Provérbios Provados noutras casas:

terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Provérbio provado provocado

A Ana era pequenota e rabitesa e gostava de levar a sua avante. Desde criança chocava bastante com a mãe que não escondia a preferência pela irmã mais nova de mais fácil trato; aliás a própria mãe lhe apunha frequentemente o carimbo de temperamental e lhe relembrava o seu irritante mau feitio. No entanto, a auto estima da Ana não saía beliscada pelos constantes mimos da mãe e continuava a fazer o que lhe dava na real gana.
Como não gostava lá muito de estudar, ao contrário da irmã, decidiu ir trabalhar logo que terminou o liceu. A mãe arengou o mais que pôde quando tomou conhecimento da decisão:
- Muito me engano ou não te aguentas por lá muitos Janeiros, Ana, com esse feitio que tu tens! Ou arrepias caminho ou correm contigo em dois tempos. Tens de ser mais branda, não podes levar tudo assim a ferro e fogo nem esperar que comam e calem e te façam as vontadinhas todas!
A Ana virou costas acabrunhada, empinou o nariz e foi à vida, mas cedo percebeu que a mãe tinha alguma razão pois logo nos primeiros dias de labor teve de engolir alguns sapos e se eram bem gordos!
Pegou-se instantaneamente com uma colega mais rabitesa que ela que padecia da severa agravante de se fazer de sonsa em frente da chefe. A Ana não gostou da atitude dissimulada e disse-lhe poucas e boas para quem quis ouvir. Acontece que a outra não se ficou e, quando a apanhou sozinha, desferiu-lhe um tal chorrilho de provocações e ofensas que deixaram a Ana a um canto sem colo num pranto de baba e ranho.
Quando chegou a casa e relatou à mãe o sucedido ainda teve de escutar a máxima:

- Quem diz o que quer ouve o que não quer

Provérbio provado rimado - DCCLVI

O Rui anda cheio dele
É ouro é prata é cobre
O dinheiro é que o impele
Tem sempre tanto que sobre

Deu cabo do casamento
Por causa do vil metal
À mulher não era atento
Ficou pois só no final

Suspeito que o Rui não fica
Por muito tempo sozinho
Que o bolso cheio dá pica
A quem lhe dê bom carinho

Enquanto o Rui se gabar
Que dele assim anda cheio
Companhia não vai faltar
Nem sexo sem muito rodeio

Provérbio provado rimado - DCCLV

Se muito gostas de criticar
As falhas alheias apontar
Olha bem o teu dedo primeiro
Antes de acusares o parceiro

É que o dedo pode estar sujo
E tu seres considerado sabujo
Não firas levianamente
Sê de ti mesmo consciente

Provérbio perdido

Chegou a casa com os bolsos vazios e o bucho cheio de whisky. Mais uma noite perdida num corpo desconhecido de quem não recordaria o nome nem as feições. O desejo iludido, o desejo escondido só por umas horas.
De manhã acordou sem querer acordar. O quarto estava escuro e deixou-se ficar nos lençóis que cheiravam a álcool e a tabaco. Ao meio dia o telefone tocou, deu-lhe uma trolitada para que ficasse em silêncio.
Eram seis da tarde quando finalmente se ergueu da cama. Foi à cozinha e abriu o frigorífico num gesto maquinal: praticamente vazio. Bebeu um copo de leite azedo e voltou para para o quarto. Dormiria até terminar aquele fim de semana, sem verificar o telefone nem comer nem tomar banho.

- Perdido por cem, perdido por mil

Provérbio provado rimado - DCCLIV

Amigos nem tudo são rosas
Nos jardins onde verto as prosas
Por isso tantas rimas escrevo
Em três minutos as levo

Emparelhadas ou cruzadas
E às vezes interpoladas
São flores bem mais singelas
As margaridas amarelas

Provérbio provado rimado - DCCLIII

Se não consegues o olho pregar
Em frente à TV vais pastar
Mas quando o programa não presta
O zapping é o que te resta

Agarras firme no comando
E pelos canais vais andando
Vês casas remodeladas
E ouves vozes afinadas

Vês programas de culinária
Com comida nada ordinária
Enquanto a sandocha preparas
Com outros canais te deparas

Não te fixas em nada de jeito
Não há documentário perfeito
E por fim de forma imprevista
Vês os casados à primeira vista

Quando crês que bateste no fundo
Miras os maiores lagos do mundo
Atacados por algas insanas
Lá cerras enfim as pestanas

Depois quando raia o dia
Acordas com zero energia
Com as costas tortas do sofá
E a TV no programa que está

Provérbio provado rimado - DCCLII

Promessas não hão-de faltar
Assim haja votos para dar
Mas não te fies em favores
Desses grandes senhores



segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Provérbio provado rimado - DCCLI

O Luís é um meia leca
Mas tem uma grande estaleca
Aos grandes não fica a dever
Ele consegue surpreender

É pequeno porém arrumado
Tem um ar bem apessoado
E uma boa massa cinzenta
Que cheia de ideias fermenta

