Provérbios Provados noutras casas:

quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Provérbio provado rimado - MCCXXVI

Sinto que tens uma amante

Nalguma terra distante 

Já que és tão indiferente

Ao que me faria contente


Ou então amantes são duas 

Vivendo bem perto das ruas

Que levam ao teu coração

Sem descartar a tesão 


Amantes talvez sejam três

Que tu visitas à vez 

Enquanto eu fico pra trás 

Fui só um instante fugaz


Assim só resta concluir

Que não adianta coagir

Porque se não estás na minha

Mais vale que fique sozinha 



Provérbio provado rimado - MCCXXV

Quando chegas acompanhado

Porque estás de vinho entornado

Que bebeste como aperitivo

E te pôs assim reactivo


Se em estado de embriaguez

Te comportas como más rês

Ficas bravo e tão quezilento

Que te podes tornar violento


Vê se aprendes de vez a lição

Antes que decretem punição

Sempre que já não estejas sozinho

Convence-te que tens mau vinho



Provérbio provado rimado - MCCXXIV

Naquele céu de cometas

Tu és uma estrela escondida

Não me achas convencida

Prescindes de dizer tretas


Não te pões em bicos de pés

Enquanto a conversa manténs

A piada fácil susténs

Sem convites para cafés


Pareces ter humildade

Sem ser disso orgulhoso

Também não te acho vaidoso

Nem que tenhas má vontade


Já sabes que nada procuro

Sem narrativa alinhada

E por eu não esperar nada

É que podemos ter futuro



Provérbio provado num verso branco - CXXXIII

O diálogo com o espelho pode ser

Mais ou menos proveitoso na medida

Da profundidade do lago em que Narciso se debruça 


Pode inclusive ser uma conversa de surdos

Pode ser o silêncio maior do que o pensamento

Ser o silêncio que inaugura conceitos sem contexto


Mas todo o solilóquio precisa de contradição

Faz falta um interlocutor que retire lógica às perguntas 

E possa compartir a mesma solidão em conjunto 


Que nesse instante de descoberta do outro

Consigamos calar mais e escutar em dobro 

Por isso temos dois ouvidos e apenas uma boca 



Provérbio provado num verso branco - CXXXII

Com mais ganas de abraçar mais imprevisto

Alimento-me de acasos indigestos

Que findam inevitavelmente em azia

Não há um menu cujos pratos evitar

Não há guião prévio com ensaio de passos


Esta ausência de uma reflexão séria

Faz-me aluada contudo enluarada

Por não existir um contrapeso para as coisas feitas

Em cima do joelho com meia bola e força



Provérbio provado rimado - MCCXXIII

Tu põe-te a pau ó Marina

Tem calma e não vires bicho

Não fora esse olhar menina

Já estavas ao lado do lixo


Se a perna te querem passar

Ensaia tu uma rasteira

Que seja outro a tropeçar

Não sejas tu a primeira


Abre a pestana bem viva

Arranca e não faças pó

Quem te considera esquiva

É apenas digno de dó



terça-feira, 28 de novembro de 2023

Provérbio provado para um jogo programado

Só é bom esperar se for para conseguir, pois quem não obtém mais paciência não tem. E o caso é arquivado se não flui como o esperado.

Mais se adverte a quem provérbios for procurar sobre o acto de esperar: estes três não irá encontrar. Porque afinal cada ponteiro é que pode contar quanto tempo lhe custa a espera. Na vida e no relógio, o das horas tem o pavio mais curto e só se movimenta quando a mudança é de monta. Já o que indica os minutos, esse vai a todas: curioso e enxuto, todo se estica para adivinhar qual a medida do calendário.

Se é verdade que quem espera desespera, também está escrito que quem espera sempre alcança. Em que ficamos então? Há que primeiro desesperar para lograr depois alcançar? É bem provável, uma vez que a paciência é uma virtude e, atendendo a que no meio é que está qualquer virtude, por conseguinte no meio de muita paciência a virtude é um meio termo. O que só vem sustentar que tanto paciência tal como virtude e espera não passam de intenções. 

Somente o acto de arriscar permite vigiar o curso da vida. E ter a perna mais comprida para compensar certos passos de gigante. Porque, de quando em vez, há ciclos de solavancos e marés desordenadas. E os oráculos falham que se fartam, principalmente a quem presume que nunca fracturam.

