Provérbios Provados noutras casas:

sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Provérbio provado pelos demais desinteressado


Bem nos avisaram repetidamente enquanto crianças: aproveita bem agora que esta é a melhor época da tua vida! Claro que nessa altura não fazíamos grande caso: ainda faltava muito Outono antes de chegar o tempo em que passa a ser ele a colorir-nos os dias. Nesses quilómetros iniciais nem tão pouco lográvamos lá chegar - apesar de qualquer criança conseguir crescer meio metro só com um capricho da imaginação...

Só depois, mais tarde e mais crescidos, quando mais meio metro é uma realidade incontestável, temos essa percepção, quase uma consciência material de perda dos melhores anos e a certeza da sua impossível substituição. 

Uma das faces mais cruéis da vida adulta acomete-nos precisamente quando nos achamos na mó de baixo. Quando estamos mal mas nos é impraticável parar, mesmo adivinhando os benefícios de uma pausa. São as obrigações que nos oprimem, cada vez mais à medida que se vão acumulando. É a ditadura do encargo sempre a estugar o passo, tantas vezes sem meta à vista. Se acaso procrastinamos e não somos bem sucedidos na execução, ainda mais diminuídos nos quedamos.

O carrossel não cessa a sua interminável viagem: há prazos para cumprir, tarefas para realizar, contas para pagar. Sempre uma urgência como se cada dia tivesse apenas quatro e não vinte e quatro horas. Não vale olhar, pois, para os lados.

À nossa volta, os que gravitam nessa mesma órbita não prestam atenção quando nos encontramos incapazes e sem forças. Têm as suas próprias contas, tarefas e prazos. O que realmente nos é pedido é que continuemos funcionais e saibamos disfarçar a omnipresente ansiedade que precede o penalti. 

Assim, é dispensável que nos digam que Fulano, Sicrano ou Beltrano travam uma luta mais inglória e que o seu quotidiano só conhece dificuldades. Somos cegos às suas necessidades porque têm o umbigo tapado. Para nos confrontarmos com o nosso, basta inclinarmos o pescoço.


- Com o mal dos outros posso eu bem 

quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Provérbio provado num verso branco - CXXIX

Ao menor gesto cúbico de vento

Deixa-se facilmente voar

Com o corpo desfeito qual pluma

A cabeça parte sempre primeiro


De tantos cenários anticoagulantes

Corre-lhe diluído o sangue nos vasos

Uma grande ajuda para quem quer flutuar 

Quando a nortada sai vitoriosa 


Ao sabor dos vagos dias inúteis

Sem se esquecer dos feriados 

Acredita que também dançam as estrelas 

Ao menor gesto cúbico de vento 


Sabe a cor do sol quando lho permite a chuva

Nunca há bastantes chapéus para essas visitas 

Nem almas suficientes em nenhuma imagem reflectida 

Mulher de vento brilha como um um espelho 



Provérbio provado bem arreado

 A demografia não mente e a estatística é cirúrgica no demonstrar dos dados. Faltava-lhe somente um par de anos para atingir a terceira idade. Mas o problema é que a Julieta não queria largar a segunda nem por nada. Nem que a vaca tossisse a palha mais seca.

Considerava-se uma atraente mulher madura e a prova estava nos olhares masculinos que coleccionava quando andava na rua e que conseguia atrair sem grande esforço. Era mesmo caso para dizer que a Julieta ainda rompia meias solas.

Como qualquer fêmea que a formusura agraciou, sofria do síndroma da mulher bonita: só se aproximavam dela com segundas - e terceiras e quartas! - intenções. Dessa forma, sofria por causa do seu aspecto que já a tinha feito obter alguns favores, que acabavam o mais das vezes em dissabores quando ela demonstrava por A mais B, com toda a confiança que emprestava à voz, que o seu corpo não era moeda de troca. Habituara-se a desconfiar das aparentes boas intenções que só serviam para sobrelotar o inferno.

