Provérbios Provados noutras casas:

domingo, 27 de outubro de 2019

Provérbio provado num verso branco - LXIV

Oscilo entre o desejo de te dar mimo e prazer
Dou-me inteira mas ainda inteira se não estás
Concedo a outros palavras mas não vontade

Afinal conservo para ti os mesmos lençóis
E uma coberta que os corpos amarrotaram 
Por baixo da cama podia habitar um penico no meio do cotão 
Mas não mijo fora do penico enquanto espero que regresses 

Quando vens fruir-me o tempo fica confuso
Atrasa ou adianta uma hora que já nem sei se Inverno se Verão





quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Provérbio provado rimado - DCXCIV

Eu pareço muito distraída
Mas sou bastante observadora
Se parece que estou de fugida
Tenho um pé dentro e um fora

Afinal só presto atenção
A assuntos que me interessam
Saber caras da televisão
E dizer nomes não me peçam

De antenas sempre ligadas
Em busca de uma nova história
Que não traga as pessoas erradas
Que estão vivas na minha memória

Sempre que eu pareço ausente
Estou deveras atenta de facto
Posso parecer indiferente
Mas sei assimilar cada acto

Nos meus neurónios e umbigo
Reside uma vasta colónia
De qualquer pensamento antigo
Convocado sem parcimónia

Às vezes até fico cansada
De ter o cérebro acordado
Sinto-me um pouco desgraçada
Por recordar tanto passado

Se à noite dormir conseguisse
Descansar o corpo e a cabeça
Melhor ficaria alguém disse
Mais tranquila essa é que é essa

Mas sigo de sentidos alerta
Não devo pensar muito nisso
Devo continuar é desperta
Sei que não brinco em serviço

Provérbio provado rimado - DCXCIII

A Ana é um catavento
Muda muito de direcção
Só quer andar a contento
Ter sempre lucro na mão

Por isso diz o que não sente
Chega a manifestar-se infeliz
Quando é por dentro contente
A Ana é uma boa actriz

Quer sempre por cima ficar
Não demonstra a fragilidade
E consegue todos enganar
Com surpreendente à vontade

Mas a mim a esturro me cheira
Tanta falsa diplomacia
Posso estar a ser enredeira
Mas não papo essa hipocrisia

Reserva lá os teus encantos
Para quem assobia para o lado
Guarda para a chefe os prantos
E o teu jeito dissimulado

Pois tu nunca me defendeste
Ficas nessa atitude tão esquiva
Finges sempre que não percebeste
E deixas que me comam viva

Provérbio provado rimado - DCXCII

És uma abjecta criatura
É tão feia a tua figura
Ver-te traduz mal estar
Não aprendes a conversar

Abrenúncio e cruzes canhoto
Dizes lançando perdigoto
Tens na língua a imprecação
Que cospes sem hesitação

Que te carregue o diabo
Que convocas ao fim ao cabo
Cada vez que te contrariam
As tuas vontades variam

De manhã não te dou os bons dias
Também tenho direito a manias
Sai-me mas é já da frente
Ou ainda te parto um dente

Provérbio provado rimado - DCXCI

Escrever não dá pão para a boca
Coisa de gente meio louca
Só a Internet traz leitores
Nunca a atenção dos editores

Edição literária é negócio
Que se presta ao culto do ócio
Para um autor ser reconhecido
Tem de ser às mesas recebido

Convém ter um padrinho bom
Que o apresente em tal tom
De ter inovadora obra
Que nos escaparates não sobra

Terá de alguns cus lamber
E saber como se vender
Alinhar na cunha mafiosa
Quer escreva poemas ou prosa

Nunca será rico o escritor
Rende pouco o seu labor
Ficará com a mão a latejar
Por tantos autógrafos dar

Provérbio provado rimado - DCXC

Nem sete nem setenta
Nem oito nem oitenta
Equilíbrio é necessário
Não é facto secundário