Quem não arrisca não petisca e sem exposição à sorte, seja esta da boa ou má cepa, não se pode contar ganhar um jogo. Assim como não há aventura sem arrojo, não se ganha a lotaria sem primeiro comprar a cautela. Assim sendo, não convém 



- Jogar com os trunfos todos na mão

Provérbio provado rimado - MCCXXII

Quem já viu a treva percebe a luz

Distinta da que um mecanismo produz

Tão parecidas a luz e a imitação

Contêm-se a si e à escuridão


A luz com marcas de sujidade

Retina de quem atravessa a idade

Sabendo que a reputação lhe falhou

Mas com tal questão pouco se importou


Se cego pior é o que teima em não ver

Tão complicado será compreender

Qual das mentiras é a verdadeira

Se do excesso de luz nasce a cegueira



sábado, 25 de novembro de 2023

Provérbio provado rimado - MCCXXI

És um idiota chapado 

E um palerma encartado

Está mesmo na tua hora

Baza daqui para fora 


O teu tipo de assédio

Já não tem mais remédio

Sai sem fazeres alarde

Acredita que já vais tarde 



Provérbio provado rimado - MCCXX

O meu nome é Margarida

E sou muito pouco constante

Nuns dias sou muito querida 

Noutros sou mais beligerante


O meu apelido é Batista

Pois o pê ao nome tiraram

Sou uma espécie de artista

Cujos versos não se publicaram


Às vezes eu ainda espero

Uns centímetros de prateleira

Mas depois logo desespero

Por estar na gaveta derradeira


Por isso mais poemas faço

Para ir aumentando o rol

Que um dia me dê esse espaço

Um merecido lugar ao sol


Onde possa da escrita viver

Com esse tom que me define

O meu maior sonho é escrever

Até que qualquer dia me fine 



Provérbio provado rimado - MCCXIX

Se queres conhecer o vilão

Põe-lhe uma vara na mão

Que com um bocado de jeito

Logo dela abusa a preceito


Dá-lhe um cargo de importância

Onde possa falar com jactância

Onde cheio de autoridade

Possa comandar à vontade


Onde possa sem mais ordenar

Sem ninguém que o vá contestar

Qualquer frase que diz fica lei

Como em se tratando de um rei 


Esse vilãozinho caseiro

Tem um certo ar altaneiro

Que no fundo lhe foi emprestado

Por lhe terem muita corda dado


E então já não podem dizer

Que lhe foi negado poder

Inchou tanto que um dia rebenta

De enfarte antes dos sessenta 



sábado, 18 de novembro de 2023

Provérbio provado despropositado

A Eunice até era boa pessoa: tinha bom fundo, melhores intenções e o conselho certo para cada chapéu. Sabia muito bem o que o interlocutor desejava ouvir e calçava como uma luva o papel do chinelo roto. Do outro lado, o pé descalço sentia-se confortado, concordando com a Eunice embevecido.

O problema era outro. E era grande. Do alto do seu metro e setenta e tal e formas bem arredondadas, o problema era grande. A Eunice era a pior colega de sempre, não cooperando em nenhuma das tarefas que lhe propunham. 

Pedir ajuda à Eunice? Era para esquecer. Precisar que fosse buscar algo? Mais valia dar corda aos sapatos. Realizar qualquer ocupação a quatro mãos? Ela não mexia uma palha e ainda ficava com os louros. Sim, porque a Eunice gostava de fazer bonito com o trabalho dos outros.

Não dava para concluir se era burra ou apenas calona, só se percebia que não estava disposta a dar ordem de marcha aos neurónios. E, tal como quem menos dedos tem na testa, tinha a mania que era sabichona. Que sabia muito da poda. Sempre que pigarreava para botar alto a faladura, dava mesmo vontade de se lhe soprar: Cala-te lá, Eunice, cada vez te enterras mais...

Ela não tinha caído no caldeirão, mas cagava cada sentença com toda a pujança de que era capaz. Era tal a entoação estudada que emprestava à voz que se achava até competente para ensinar a missa ao próprio padre. 

A Eunice, lá no seu fantasioso mundinho, ainda estava à espera da promoção que injustamente lhe fora sonegada. Ainda à espera, porém sentada. Havia tentado vários concursos para outros postos de trabalho mas nunca tinha ficado colocada em nenhuma das opções; com grande pesar seu não era seleccionada. Então tinha de aguentar este emprego mal pago. Este emprego, sim, porque não era verdadeiramente um trabalho. Tendo em conta esse factor, a Eunice até nem auferia pouco, uma vez que o esforço que lhe dedicava era nulo.