Eis porque não se deve julgar
Pela pequenez um mau par
O Luís é a prova disso
É capaz de lançar bom feitiço

sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Provérbio provado rimado - DCCL

Para que surja a beleza
Em todo o seu esplendor
O silêncio deve com certeza
Existir em seu redor

Que todo o ruído cesse
Para a arte contemplar
A beleza logo aparece
Numa ilusão de pasmar

Mas ela é bem relativa
Não tem como nem porquê
Depende da narrativa
Dos olhos de quem a vê

terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Provérbio provado rimado - DCCXLIX

Cantar a plenos pulmões
Uma bela zarzuela
Render-se às emoções
Duma serenata à janela

A viola a tiracolo
E uma voz de bagaço
Quase com um torcicolo
Uma nódoa negra no braço

Assim faz de noite o Vicente
À porta da sua amada
Mas o vizinho descontente
Atira-lhe uma vassourada

O Vicente logo se esconde
No mais próximo buraco
Nem sequer ao outro responde
E mete a viola no saco

Provérbio provado rimado - DCCXLVIII

Vamos embora à vida
Já que a morte é tão certa
Melhor é que seja esquecida
Mas um dia os calos aperta

Vem morder-nos os calcanhares
A mafarrica da foice
No meio de tantos azares
Não podemos dar-lhe um coice

Mas enquanto cá andarmos
Outras coisas apertam os calos
Que remédio senão aguentarmos
Ou desatamos aos estalos

Tenhamos sempre um sorriso
Mesmo com os pés apertados
Paciência e calma é preciso
No fim vamos todos deitados

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Provérbio provado com cuidado

Quando chega ao fim do dia, o João agarra nos braços e nas pernas e dirige-se à casa da tia Leonor de quem é cuidador informal. A Lena sai às seis e deixa o jantar feito e a tia já de banho tomado e pijama vestido, passando ao João o testemunho.

A tia Leonor foi diagnosticada com Alzheimer há três anos mas, enquanto a demência ainda não galopara, manifestou sempre vontade de permanecer na sua casa. Os dois filhos, demasiado ocupados com os seus trabalhos e famílias nucleares, contrataram a Dona Lena e ofereceram cama, mesa e roupa lavada ao errante primo em troca da companhia que faria à mãe de noite.
Acabado o terceiro matrimónio fracassado, o João aceitou de imediato: ficara sem poiso e andava a dormir no carro; além disso, tinha uma dívida de gratidão para com a tia que dele cuidava em menino quando a mãe se refugiava no álcool. A mãe do João, a irmã mais nova de Leonor, entretanto já falecida, mergulhava nesse refúgio tão amiúde que, se não fosse a tia, tantas vezes a criança ficaria sem jantar.
Por isso, o João retribuía com genuína boa vontade e dava agora o jantar à tia, levando-lhe a comida à boca em aviõezinhos com uma paciência infinita. De seguida, lavava e enxugava a louça enquanto a tia roncava alto em frente à televisão.
Levava-a depois para a cama com todo o cuidado para não a despertar totalmente, pois a tia Leonor fazia birras infantis para não se deitar. Verificava a fralda, ajeitava os cobertores, dispunha os chinelos ao lado da cama e ligava a luz de presença no quarto. Muitas vezes era acordado durante a noite pela tia que vagueava pela casa, toc toc toc, com os botins calçados: ia dizer ao sobrinho que preparasse as malas que queria ir para a terra. O João, com todo o desvelo, lá a convencia a regressar ao leito.

Numa manhã gelada de Janeiro, o telefone do João tocou e tocou. Que estranho!, a Lena raramente liga tão cedo... Que fosse depressa, a tia apagava-se...
Numa manhã gelada de Janeiro, dias depois, foi o funeral da tia Leonor. No fim do cerimonial, os dois filhos enlutados acercaram-se de um lacrimejante João. Mas ao invés de um obrigado e duas palmadinhas nas costas, apressaram-se em pedir: Ó primo, importas-te de devolver agora as chaves de casa da mãe? Queremos ir lá separar umas coisas e, como vês, já não precisamos dos teus serviços...

- Muito se engana quem cuida

Provérbio provado rimado - DCCXLVII

Um provérbio ou uma expressão
Prendem-me tanto a atenção
Fervilham logo as ideias
Sejam bonitas ou feias

Tudo me serve de mote
Vou com muita sede ao pote
Em cada verso uma entrega
E mesmo assim nunca chega

Provérbio provado num verso branco - LXIX

Espero-te diariamente como quem numa paragem um autocarro
Que invariavelmente não passa à hora marcada
E a cada dia novas cores e trajectos surpresa e partes gagas

Enquanto não passas não acordo nem posso adormecer
Escuto muito ao longe o chiar dos teus pneus
Carecas de tantas contracurvas e cedências de prioridade
E preparo o joelho que trepará o teu primeiro degrau