No entanto, toda esta questão se lhe revelava agridoce ao palato. Porque lá no fundo lhe assentava bem a atenção masculina. Porque a auto-estima nunca é de sobra, nem sequer para a Julieta, sempre tão segura de si. Era toda uma renda gasta em cosméticos, cabeleireiro e vestidos.


- A mulher que bem se arreia nunca é feia 

Provérbio provado rimado - MCXCIII

O Arlindo não abre a boca
Passa todo o tempo calado
Sempre com a mesma roupa
Não se sente incomodado

A mulher é a Letícia
Poeta desde a juventude
É um anjo sem malícia
Que dá esmola amiúde

Sem filhos este casal
Tem como cão o Romeu
Que por razão anormal
Não ladra a quem lhe bateu

Estanho triunvirato
Não transmite confiança
Faz equacionar cada acto
Até a uma criança

Se tal homem não fala
E faz versos a mulher
O cão o latido cala
Deles não te podes valer

Guarda-te então dessa gente
Que é bastante invulgar
Nesse comportamento diferente
Torna-se difícil confiar 


Provérbio provado rimado - MCXCII

Eu tenho a alma enrugada

Não sei passá-la a ferro 

Nas veias não há quase nada

Estou prestes a dar o berro


A vida por vezes parece

Estar muito perto do fim

A cada dia fenece

Separa-se mais de mim 


De tal forma sou estrangeira

Quando o meu corpo não sinto

E a sensação derradeira

É que a mim mesma minto


Quando finalmente desperto

Estou feita em trinta mil cacos

Vejo um futuro incerto

Peço que me mordam macacos


Pois nem quero acreditar

Que continua a batalha

Com a vida em constante girar

Não é permitida uma falha



sábado, 23 de setembro de 2023

Provérbio provado quase finado

As pessoas não se cansam de repetir que O futuro a Deus que pertence mas eu, como ateu, não tenho acesso privilegiado à informação.
A amiga da Luísa - aquela que é taróloga, astróloga, cartomante, quiromante e mais ainda que não pude fixar - tentou deitar por terra o meu cepticismo, porém foi mal sucedida. Só fui mesmo a uma segunda sessão porque a queria convidar para um cafezinho longe das cartas e cristais. Ela não aceitou e, então, desisti antes do Diabo esfregar o segundo olho.
Se até certos factos científicos eu contesto! Depois de se colocar qualquer hipótese, a experimentação tem de ser criteriosa e ser-me apresentada ao detalhe.
Onde é que eu ia mesmo, minha querida? Ah, o futuro do qual nem a divindade se apossa, já que ele depende muito do livre arbítrio.
Claro que há criaturas que se limitam a repetir incessantemente as horas, sem rasgo nem surpresa, apenas acumulam os dias que depois se fazem anos até ao último suspiro chamar a morte a caminho da cidade dos pés juntos.
De que serve viver a vida toda com miúfa sem nunca arriscar um ramo verde? Olha para mim: num ai ficamos velhos e andamos por aí a balões de soro, uns já sem memoria, outros com a cachimónia atolada de contas inúteis. Que interessa agora quanto mais tempo falta para se dormir o sono eterno quando não se aproveitou a vida?
É aceitar enfim a velhice que não passa de uma grande chatice, sabes Clarisse? E reconciliarmo-nos com a morte, principalmente se estamos no bico do corvo...

- Estar com os pés para a cova 

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Provérbio provado rimado - MCXCI

Não comeces a ser garganeiro 

Ou desce o pau de marmeleiro 

E um pano encharcado na tromba 

Cai-te em cima como uma bomba


Cabeçada à Cais do Sodré

Para aprenderes como é

Vê se tens mais respeitinho 

E ficas num canto quietinho 



quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Provérbio provado rimado - MCXC