Umas colegas chegavam, outras partiam. Partiam por fim para a ansiada reforma ou na direcção de outras colocações. A Eunice não sabia o que fazer a tanto ressaibo. Por isso mandava bocas parvas. Tentava denegrir as competências alheias. Enchia o peito de ar em presença de um bigode grosso.

Numa certa ocasião em que se dava mais uma troca de cadeiras, lá ia dando as boas-vindas de um lado e desejando muita sorte do outro a quem progredia na carreira. E, apesar de não ser sequer capaz de suster uma cabeça de alfinete, a Eunice fez o seguinte comentário para a geral: Umas vão e outras vêm e cá fico eu a


- Segurar as pontas 

Provérbio provado rimado - MCCXVIII

Uma queda não é uma falha

Mas ficar caído é fracasso

Sem mexer sequer uma palha

Não deslocar perna nem braço


Ter preguiça até para dormir

Querer dado e arregaçado

São desculpas para não prosseguir

Enquanto se renega o passado



Provérbio provado rimado - MCCXVII

Ele é esperto que nem um alho

Seja em lazer ou trabalho

Passa a perna com facilidade

A qualquer mediocridade


Está sempre bastante à frente

Da turminha do suficiente

E consegue assim distinguir

Um problema ao longe a surgir


Por tão bem saber antever

O que outros terão de aprender

Deram-lhe uma medalha de esperto

E quiseram mantê-lo por perto


Mas então ele não rejubila

Que se metam os espertos na fila

Ele ser inteligente prefere

E mais tarde verá se confere


Espertos também dizem dos cães

E não só dos pastores alemães

Que só com olfacto e visão

Tomam bem qualquer decisão


Assim é a esperteza canina

Muito sábia e não alucina 

Ultrapassa a esperteza saloia

Que entra logo em paranóia




Provérbio provado rimado - MCCXVI

Sempre que há falso amigo

Se diz que provém de Peniche

É expressão que o põe de castigo

Quando deveria ser fixe


É um amigo enganador

De uma onça brava às pintas

Por isso até faz um favor

Que se esteja assim tão nas tintas




Provérbio provado rimado - MCCXV

Se podes olhar então vê

Assim vendo irás reparar

Que o que toda a gente crê

À primeira é capaz de enganar


Pois olhar por cima dos ombros

Não é ver com olhos de ver

Há arco-íris nos escombros

Apesar de ele ali se esconder



Provérbio provado num verso branco - CXXXI

O gesto que fecha a pedra na mão antes do impulso

Acompanha desde logo a gestação da polémica

Antecedendo a discussão de onde há-de nascer a luz

Nenhuma discussão se iguala ao breu


Essa acção já contém uma atitude provocatória 

Que induz em linha recta uma alteração

Pedrada no charco para agitar as águas

Interromper a longa sesta dos acomodados

Para que assistam ao cortar de fita

Que inaugura mais um solavanco evolutivo


 

