tocado. Também tinha imensa dificuldade com estes novos telefones espertos por não possuir a devida sensibilidade nos dedos para os fazer deslizar. Insistia em continuar a receber as suas facturas em papel e recusava-se terminantemente a fazer pagamentos online ou a autorizar débitos directos.


- Quem paga adiantado é mal servido 

Provérbio provado rimado - MCXXII

Do bom ele é inimigo

Se o óptimo não consigo

Só serve para empatar

E uma equipa atrasar


Com gente perfeccionista

Corre-se sempre na pista

Não há descanso nem pausas

Os fins justificam as causas


O meu entusiasmo apagam

Não é para isto que me pagam

É tal ritmo para trabalhar

Que nem me deixa respirar


Por isso assim me despeço

Foi mau já desde o começo

Um tal nível de perfeição

Não me dá nem mais um tostão 



sexta-feira, 14 de julho de 2023

Provérbio provado rimado - MCXXI

A minha Rita querida

Não é uma amiga fingida

É uma pessoa especial

Para mim fundamental


Se como eu queres ter

Uma amiga a valer

Já sabes faz-te à vida

A Rita não é oferecida


Mas eu não sou ciumenta

Nem mesmo agora aos quarenta

Eu a Rita sei repartir

Com quem quiser dela fruir 



Provérbio provado rimado - MCXX

Arranja a tua bandeira
Ou compra um megafone 
O armário é de madeira 
E eu estou na friendzone

Se queres experimentar
Coisas que nunca fizeste
Desenrasca um par
E conta o que fizeste

Espero que tenhas proveito
Que assim bem te decidas
Se lhe apanhas o jeito
Não terás contrapartidas

Sai lá então do armário
Assume tua condição
É feito extraordinário
Andares em contramão 


Provérbio provado rimado - MCXIX

Tu és muito saído da casca

Mas não és uma pessoa rasca 

Pareces ser bem inteligente

O que me deixa contente


Tiveste um acto infantil

Que me pareceu um ardil 

Antes de no metro entrar

Tentaste ali me beijar


Como quem a coisa não quer

Não fosse eu me aborrecer

Mas eu continuo disposta

Se assumires a proposta 



Provérbio provado rimado - MCXVIII

Contratei um serviço diferente

Para ter uma noite bem quente

Irei aprender a dançar

Com uma maravilha de par


A dança é uma fusão

De tango e muita emoção

Mas eu sou um pé de chumbo 

A tanto exercício sucumbo


No entanto vou experimentar

Na vida há que arriscar

E se lhe pisar o pé

Depois pago-lhe um café 






quinta-feira, 13 de julho de 2023

Provérbio provado rimado - MCXVII

És um miúdo girinho

Só que és muito tenrinho

Terás de uns bifes comer

Para te poder entender


És miúdo e isso basta 

A nossa idade contrasta

Ainda me cheiras a leite

Não é coisa que se aproveite 



Provérbio provado num verso branco - CXVII

AINDA UM CORPO EM DÚVIDA


Duvida o corpo se é plano se pleno

Na sua tridimensão é todavia bidimensional

Um X e um Y porque o Z

Está nos olhos de quem lhe tira as medidas

A avaliação alheia importante mas sobrevalorizada


Deseja o corpo um tal infinito

Na integridade que pode ter na voz

Que fica sempre aquém do esperado

A gestão das expectativas capaz de mestrado


Duvida o corpo das suas fronteiras

Onde começam e se lhe acabam os limites

São tantas as pessoas que o habitam



Provérbio provado rimado - MCXVI

Os olhos fazem a diferença
Porque têm preconceitos 
No olhar reside a presença
De ver nos outros defeitos 

Os olhos mesmo vendados
Ainda assim ajuízam 
Assistem semicerrados 
Aos actos que preconizam 

São as janelas da alma
Imaginem ter tal poder
Que mesmo no meio da calma 
São dois que se fazem valer 

Também pedem sempre mais
Do que a barriga aguenta
Em dobro são tão iguais
Como o corpo se sustenta

Cada um vê o mal ou o bem
Depende se vê a dobrar 
Conforme os olhos que tem
Assim vai ele julgar

E quando os olhos não vêem 
É o coração que não sente
De tal forma antevêen
Antes de o ser o presente 




Provérbio provado rimado - MCXV

Eu vou no caminho do sol 

Quando afasto o lençol

Toda a vida me é Verão

Gosto de calor na razão


Adoro a espontaneidade

Que traz a diversidade

E falo com a tal loucura

Que pode acabar em secura


Não é detalhe assim pouco

Já que para qualquer louco 

Todos os dias são de festa

Sempre que lhe sua a testa


Preza porque sabe prezar

O corpo todo a escaldar

E a brasa que o acalora

É estar vivo aqui e agora 



Provérbio provado rimado - MCXIV

Hoje compareci num jantar

Porque decidi arriscar

Era tudo malta porreira

Na minha experiência primeira


Pareceu encomendado

Um grupo tão engraçado

Não houve nenhuma contenda

Saiu melhor do que a encomenda 


Espero poder repetir

Que não me irei afligir

The best fucking group ever

Aparece onde festa houver