Em ti há uma porta para entrar enter
outra para sair exit
Mas a verdade é que ando sempre à pendura
Fugindo dos fiscais de calças azuis escuras
Evitando o suor dos outros
passageiros
Todavia tu o veículo pesado por onde me desejo amanhã transportar

Provérbio provado rimado - DCCXLVI

Vem cá baixo ver ó Jesus
Que se me apaga a luz
Prestes a dar-me o fanico
O pernil não tarda estico

Liga lá a tua sirene
Intermitente ou perene
Chama um anjo e um querubim
Da nuvem mais perto de mim

É hora do apocalipse
Ou de mais comum eclipse
Já chegam os cavaleiros
Com farda de enfermeiros

Quero com estilo finar-me
Ter uma morte com charme
Que cause um engarrafamento
Ao menos num breve momento

A caminho do hospital
Começo a bater mal
A temer novamente a vida
Quando nasci prometida

Jesus ainda não é desta
Que me pões a coroa na testa
Vou ficar mais um tempinho
A ser cá em baixo anjinho

Provérbio provado rimado - DCCXLV

É do ano o terceiro mês
O Março tão inconstante
Se de manhã chuva vês
O sol surge de rompante

Ditado certo e eterno
O do Março Marçagão
As manhãs parecem de inverno
Nas tardes julgamos que é verão

sábado, 14 de dezembro de 2019

Provérbios Provados no Livro das caras


Pequenos contos, rimas de pé quebrado e verso branco a partir de provérbios e expressões idiomáticas 

Endereço no Facebook

Provérbio provado rimado - DCCXLIV

Dar costas e dar também pau
É comportamento tão mau
É pôr tudo à disposição
Entregar o ouro ao ladrão

Há que a pele engrossar
E ninguém deixar abusar
O coração endurecer
Ser um osso duro de roer

sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Provérbio provado de um engenheiro inventado

Há muito muito tempo trabalhei numa agência de viagens especializada em mergulho subaquático, um dos tantos trabalhos inusitados que tive enquanto não atinava com a minha verdadeira vocação. Invejo um pouco as pessoas que tiveram sempre rumo: à minha irmã, por exemplo, desde a mais tenra infância lhe escutei a vontade de vir a ser professora primária, profissão que efectivamente exerce.
Fui arregimentada para a tarefa num evento de marketing desportivo por um dos patrões da mencionada agência, um francês chauvinista, como o são um pouco todos os franceses, que tratava os portugueses com uma condescendência irritante - até os seus pares, até os seus clientes. Manifestamente ter-me-á contratado por saber que me poderia pagar tuta e meia e até moldar-me às suas exigências de rigor laboral, mas a coisa não lhe terá corrido muito bem...
Apesar de não ir muito à bola com o francês, quando conheci o seu sócio português as minhas expectativas de poder vir a gostar daquela agência defraudaram-se ainda mais. Era um fulano bem parecido, imerso em tiques de beto no trajar e no linguajar. Tinha inclusive um certo esgar de desprezo na forma como colocava os lábios que se destinava a manter a distância dos que não eram da sua pretensa estirpe. Tratava-me com tamanha altivez que eu chegava a ter dó da sua desmesurada idiotice.
Percebi ao cabo de poucos dias a que distintas famílias se gabava de pertencer: a mãe dele quando telefonava pedia para falar com o Doutor Paulo. A cagança era, pois, genética.
O pior é que o dito Doutor não sabia alinhavar o sujeito com o predicado e confundia a segunda pessoa do singular com a do plural. Perguntava aqui à miúda como se escrevia isto e aqueloutro, confiante de que os calhamaços do Lobo Antunes que eu transportava me haviam de estar ensinando alguma coisa, já que para agente de viagens não parecia acusar muita habilidade. Tenho ideia que seria engenheiro, pelo menos uns relatórios científicos terá escrito ou terão escrito por ele. Mas agora que penso nisso, nunca falava nos tempos de faculdade... Será que a mãezinha tinha uma cunha na farinha Amparo?
Os dois sócios andavam permanentemente de candeias às avessas, não se suportando mutuamente - nem com molho de tomate! - e não concordando em coisa alguma: o ambiente era de cortar à faca. Por isso, quando algum deles se ausentava aplicava-se sumamente a máxima:

- Patrão fora, dia santo na loja

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Provérbio autobiográfico - II