É preciso o meio termo
Seja com saúde ou enfermo
Que dê alguma constância
É coisa com importância

Muito à esquerda ou à direita
É política imperfeita
Dizem que é bom ao centro
Entra pelos olhos dentro

No amor ou na paixão
Convém haver contenção
Não se esconder sozinho
Mas não esbanjar carinho

Com conta peso e medida
É que deve ser a vida
E para poder ter proventos
Nem treze nem trezentos

sábado, 19 de outubro de 2019

Provérbio provado rimado - DCLXXXIX

Discussões no meio da rua
Dão mesmo imensa barraca
De dia ou à luz da lua
Seja a razão forte ou fraca

Se na mesma casa habitam
Os que na rua discutem
Perdem a cabeça e gritam
Para que todos escutem

Que não saiam da dita cuja
E por lá fiquem em brasa
Pois é dito que a roupa suja
Deve ser lavada em casa

Provérbio provado rimado - DCLXXXVIII

A cama que tu fizeres
Será nela que te deitarás
Vais fazê-la até aprenderes
Que não podes voltar para trás

Tudo tem sua consequência
Mesmo se não a estás a ver
Usa bem tua inteligência
Quando vais tua cama fazer

Se o lençol tem um grande vinco
Vai-o alisando com esmero
Fá-lo quatro vezes ou cinco
Não sucumbas ao desespero

Compõe bem a tua almofada
Para com prazer te deitares
E depois não penses em nada
Pois também acontecem azares

Quando acordares já refeito
Faz a tua cama novamente
Com o teu melhor ar satisfeito
Por a estares fazendo contente


Provérbio provado rimado - DCLXXXVII

Toda a escolha precede uma acção
Um passo mais ou menos seguro
Que vai direitinho ao futuro
Mesmo errando na direcção

Quando a expectativa é alta
Falha o plano inicial
Vê-se que se errou é normal
Ser mais prudente faz falta

O que é certo nunca está provado
Cada vez que nasce a manhã
Às vezes é como ir buscar lã
E voltar no fim tosquiado

Provérbio provado rimado - DCLXXXVI

A Teresa é muito festiva
De se divertir não se esquiva
O que mais adora é dançar
Tenha ela ou não tenha par

Ela fecha os olhos na pista
Seja qual for o artista
Assim sente a batida melhor
À medida que lhe sobe o calor

Vai despindo as camadas
Das camisolas suadas
Às tantas já está de alças
E não pode despir as calças

Ela tem um bom jogo de ancas
Independentemente das tamancas
Quer é abanar o capacete
Todo o fim de semana repete

(Ilustração: Junkhead)


Provérbio provado rimado - DCLXXXV

Muito bem come o vilão
Principalmente se lho dão
Não se arma em esquisito
Isso então seria bonito

Pois quando alguém tem fome
Até duros cardos come
Prova também beldroegas
Com fome não se é piegas

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Provérbio provado rimado - DCLXXXIV

O Jorge alugou um café
E tomou por sócio o Zé
Mas a dita sociedade
Não correu bem na verdade

Agora gere sozinho
Sai-lhe bem do courinho
Balcão mesas e bar
E pouco pode descansar

Espera encontrar novo sócio
Para expandir o negócio
Mas com calma terá de ir
É de manhã à noite a bulir

O café enche com a bola
E cheira bastante a cebola
Quando se fazem patuscadas
Os ganhos são favas contadas

Provérbio provado rimado - DCLXXXIII

Onde o rico é um pouco excêntrico
O pobre é um maluco idêntico
A sua sina é diferente
Um anda sempre contente

Mas mais vale de pobre filho
Embora talvez maltrapilho
Que ser escravo de rico
O ditado não é mexerico

Provérbio provado rimado - DCLXXXII

O Tomás é um depravado
Diz ele que é a mente sua
Mas exagera um bocado
A ver se me volta a ver nua

Conta ele que tem calores
Quando no meu corpo pensa
Não sei que faz a tais ardores
Para poder notar a diferença