Provérbio provado rimado - MCCXIV

Sempre de si está tão cheio

Tão imenso e tão superior

Que quando se vê bem no meio

Do povo se acha o maior


Divide as gentes em partes

Por níveis intelectuais

Conforme são as suas artes

Alguns são fenomenais


O que transmite mais calma 

A quem só com ele priva

É contentar-se-lhe a alma 

Com a energia positiva


Imagina ser muito imitado

E que de invejas é alvo

Mas crê ser jamais igualado

Até ser velhinho e calvo


Lá do alto do seu patamar

Onde o próprio se colocou 

Sente-se quase a planar

Por cima de quem o louvou


Quem tem a sorte macaca

De lhe impressionar a retina

Pois guarde na liga a faca

Já crente de que o fascina


Carrega um rei na barriga

E é longo o dito reinado

Com tanta mania antiga

Um dia é posto de lado


Largado numa prateleira

Sem poder obter exposição

Esquecido da dianteira

Aceita qualquer solução 



sábado, 11 de novembro de 2023

Provérbio provado rimado - MCCXIII

Tem seis dedos em cada mão

E nos olhos três cataratas

Além disso também é anão

Com um tique autista nas datas


Quando ele passa na rua

Evitam olhá-lo de frente

E a verdade nua e crua

É que isso lhe é indiferente 


Porque já está habituado

À sua figura invulgar

Desse modo não fica agastado

Pelo esforço para o evitar


Como naquele filme o corcunda

De quem os transeuntes fugiam

Mas depois na vez segunda

Acalmavam e não se afligiam


Com esta ditadura do belo

É muito difícil para os feios

Para quem o espelho é flagelo

Que não lhes ampara os anseios


E então e ao fim e ao cabo

Embora dessa imagem ressintam

Até nem sempre o próprio diabo

É tão feio como alguns pintam




Provérbio provado rimado - MCCXII

São ideias em catadupa

Sem que precise de lupa

É uma miríade tal

Não resta nada no final


E são tantas a erigir

Que terão de então colidir

Porque vivem a saltitar

Só servem para atrapalhar


Porque não são firmes e fortes 

Tendo alicerce e suportes?

Porque nelas não tenho certeza

E não deito as cartas na mesa?


No fundo o que eu receio 

É expor-me ao olhar alheio 

Porque sempre alguém há-de vir 

Apontar o dedo a seguir 



Provérbio provado rimado - MCCXI

Eu escrevo porque não posso

Mudar realmente o mundo

Ou eu seria um colosso

Seria grave e profundo


Assim cá ando a anhar

Matando piolhos na boina 

Sou bom é para disfarçar

Mas sou de facto um estroina


Por norma estou distraído 

E não me agarro a ideias

Se o momento é repetido

Descarto-as às mancheias


Então vou desenrascando

Com a minha cabeça de vento 

Assim vou o tempo matando 

Enquanto durmo ao relento 



Provérbio provado rimado - MCCX

Lisboeta é um alfacinha
Mesmo que não seja de gema 
E se repetires a gracinha
Pode ser que arranjes problema

Não pertence a essa salada
Por estar verde de inveja
É alma desenraizada
Que o seu cantinho deseja

Sempre que tem bom aspecto 
Mesmo que a saúde fracasse 
Alguém afirma em decreto
Que está fresco como uma alface 


Provérbio provado rimado - MCCIX

És uma ave nocturna

De dia andas taciturna 

Só quando se põe o sol

É que largas o lençol


É nesses momentos fugazes

Que sentes impulsos audazes 

E renasces como se fosses

Esconder na mala mais doces


É este teu grande segredo

Que chega até a dar medo

Pois de dia só vives morta

Tens encerrada a porta


Quem a ti quiser chegar

Terá de então a arrombar

A porta é forte e tão alta

Que nem ter chave faz falta


À sua volta há muros

Erguidos por motivos duros

A decepção não devia

Originar essa azia 


São enormes os entraves

De cada vez são mais graves

Promoves assim tal distância 

Que chega a parecer petulância 


Aconselho que não te escondas

Que evites fazer mais ondas

E então páres de contestar 

Que à ribalta queres chegar


Já que achas lá bem no fundo

Que é todo para ti o mundo 

É de noite quando em contraluz

Que esse todo mais te seduz 











sábado, 4 de novembro de 2023

Provérbio provado rimado - MCCVIII

Duas horas de viagem

Do Artur me separam

Logo construo uma imagem

E as ideias não param


Vejo-me sobre carris

A ir ao seu encontro

E chegarei lá feliz

Com a vontade no ponto


Como será esse instante

Quando os olhos toparem

Que é momento importante 

Para as bocas se beijarem?



Provérbio provado rimado - MCCVII

Só um verbo é o fazer

Já são dois para quem quer

Ver de frente amiúde

No que dá uma atitude


Se apenas fica à espera

Do que o outro considera

Nunca mais se passa nada

A coisa sai bem furada


Há tantos verbos caducos

Que não servem aos malucos

Que proferem sem pensar

O que a gana lhes mostrar


Por isso tu nada temas

Não receies mais problemas

Abre a boca e vai disto

Eu prometo Evaristo



sexta-feira, 3 de novembro de 2023

Provérbio provado rimado - MCCVI

Quem eu quero não me quer

Porém tenho onde escolher

Outro provável parceiro

Que se dê todo inteiro 


É uma oferta tamanha

Que parece coisa estranha

De facto não dou vazão

A toda essa atenção


Em tendo assim ao dispor

Essa vontade de calor

A dúvida logo me assola 

E desconfio da esmola 


Assim não me posso queixar

Tenho sempre de jantar

Mas se um dia não houver pão

Até as migalhas vão 




Provérbio provado rimado - MCCV

Pergunta que deixa à nora 

Por querer simular mocidade

Diz-se que a uma senhora

Não se pergunta a idade


Mas porque é que será

Que não querem assumir?