Desde os catorze anos que escrevo poesia, a prosa veio mais tarde e normalmente num tom poético e ainda confessional. Pequenas histórias com personagens ficcionadas, princípio, meio e fim, mais tarde ainda.
Regressemos então ao princípio, para que esta seja uma pequena história, apesar de assim confessional. Convém referir que o prazer da leitura foi uma obsessão que me derrubou como um raio quando aprendi a ler na longínqua primeira classe e aí comecei a desenvolver o amor ao objecto livro. Mas lia tudo o que apanhava: desde jornais e revistas até à publicidade existente nas ruas, lojas e supermercados, menos omnipresente contudo do que nos dias de hoje. Recordo-me perfeitamente do dia em que li pela primeira vez: regressava da escola à tarde e reparei numas letras azuis pintadas ao lado da porta do meu prédio; foi assim que a minha primeira frase foi VOTA APU.
Continuei sempre a ler, a ler muito; tanto que a minha avó dizia que me estragaria a vista. E as avós têm sempre razão: na terceira classe já acusava dioptrias precoces e comecei assim a usar óculos com nove anos. Com os ditos na ponta do nariz, iniciei-me na chamada literatura para adultos. Ataquei Uma família inglesa e depois as Obras completas de Júlio Dinis, uma colecção de capa dura, monótona, verde escura que repousava nas estantes familiares. Percorri todas essas prateleiras com curiosidade e dedicação, até perceber que por mais voltas que desse Malraux não era para a minha idade.
Tinha eu os supracitados catorze e comecei a fazer tentativas de versos em folhas pautadas que coleccionava num dossier. Pus de parte uns dez poemas e levei-os a ler à minha professora de português do oitavo ano. Levava um soneto quase perfeito, uma coisinha de arrancar Ohs de espanto e admiração no meu entender. Mas a professora não me deu grande saída: foi cortês e elogiou-me apenas o suficiente. Não sei onde pára esse dossier, perdido eventualmente lá na terra entre antigos livros escolares e testes com boas classificações.
Depois vieram os caderninhos dos mais variados tamanhos e feitios, muitos deles com capas às flores, uma colecção que me faz viajar até aos anos noventa da minha juventude e início da idade adulta. Neles tantos desabafos e dores de cotovelo, numa insatisfação sem nome, cantiga da mó de baixo.
Num dia de 2008 - e aqui muitos já sabem sobejamente onde isto vai parar - iniciei o blog dos Provérbios Provados que acabou por me trazer a vós: uma página onde escrevo pequenos textos, rimas de pé quebrado e verso branco a partir de provérbios e expressões idiomáticas. Pelo caminho, um livrinho de poesia publicado em 2018, um projecto de contos já pronto a editar, um romance sensivelmente a meio.
Fui perdendo a vergonha de mostrar o que escrevo, apesar de saber que muitas vezes não tem a qualidade que gostaria. A literatura sempre a coisa mais importante da minha vida. O sonho que me salva, que me faz respirar e ter a pretensão de ajudar também outros a respirar

- O sonho comanda a vida

(Escrito em 2019)

Provérbio provado rimado - DCCXLIII

Para saberes se um homem
Não quer só sexo fazer
Porquanto tantos consomem
Tudo o que lhes aparecer

É propor apenas dormir
Numa agradável conchinha
Verás se quer dividir
Ou se te deixa sozinha

Porque o sono partilhar
É romântico que se farta
E se ele enfim ressonar
Vá para o raio que o parta

Provérbio provado rimado - DCCXLII

Se eu tivesse um jardim
Teria amores-perfeitos
Tu cuidarias de mim
Podavas os caules desfeitos

O meu fiel jardineiro
Semeavas e cuidavas
Desde Março a Fevereiro
O meu jardim tu regavas

Quando viessem os ventos
Terias especial cuidado
E serias nesses momentos
O meu melhor namorado

Tu nunca desistirias
De me colher quando quero
Com tristezas e manias
Voltar à estaca zero

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Provérbio do bom bandido

O Paulo deixou a escola tão cedo que nem aprendeu convenientemente a ler e a escrever. Eram muito, tão!, pobres lá em casa que era preciso trabalhar para ajudar a família. Não foi prejudicado nem privilegiado: todos os quatro irmãos Santos tiveram a mesma sorte.
O Paulo tornou-se então precocemente um miúdo a alancar nas obras com homens feitos. Saía com eles após o trabalho e iam para as tascas beber e fumar; às vezes iam às meninas para aliviar a tensão. Em tudo o Paulo alinhava, sentido-se crescido, achando que aproveitava da melhor forma o dinheiro que não tinha que entregar em casa.
Um dia conheceu o amigo de um colega. O Alberto era barulhento, divertido à brava, um pouco apoquentado, e andava sempre com uma valente moca. Tinha um carro vistoso, amarelo, e começaram a dar umas voltas e a andar sempre juntos, o Paulo e o Alberto. Foi assim que o miúdo que se achava suficientemente crescido fumou o primeiro charro e em poucos meses já estava a dar no cavalo. Deixou de entregar dinheiro em casa. Na casa onde já quase mal aparecia.
Até começarem a fazer bombas de gasolina foi um pulinho. Operavam com facas, de noite, perto da hora do fecho. O Alberto é que era o cabecilha: engendrava os ataques, conduzia o carro, extorquia o dinheiro e dava voz de comando ao Paulo que se limitava a fazer figura de corpo presente, empunhando a faca enquanto a ressaca tomava conta de si.
Claro que a sorte um dia deixa de bater à porta e foram catados. No xelindró o Paulo desbroncou-se todo e entregou o Alberto que ficou preso. Os polícias acenaram-lhe com um tratamento e foi o bastante para o Paulo vislumbrar uma hipótese de um futuro diferente e uma reaproximação à família Santos.
Foi para uma comunidade terapêutica no meio do campo onde esteve um ano a tomar metadona e a fazer intrincados exercícios psicológicos. Chegou a ter uma paixão platónica por uma rapariga de boas famílias que se tinha agarrado à cocaína e que tomou em mãos a tarefa de o ensinar a ler e a escrever.
Saíu limpo, disposto à reinserção social e a ir tirar um curso de cozinha. Regressou para casa dos pais e logo na primeira semana reencontrou velhos colegas e amigos do bairro: a notícia de que tinha voltado correu célere.
Numa noite voltava sozinho a pé do café e saiu-lhe ao caminho um sujeito desdentado. O Paulo só teve tempo de ver a lâmina da faca e ouvir a frase: Venho da parte do Alberto, ele manda cumprimentos da prisão...