Que responderei ao Tomás
Para que mostre desempenho?
Anda lá com isso rapaz
Necessidade aguça o engenho

terça-feira, 15 de outubro de 2019

Provérbio provado num verso branco - LXIII

De noite é que sou teu e tu és minha

Quando é escuro como breu
É que as almas se deslumbram
Vultos imprecisos que se iluminam
Sussurram e suspiram
Enchem os lábios de promessas

Até os estores começarem a subir com a claridade
Onde a realidade é uma bofetada
E a dádiva é morta
Só sabemos ser separados de dia

Provérbio provado rimado - DCLXXXI

Se uma tempestade houver
E te inundar todo o prédio
Sabias que quando Deus quer
Até água fria é remédio?

Escusas de à farmácia ir
Ou sequer ao senhor doutor
Já que não irás sucumbir
Se não o quiser o Criador

Provérbio provado rimado - DCLXXX

Onde são maus os polícias
Podem surgir as milícias
São grupos sem preparação
Que não podem fazer detenção

Dedicam-se a amedrontar
Quem vai na rua a passar
Sem ter culpas no cartório
O seu método é aleatório

Querem semear o pavor
São da violência a favor
Louvam a raça caucasiana
São uns caras de cu à paisana

Provérbio provado rimado - DCLXXIX

Vê lá se és mais mãos largas
E abres os cordões à bolsa
Ou terás noites amargas
Sem a companhia da moça

Só queres despender trinta
Melhor se fôra o dobro
Terias cama com pinta
Própria para teu recobro

Assim não te safas borracho
Ela vai dar-te com os pés
Ficarás com cara de tacho
Pois só terás cafunés

Provérbio provado baralhado

Que mais queres que te diga acerca da Virgínia, Paulo? Já te disse que não te metas nisso! Eu já te conheço, pá, vais chegar ao pé dela na pontinha dos pés, cheio de medo de amarfanhar a tua camisa bem engomada, a medir cada palavra com régua e esquadro. A Virgínia gosta de gente espontânea, não de pessoas que pensam mil vezes para não errar. Com ela é sim ou não, Paulo, não há nins!
Já a conheço desde a adolescência - e se a conheço bem! Toda a sua vida foi errática, foi aprendendo às cabeçadas, a pisar em falso constantemente, a cagar-se de alto para quem se ri das suas quedas. A Virgínia não olha para os falhanços como o fim da estrada, vê a rejeição como um sinal de viragem numa nova direcção.
Foi sempre assim em tudo, principalmente nas relações que terminam muitas vezes de forma dramática. Ela não deixa pedra sobre pedra; é daquelas mulheres que põe fogo ao circo e depois não fica quietinha à espera que chegue um bombeiro - como tu, pá, por exemplo gostarias de apagar competente e calmamente o incêndio. Não!, a Virgínia agarra ela mesma na mangueira e ressurge renascida de entre as cinzas, como se nada tivesse ocorrido. Num minuto está de calças rasgadas e cabelo desgrenhado, no instante seguinte aparece de vestido e saltos altos, impecavelmente penteada e maquilhada.
Às vezes, dou por mim a pensar que a Virgínia é mesmo uma personagem dum filme, assim uma coisa meio trágico-cómica, consegues ver? Por isso é que eu te digo - ouve bem o que eu te digo, Paulo! -, ela não é como as outras mulheres que tens conhecido por aí. Vai dar-te cabo da cabeça, destabilizar-te a vidinha toda, pá, como já vi suceder a outros gajos até mais espertos do que tu. É que lá está: ela é mais vivida do que tu, mais inteligente do que tu e os teus amigos todos juntos, a Virgínia é mais homem que muito homem.
Mas que mais te hei-de dizer para tirares dali a ideia, Paulo? Bem sabes que sou muito amigo dela, mas também sou teu e tenho o dever de te avisar...
Uma vez chateei-me a sério com a Virgínia: pediu-me conselhos - coisa invulgar nela -, e pôs-se a falar sozinha, a responder às suas próprias perguntas e depois desse bonito serviço ainda se pôs a questionar sobre a veracidade das respostas, foi um autêntico diálogo de surdos. Claro que não fiquei chateado muito tempo - para quê? -, porque sei que se fosse preciso se esqueceria do umbigo para me ajudar: dar-me-ia o único casaco numa noite de Inverno e a sua última côdea.
A Virgínia é uma pessoa encantadora e ao pé dela nunca há tédio, só óptimas conversas intermináveis. Claro que divaga imenso e é capaz de passar da Primeira Grande Guerra à segunda lei da termodinâmica num piscar de olhos... mas já estou habituado a essas súbitas mudanças no discurso. Ela é muito faladora, extravagante, expansiva e apaixonante. Vai seguramente deixar uma marca na minha vida, lembrar-me-ei sempre dela e daquela sua forma única de levar a existência. Mas como amiga, como uma boa amiga, percebes Paulo?, sabendo que é um poço de defeitos e qualidades e que nunca se sabe o que sai do balde a cada dia.
Pois é, rapaz, estou a dizer-te estas coisas todas, pois estou a topar-te: mortinho por lhe dares a mão de olhos fechados, logo tu que és um medricas do caraças! E escusava de ter estado para aqui a gastar o meu latim, podia simplesmente ter-te dito que a Virgínia