Quem anda de antenas no ar

E os erros alheios procura

Não me pode impressionar

Porque não está à minha altura


Let it be é uma canção

Que transmite uma boa ideia

Transformou-se no meu pregão

E deixa-me a alma cheia


Pois ter pelos outros respeito

Tolerar os seus comportamentos

Por ninguém ser só perfeito

Evita maus julgamentos



sábado, 9 de setembro de 2023

Provérbio provado num verso branco - CXXVIII

Por mais que te apresses e saltes e rodopies

Apenas te é permitido um passo de cada vez

A tua perna é sempre maior que o passo


Respira fundo e conta quantas nuvens voam no céu

A única boa precipitação é a chuva



sexta-feira, 1 de setembro de 2023

Provérbio provado rimado - MCLXXXIX

És deveras enganador

Com a língua cheia de petas

Nem te sobe à cara um rubor 

Ste pões com as tuas tretas 


Na posse de todos os dentes

As mentiras igualam as febres

E se tu corres como mentes

Tens convite para ir às lebres



Provérbio provado rimado - MCLXXXVIII

A verdade possui factos

Muito fáceis de repetir

Já a mentira é dos actos

Mais fáceis de digerir


Face à difícil verdade

Há a mentira piedosa

Que possui a faculdade

De ser bem mais engenhosa


Quem à mentira se sujeite

Faz mossa e provoca mágoa

Que a verdade é como o azeite

Vem sempre à tona da água



Provérbio provado rimado - MCLXXXVII

A Telma já se reformou

E veio uma substituta

Que o seu lugar ocupou

Com uma postura astuta


Se é boa sucessora

Isso só o tempo dirá

Mas de momento a Aurora

Não despe a cara de má


Intitulada superiormente

Pelo chefe do chefe normal

Estima tornar-se vigente

E um tecto orçamental


Assim degrau a degrau

O que a Aurora deseja

É guito a dar com um pau

E uma chefia que seja


O que ela diz já é lei

E é para tantos desgosto

Que logo após morto o rei

Há imediato rei posto



Provérbio provado rimado - MCLXXXVI

Não peças a quem serviu

Nem sirvas a quem serviu

Tu pede a quem o herdou

Que não sabe o que custou 


Que não dá qualquer valor

Ao que ganhou sem suor

E lhe assegurou os sustentos

Já que vive dos rendimentos 



Provérbio provado rimado - MCLXXXV

Desde que não aleije ninguém

E não opere fora da lei

Escusam de me vir com desdém

Que eu caguei e andei



Provérbio provado rimado - MCLXXXIV

Olha lá que os falsos amigos

São como aves de arribação

Fogem no Inverno para abrigos 

Para assim evitar a estação


Enquanto houver soalheiro

E se persistir bom humor

Estiver cheio o mealheiro

São amigos em todo o esplendor 


Mas quando tratam de bazar

Para ir chular outras almas

Que não se podem preparar 

E são assaltadas nas calmas


O pior é se acaso a desgraça

E as portas a que ela bate

Chegar com ar de trapaça

Pronta para grande combate


É sabido que nunca vem só

A nossa desgraça e a alheia

De quem sofre não tem dó

A coisa fica mesmo feia


Um dia as nuvens emigram

Destapando o sol que acordou

O que faz com que todos digam

Que o infortúnio parou




Provérbio provado rimado - MCLXXXIII

Há dias em que nada pega

Não há ideias brilhantes

A rotina é que sobrecarrega

A magia que há nos instantes


Se quero que surja à força

O melhor poema do ano

Por mais que a vontade se torça

Só sobreviverá um engano


Mas há porém certos dias

Em que o verso tudo inunda

São tantas as sintonias

Talvez alguém se confunda


É então que é de aproveitar

Escrever uns provérbios provados 

Que não me chego a cansar

Porque o faço de olhos fechados



Provérbio provado rimado - MCLXXXII

Quem quer peixe molha o cu

Se for pescar todo nu

Mas há quem vá para o pontão

Ou para a pesca de arrastão


Por isso quem quer que nade

Um peixinho no seu prato

Que molhe o cu com vontade

Assim até sai mais barato



Provérbio provado rimado - MCLXXXI

Quando já não me quiserem

Eu irei à minha vidinha

Mas enquanto atentos me lerem

Fico aqui na alegre casinha


Este espaço é divertido

E ninguém cá faz salsifré

Para provar o provérbio escondido 

Daqui não arredo mais pé