- Bandido bom é bandido morto

Provérbio provado rimado - DCCXLI

O mar é a religião
De toda a mãe Natureza
Olhá-lo é qual oração
Por tocar no céu de certeza

É a linha do horizonte
Que confunde o céu com o mar
E o sol que nela desponte
De manhã se ponha a brilhar

Vê-lo ao longe ou vê-lo de perto
Aspirar a nítida maresia
Das melhores sensações decerto
Que podemos ter qualquer dia

Tudo isto com que aqui rimo
São verdades de La Palisse
Mas apenas a vós vos confirmo
Lembrar-se-ão daquilo que disse

Provérbio provado rimado - DCCXL

A vida é um gelado rio
Onde tememos de frio
Com esforço vamos nadando
E contra a maré remando

Os outros peixes que nadam
Nem sempre muito agradam
Pois ocupam o seu espaço
Olhando somente o regaço

A lição que aqui há a tirar
É deixá-los também nadar
Não há muito mais a fazer
Que viver e deixar viver

Provérbio provado rimado - DCCXXXIX

A maior parte das amizades
Trago da minha juventude
Que se prestou às realidades
De fazer amigos amiúde

Mas depois na vida adulta
Também tive bastantes contactos
Com gente mais ou menos culta
De maiores ou menores aparatos

A Ju foi um desses casos
Foi minha colega de trabalho
A vida traz destes acasos
No meio de tanto espantalho

Open space com mais de cem
Estava a meu lado sentada
Era tão destravada porém
E tinha uma grande pancada

Fui logo com a cara dela
Quando chegou de manhã
Ainda a limpar a remela
No meio do maior afã

Às vezes a Ju praguejava
Se lhe dava na veneta
As querelas não negava
Fazendo uma típica careta

Fiquei só um ano por lá
Saturei-me daquela agência
A Ju também já lá não está
Mas mantemos correspondência

Cada uma foi para o seu lado
Chegou um dia a despedida
Mas a amizade tem perdurado
Apesar das esquinas da vida

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Provérbio provado rimado - DCCXXXVIII

Pneus e pregos misturados
Nunca deram bons resultados
Furei o meu que grande pincel
Mais despesa p'rá folha de Excel

Provérbio provado rimado - DXCCXXXVII

Na garagem pisas baratas
Mas dificilmente as matas
É bicho muito resistente
Não expira sob o pé da gente

Há pessoas por certo assim
A aguentar firme até ao fim
Sempre de cabeça levantada
Abaixo não as deita nada

Têm qualidades várias
Às vezes são autoritárias
Em frente sempre andando
No seu quero posso e mando

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Provérbio provado calcorreado

O local desta história é uma vila histórica e muralhada onde decorre um evento literário outonal. As personagens três mulheres acompanhadas pelo filho de uma delas, criança curiosa sem ser birrenta ou mal comportada.
À hora em que começa a história propriamente dita, as ruas ficaram de repente estranhamente desertas. Há mais de meia hora que sobem e descem, descem e sobem, o empedrado irregular, entrando e saindo das muralhas, à procura de um restaurante que a memória de uma das mulheres tenta convocar. Têm muita fome e a noite já desceu; desceu uma noite de Outono, a primeira verdadeira noite húmida e fria daquele Outono, e estão mal agasalhadas. Os restaurantes que vão encontrando todos caríssimos, fora de questão para o orçamento que haviam estipulado. Uma das mulheres prestes a transformar-se numa criança birrenta e mal comportada, para além de constipada, mas a criança mantém-se imperturbável.
Às tantas, aparece ao virar de uma esquina, um restaurante sem aquele ar de armar ao pingarelho, as letras Churrasqueira pintadas no toldo. As mulheres sorriem, estão cansadas, já nem querem apreçar: É já aqui! Entram portas adentro de sopetão e deparam-se com toda a comitiva de escritores e artistas do festival literário: Ora bolas, isto é só para convidados!
A mãe da criança e o seu rebento são imediatamente reconhecidos por um amigo, pois o pai da criança era o gajo que iria actuar no dia seguinte com a sua viola no encerramento do festival. O amigo tem a ideia peregrina de sugerir às quatro esfaimadas criaturas que dêem o nome como acompanhantes do gajo, olha agora!
E foi mesmo assim que sucedeu: zero opções gastronómicas transformaram-se num catering variado que incluía bebidas e sobremesas. Tudo à borla, claro.