Pois o rosto enfim falará

Não vale a pena mentir 


E se tiver rugas a mais

É caso pra desconfiar

Terá de dizer que os tais 

Trinta e tal eram a brincar



Provérbio provado rimado - MCCIV

Se o estômago é pequeno
Para acomodar as ofensas
Não destribuas veneno
Mesmo se é o que pensas

Porque o olho por olho
Também o dente por dente
Embrulha tudo num molho
Que não pode ser consciente

Vingança é coisa parca
Típica de mente menor
Que imprime uma marca
Que só transpira rancor 

Por isso faz-te distante
Quando te amodestam
Não deixes rasgar o semblante
Pois é assim que te testam



Provérbio provado rimado - MCCIII

Só no fim há a certeza

Do que já foi adivinha

À mistura com a surpresa

Do que aí se avizinha


Deixa uma dose de acaso

Não planeies com afinco

Pois isso pode dar azo

À imposição de um trinco


Para saber o que virá

Enquanto o carrossel gira 

Sem aviso a vida dá

Sem aviso a vida tira


Logo não são necessários

Tantos planos tantas metas

Já que os actos arbitrários

Podem ter várias facetas 



Provérbio provado dispensado

Só pode ser a sua carência gigante que o denuncia. Elas percebem instintivamente que algo ali não bate certo. Percebem que nem toda a dedicação da mais desinteressada, nem todo o desvelo que não cobra, nem toda a companhia aconselhando em silêncio são passíveis de colmatar tamanha necessidade de atenção. É tanta a sede ao pote que a torneira se contorce em pose de greve.

Ele teima em ignorar todos os alertas e pratica um assédio de rosto lavado. Atencioso e prestável, mas que não deixa de ser assédio. Fica facilmente agastado quando elas cortam a comunicação. E elas acabam sempre por trancar as vias de acesso porque se fartam dele. É fácil acontecer: ele torna-se numa autêntica lapa, daquelas com super cola nas ventosas. Ainda não está a mesa posta, já ele vai dispondo as cartas por cima. Com exagerada sinceridade, excesso de confidências, uma desmesusada franqueza para uma confiança que não acontece, que ele não repara que não está a acontecer. Quer que elas engulam de chofre uma soma de características suas, maís ou menos evidentes, que põe de imediato a descoberto. Envia mensagens em catadupa, faz telefonemas a horas descabidas, em suma cada vez se enterra mais.

Com a crescente indiferença a que é votado, é atacado pelo ressaibo com laivos de agressividade passiva. Crendo que o descartam por sobreviver com um magro subsídio de desemprego, insulta-as, agrega-as numa massa indistinta de caçadoras de fortunas, criaturas fúteis que apenas ambicionam luxo.

O que acontece invariavelmente é que deixam de lhe responder, passando a ignorá-lo mudamente, à espera que ele se toque e desista de vez. Nenhuma tem a coragem de lhe dar um vivo chega-para-lá, de lhe dizer abertamente que é um chato de galochas, de lhe sugerir que vá mas é dar uma chuveirada ao cão ou de lhe atirar com a famosa expressão:


- E se fosses ver se eu estou ali na esquina?

Provérbio provado rimado - MCCII

A bondade simulada

Acaba por ser mais nociva

Que a maldade destapada

À qual falta iniciativa


Pois esse tipo de bondade

Que se benze e choraminga

É toda ela falsidade

E de simulacro respinga


É maldade com muito requinte

Dando um passo dianteiro

E esse actor por conseguinte

É um lobo em pele de cordeiro



quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Provérbio provado rimado - MCCI

Já estava a achar muita fruta

Que não acusasses o toque

Porque tu és deveras astuta

E queres levar-me a reboque


A tua maior intenção

É fazer sempre boa figura

Mas falta maior dimensão

À tua escassa cultura


Gostas de mostrar serviço

Alapada no trabalho alheio

E vestes um olhar mortiço

Quando mostras saco cheio


Mas só acrescentas à toa

O teu gesto é tão maquinal

E crês que a tua pessoa

É deveras excepcional 


Um dia acaba-se a mama

E descobrem-te a careca

O teu destino é a lama

Por seres levada da breca