- Não joga com o baralho todo

Provérbio provado rimado - DCLXXVIII

Onde muitos costumam tropeçar
Sempre algum se há-de espalhar
Mas quem nunca se aventurou
Esse nunca perdeu nem ganhou

Provérbio provado rimado - DCLXXVII

Perturba a administração hospitalar
Tantos doentes sempre a chegar
Que raio de ideia porem-se a adoecer
Assim uma empresa não consegue render

Aguardam a triagem horas a fio
De preferência sem largar um pio
No pulso lhes põem pulseiras às cores
Que não correspondem às suas dores

Pelo próprio pé muitos deles entram
Mas logo uma cama cedo frequentam
E estão sempre a dizer mal da comida
Mas que gentinha mal agradecida

Os sábios doutores e as enfermeiras
Às vezes não conhecem as boas maneiras
E mesmo as benditas auxiliares
Prestam cuidados com muitos esgares

No SNS estar-se hospitalizado
É uma aventura que assusta um bocado
Uma pessoa tem o coração nas mãos
Enquanto se agarra aos corrimãos

E quando por fim a alta recebe
Outro desgraçado provindo da plebe
Lhe ocupa a cama e a arrastadeira
Teme lá passar a semana inteira

Mas não é nada mau dali poder sair
Há quem simplesmente não tenha p'ra onde ir
E quem só saia num saco de plástico
A rima falou sério de modo sarcástico

(Ilustração: Maria Antónia Gomes)

Provérbio provado rimado - DCLXXVI

O que possas fazer amanhã
Pela calminha matinal
Não faças hoje com afã
Pois será depressa e mal

Sabes o que diz o ditado
Fazer depressa e bem
Fica mal alinhavado
E há muito pouco quem

Provérbio provado rimado - DCLXXV

Partida largada fugida
É a história da vida
Essa eterna corrida
Tantas vezes destemida

Parece uma brincadeira
Por vezes tal é a maneira
Como chega sorrateira
De longe tão forasteira

Sempre a dar-nos lições
Andamos aos tropeções
À procura de definições
Para as nossas confusões

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Provérbio provado rimado - DCLXXIV

A Mena não é flor que se cheire
Desprezível não vale um alqueire
Torna-se impossível conviver
Com ela o que hei-de fazer?

Uma coisa há a decidir
A Mena não me vai ver mais rir
E dou por encerrado o discurso
Não a quero no meu percurso

As que são mais dissimuladas
Que a ela andem abraçadas
E depois falem mal por trás
Essa gente de tudo é capaz