- Quem ri por último, ri melhor

Provérbio provado rimado - DCCXXXVI

Se vens estragar o que está feito
Podes estacar e recuar direito
Vens borrar a pintura é o que se vê
Não adianta ser em dégradé

Provérbio provado rimado - DCCXXXV

Eu cá não gosto de peixe cru
Se está na moda come-o tu
Nunca percebi tanta histeria
O sushi a mim dá-me azia

E o gin que também está na moda
Põe-me a cabeça a andar à roda
Não me agrada ao meu palato
Mas todos fazem dele aparato

São duas coisas muito caras
Não dão para carteiras avaras
Dão porém azo a imitações
Para quem quer poupar uns tostões

Assim é trendy com pouco dinheiro
Aquele que quer parecer lampareiro
Estar nos locais com ar moderninho
De barba aparada bem penteadinho

Mas não pode sempre surgir influente
Nem todo o dia se come pão quente
Dentro de portas come torradas
Como as pessoas remediadas

Provérbio provado rimado - DCCXXXIV

Pato bravo culto não o negues
É o que escreve livros de cheques
Construtor civil improvisado
Faz o serviço mal orçamentado

De má qualidade é a sua obra
Zangas e fúrias há-as de sobra
Dá sempre barraca nos dois sentidos
Apanha os clientes desprevenidos

É um pato dos espertalhões
É assim que arrecada milhões
Há desta espécie por todo o país
Diz que faz e não faz o que diz

Tem uma postura característica
Digna de figurar na estatística
Usa relógio de ouro todo o ano
Engana fulano beltrano e sicrano

sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Provérbio provado rimado - DCCXXXIII

É impossível gostar
Igual de toda a gente
A quem não quer agradar
É melhor ser indiferente

Quando os santos não casam
Instala-se grande tensão
São sentimentos que arrasam
Uma eventual afeição

A falta de empatia
É uma coisa de pele
E a cara denuncia
Quem o outro repele

Pior é estar na berlinda
Do outro ser-se um alvo
A pessoa não ser bem-vinda
Fazer figura de papalvo

Provérbio provado rimado - DCCXXXII

A mãe galinha que aquece
Os pintos debaixo da asa
Uma medalha merece
Que distinga a sua casa

A capoeira é o lar
Onde agrupa o milho
Que irá aos pintos dar
Desde que não haja sarilho

Pintainhos em fileira
Só saiem da capoeira
Quando a galinha os guia
Com tanto desvelo os cria

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Provérbio provado rimado - DCCXXXI

O dia foi uma grande canseira
Está na hora de ir descansar
Diz aos putos que acabou a doideira
A família vai-se toda deitar

Há uma frase que nunca falha
É a célebre chichi cama
E depois quando lá calha
Pode ser que até haja chama

Desejo-te então uma noite feliz
Ginástica boa com a tua mulher
Desde que não partas o nariz
Que te contentes com o que houver

Se não houver nada tem paciência
Que amanhã também é dia
Os preliminares são uma ciência
Tem sempre em conta esta ousadia

Provérbio provado rimado - DCCXXX

Já o meu livro compraram
E quinze euros gastaram
Não o deixem arrumadinho
Vão lê-lo com todo o jeitinho

Obrigada pela atenção
Agradeço do coração
Recebam de mim beijos mil
Até eu esticar o pernil

Provérbio provado rimado - DCCXXIX

Não quero mais nada contigo
Nem és sequer meu amigo
És torpe e és egoísta
E até um pouco vigarista

Não me irei arrepender
Não tenho nada a perder
A conversa acaba agora
Desopila daqui para fora

Provérbio provado rimado - DCCXXVIII

Palavra puxa palavra
Assim se faz uma quadra
Sílabas devem ser sete
Esta escriba não promete

Pois a quadra é cantada
Na carola alinhavada
Feita em dois minutos ou três
Sai toda de uma só vez

Provérbio provado rimado - DCCXXVI

As paredes de qualquer cemitério
Só servem mesmo para enfeitar
Os de dentro não podem sair
Os de fora não querem entrar

Ninguém quer ir para lá
Desde que esteja bem do miolo
Deseja viver muitos anos
Não quer cedo ir fazer tijolo

Provérbio provado rimado - DCCXXVI

Para um careca ir pentear
Um pente sem dentes deve bastar
Não gasta enfim nenhum dinheiro
Porque não precisa de cabeleireiro

Dizem que é dele que elas gostam mais
Não se sabe por que artes fatais
Coisas que se falam pelos cotovelos
Mas ele já está mesmo pelos cabelos

