O estabelecimento da Dona Joaquina fica no Bairro Antigo, ao lado da loja do Mestre André. Todas as tardes vigia os putos que saem da escola, mas apanham-na constantemente desprevenida. Roubam-lhe fruta, quase sempre maçãs, e gritam-lhe enquanto correm: Ó J'aquina, vem à esquina!
Na mesma rua, mais acima, tem posição a tasca do Ti João, onde há pão com requeijão ou o que estiver à mão a acompanhar com o verde tinto da terra. O Evaristo também tem lá disto.
A Ângela é quase tão velha como a Dona Joaquina, mas tem pouco de anjo e prefere a tasca do Ti João à mercearia. És levada da breca, é o que ele responde quando ela lhe pisca o olho: Ó João, mal feches hoje o estaminé, vens comigo, há mês e meio que não vejo o padeiro!
O Poeta nasceu de colher de prata na boca, mas gosta de onde cheira a torresmos. Perde-se por esta calçada ao fim do dia quando sai da farmácia onde vai ser hipocondríaco para cortejar a Menina Lina que lhe dá verdadeiras dores de cabeça. Entra pela mercearia adentro e pede: Ó Dona J'aquina, embrulhe-me aí um poema. Ela dá-lhe uma maçã e ele segue para casa satisfeito, sabendo que à hora de deitar terá um verso onde morder.
Depois de enxotar o Poeta uma vez mais, a Menina Lina descerra a grade da farmácia e toma um frasco inteiro de barbitúricos. Todo o Bairro Antigo se acotovela no velório que antecede as exéquias. A Dona Joaquina avilta: Aqueles olhos de carneiro mal morto nunca me enganaram, sempre soube que era doida varrida! O Mestre André aquiesce: sempre desconfiei das pessoas que não gostam de música, olhem que nunca entrou na minha loja, nem para comprar um pifarito! O Ti João acrescenta: nem para pedir um copo de água levantava os olhos do chão, eu já pressentia que tinha um grande mal com ela, coitada! A Ângela rebaixa: sempre tão tapada, tão pudica, tão não-me-toques, o que a falta de sexo faz às pessoas! O Poeta chega enfim, a tempo de largar um shiu no meio do burburinho, e lamenta: eu já previa que ela um dia ia morrer de amor...
- Depois do mal feito todos o tinham previsto
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