Provérbio provado rimado - DCCXXV

Para que a sopa te não incomode
O melhor mesmo é cortares o bigode
E quando fores até ao urinol
Não te esqueças de afastar o cachecol

Líquidos com pêlos não casam
É certo que facilmente extravasam
Vá lá não faças tábua rasa
Ou terás sempre suja a casa

domingo, 24 de novembro de 2019

Provérbio provado rimado - DCCXXIV

Tantas vezes eu ouvi dizer
Que aos quarenta tudo começa
Ainda estou à espera de ver
Que espectáculo de vida é essa

Quarenta já vão bem lançados
E acabo de fazer mais um
Ou os ditos foram inventados
Ou não fazem sentido nenhum

É verdade que noto diferença
Em coisas que não vêm ao caso
Mas não é nada que me convença
Continua a ser obra do acaso

O problema é meu se calhar
Não crer no mito dos quarenta
Falta-me ter fé e interiorizar
Que agora ou vai ou arrebenta

Provérbio provado rimado - DCCXXIII

Já muitas tampas levei
Nem sei como aguentei
Fiquei a chorar sozinha
Que remédio é a vidinha

Claro que por sua vez
Com mais ou menos altivez
Dei as minhas tampas também
Mandei muitos moços à mãe

Não há um modo perfeito
O essencial é respeito
Esperar que o outro não cegue
E aos poucos se desapegue

Provérbio provado rimado - DCCXXII

Não sejas hipocondríaca
Não tens a doença cilíaca
As cefaleias são normais
Também as dores menstruais

E essa tensão cervical
Na tua coluna vertebral
É de toda torta te sentares
E muito peso carregares

Portanto tens uma escoliose
Mas esquece isso da psicose
És só um pouco inconstante
Não é nada de importante

O estômago embrulhado
É de comeres tanto folhado
Se não queres ter obstipação
Pensa é em cortar no pão

Essa voz rouca de bagaço
É de fumares por dia um maço
Era fácil se nenhum fosse
Libertares-te dessa tosse

Como vês não tens argumento
Só precisas ter discernimento
Nem sequer artrites reumatóides
Não tens nicles batatóides

Provérbio provado rimado - DCCXXI

A tua cabeça é teu guia
É nela que lês o mapa
Que segues a curva via
Transpondo cada etapa

É nela que tudo começa
E assim tudo se alcança
Pois quem usa a cabeça
Os próprios pés não cansa

Provérbio provado não degenerado

Quem sai aos seus não é de Genebra, nem sequer é do Luxemburgo, calha bem!
Quem sai aos seus fica cá, não emigra como essa gentalha dos Fortunatos e dos Silvas, que andam por lá a passar fominha - que eu bem sei! - mas depois vêm para cá em Agosto fazer vidas largas e faustosas!
Claro que é uma faca de dois legumes, Maria, filha, aqui a vida não é fácil, ganhas o salário mínimo e já te dás por contente, mas lá em Genebra - ou lá o que é - não é muito melhor, calha bem!
Dá-me cá uns nervos vê-las na procissão todas pirosas a estrear as fatiotas, com bolhas nos pés dos sapatos novos. Não penses que é inveja, filha! São tão beatas como eu, ahahahah.
E as filhas, Maria, as filhas!, vão por um lindo caminho: ele é transparências nos vestidos, bâtons vermelhos, saltos vertiginosos, ondulações a quente nos cabelos - como é que aquilo se chama: beibiliz? -; a pronunciarem os nomes com o sotaque do Luxemburgo: Carrlá para cá, Clôdiá para lá. Revolvem-se-me as tripas.

- Quem sai aos seus não degenera

sábado, 23 de novembro de 2019

Provérbio provado num verso branco - LXVII

Atravesso sempre fora da passadeira que há na rua dos teus braços
E assim ignoro que podia haver um caminho mais seguro para ti

É uma rua muito inclinada que pede que o meu esforço aprenda a respirar
Mas eu tenho pressa de te abraçar e corro mais do que a velocidade permitida 

Amanhã é sempre tarde para te encontrar
Por isso rumo na tua direcção ausente de cuidados

Sigo então à margem do favorável
Sem garantias de que verdadeiramente és presente


Provérbio provado rimado - DCCXX

A Sandra é uma mãe galinha
Que até tirou pão da boca
Criou o filho sozinha
Defende-o feito louca

O melhor que há lhe deseja
Protege-o de qualquer mossa
E diz quem o meu filho beija
Minha boca tanto adoça

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Provérbio provado num verso branco - LXVI

O desespero não é um monopólio teu
É preciso olhar o umbigo alheio como um olho seco de lágrimas
A vida não se compadece dos tristes
Faz-nos a folha mais rápido do que demora a dizer folha

Provérbio provado rimado - DCCXIX

A discussão muito estala
No seio familiar
É lide que quando embala
Teima em não acabar

A troca fértil de ideias
Que se assumem livremente
Abunda às duas mãos cheias
Ninguém é mais sapiente

É um espaço confortável
Que a autenticidade aplaude
Num acolhimento saudável
Que só denuncia a fraude

Os pais são mais rigorosos
E as mães mais permissivas
Mas ambos são extremosos
A premiar iniciativas

Da conversa brota a luz
Que alumia a verdade
Cada um assim deduz
Como for da sua vontade

Às vezes há exageros
Dos quais pode advir mágoa
Se alguns são mais sinceros
E oscilam o copo de água

Nele a tempestade se agita
E pode até transbordar
Se quem participa grita
A conversa vai estragar

Provérbio provado rimado - DCCXVIII

São seres muito asseados
Que nunca se interrogam
Como restos requentados
Que continuamente sobram

Há quem lhes dê a dentada
Em sinal de absolvição
Mas vê que não sabem a nada
São isentos de emoção

Moscas mortas que só voam
Em círculos repetidos
Da multidão não destoam
Não lançam ais nem gemidos

Põem-se em primeiro lugar
E não esboçam um gesto
Se é para alguém ajudar
Só vão se também for o resto

Sem opinião que se veja
São uns peidos amarelos
Gente que nada deseja
A não ser calçar os chinelos

Se um dia veiculam ideias
Que são da massa distintas
Não têm as certezas cheias
E podem ser troca tintas

Provérbio provado rimado - DCCXVII

Os verdadeiros amigos
Não usam impôr-nos castigos
A nossa afeição não exigem
Ideias não nos impingem

De egoísmo apartados
Não querem ser reembolsados
Quando nos dão atenção
Sem ser por obrigação

Têm genuíno interesse
Esperam sempre que regresse
Alguém que se desligou
Outros amigos encontrou

Não hesitam em aplaudir
Quem está na vida a subir
Já que o sucesso alheio
Os deixa de coração cheio

Se surge a dificuldade
Ela põe à prova a amizade
Pois é no aperto do perigo
Que se conhece o amigo

Provérbio provado rimado - DCCXVI

Quando o tratamento inauguro
Por tu a alguém inseguro
Logo essa pessoa pensa
Que estou a ser muito intensa

Não entende que ser informal
Devia ser um gesto banal
Não implica falta de respeito
Nem tão pouco é um defeito

Crê que manter a distância
É coisa de muita importância
Tem um comportamento afectado
Tão snob e premeditado

Se vem com frases do estilo
Você isto você aquilo
Fica parva a minha alma
E luto por manter-me calma

(Ilustração: Rui Louraço
www.instagram.com/condecascais)

Provérbio provado rimado - DCCXV

Eu vou deixar-te partir
Já que assim usaste pedir
Não mais te contactarei
Teu gesto respeitarei

Se falaste mesmo a sério
É para mim um mistério
Há qualquer razão escondida
Para te pôres de fugida

Não sei qual é o segredo
Mas mesmo o maior degredo
Podias ter partilhado
Que ter-te-ia escutado

Ou então é motivo fútil
Foi talvez um acto inútil
O nosso encontro primeiro
Pelo visto derradeiro

Quando me disseste adeus
Tal foi de bradar aos céus
Foste tão condescendente
Pleno de desamor decadente

Achas-te muito importante
Por me teres concedido um instante
E cá na minha opinião
És mesmo um grande cagão

Provérbio provado rimado - DCCXIV

Com dedicação e afecto
Fiz o teu prato predilecto
Passei as tuas camisas
Até as que não precisas

Fui muda e obediente
Para te deixar contente
Fiz-te todas as vontades
Cheia de habilidades

Por ti em casa aguardei
E o ditado interiorizei 
Fica a mulher no lar
Ouvindo o grilo cantar

Um dia acordei fartinha
E decidi ficar sozinha
O divórcio eu requeri
Sou bem mais feliz sem ti

Fadas de um lar arrumado
São já coisas do passado
O machismo de antigamente
Não se tolera no presente

Provérbio provado rimado - DCCXIII

Poupa-me os teus comentários
Os reflexos incendiários
Que a tua cara fechada
Não me traz preocupada

Tomas as pessoas de ponta
Se representam uma afronta
Ou quando te fazem sombra
Te escurecem a tromba

Seres assim invejosa
E muito tendenciosa
Por dentro só te devora
É o que parece de fora



Provérbio provado rimado - DCCXII

Num aquário de piranhas
Navegam feras tamanhas
Que se alimentam do sangue
De qualquer peixinho exangue

Engolem os predadores
Todos os que são menores
Apanhado desprevenidos
Os peixes são logo comidos

Comer a presa assim viva
É coisa assaz aflitiva
Tão sombria de se ver
Para quem por lá aparecer

É um tal Deus nos acuda
Que é precisa uma ajuda
Falta ideia peregrina
Que desinfecte a piscina

Provérbio provado rimado - DCCXI

O circo chegou à aldeia
Trazendo uma mão cheia
De esforçados artistas
Que gostam de dar nas vistas

Ensaiam as piruetas
E as diferentes caretas
Com que entretêm o povo
Que anseia por algo novo