Provérbios Provados noutras casas:

quinta-feira, 18 de abril de 2024

Provérbio provado rimado - MCCXC

O amor como as andorinhas 

Dá felicidade às casas 

Mas no fim tal como adivinhas 

É um mero bater de asas 


Esconde ser a mais bela patranha

Que todos consegue iludir 

Dada a ternura tamanha 

Que sói de nós emergir 


Enquanto ele reconforta 

Caímos que nem uns patinhos 

E quando nos põe fora da porta 

Inventamos novos caminhos 



Provérbio provado rimado - MCCLXXXIX

Quando o mel tem sabor 

A abelha sempre regressa 

E lá na colmeia em redor 

É isso mesmo que interessa 


Fazem fila as obreiras 

Para as suas obrigações 

E querem ser as primeiras 

A exibir tais galões 


Se alguma então interrompe

Qualquer tarefa que é cega 

Logo o conjunto corrompe 

Por estar a fugir à regra 



Provérbio provado ludibriado

Aqui entre nós que ninguém nos ouve, que sabemos falar bem baixinho e somos mestres no sussurro quando é para dizer mal nas costas, esta panelinha tem-nos trazido muitos proveitos, olá se tem! Conseguimos ficar sempre bem vistas porque somos capazes de mentir com cara de santas e aquela expressão ausente que é apanágio da sonsice. E se mentimos bem, senhores, que carreiras no teatro se perderam, um desperdício autêntico!

Mentimos para nos safarmos da repreensão que acaba por ir melindrar noutra direcção. Mentimos também para que se iludam sobre as nossas escassas competências e nos atribuam o mérito de que não somos dignas. Enfim, mentimos com a maior cara de pau que conseguimos arranjar pois já nos habituámos a mentir. É-nos até mais fácil nunca dizer a verdade: a verdade às vezes aleija e traz sempre consequências. De tanto a escamotear, já nem a descobrimos no meio de tantas camadas, preferindo assim o conluio e a peta descarada.

Noutro dia, até a chefe, habitualmente pouco concentrada na linguagem corporal alheia, nos apanhou em falta. Foi um dia de juízo, mas lá nos desembaraçámos de uma maior suspeição. Estamos a ficar relaxadas, é o que é!: de tanto envergar o mesmo fato, já não somos as mesmas pessoas. Damos por nós a desconhecer a própria essência e percebemos que não apenas mentimos aos outros mas, o que é mais grave, a ilusão faz agora parte das personagens que criámos.

Os dentes começaram a cair-nos entretanto um por um. E só quando já não nos restar osso nas gengivas é que havemos de convocar a época em que, ainda na posse de todos os molares, sisos, insisivos e caninos, gostávamos de fazer dos outros parvos.


- Mentir com quantos dentes se tem na boca 

Provérbio provado rimado - MCCLXXXVIII

É desnecessário tentar 

E ficar insistindo provar 

Em mostrar algo a alguém 

Que vê o que lhe convém 


Pois quem só olha o umbigo 

Somente de si é amigo 

Favores não agradece 

Nem gratidão oferece 


E se não é beneficiado 

Tudo lhe passa ao lado 

Nem repara nesses momentos 

Entra a cem e sai a duzentos 



terça-feira, 2 de abril de 2024

Provérbio provado rimado - MCCLXXXVII

Quando eu conheci o António

Pareceu-me tão possidónio

Porque era muito presumido

Do seu próprio valor convencido


Algum tempo então decorreu

E o António não me convenceu

Que a mão na anca é postura

De alguém a quem falta cultura


Se preciso faz-se de tolo

Para esconder que é parolo

E com a peneira de saloio

Separa o trigo do joio


Faz-se de Inês e de Lucas

Tornando as pessoas malucas

Gosta de lançar confusão

E não ter depois reacção 


O que o António merece

É que haja quem o processe

Ou que seja mais falso que ele

E com isso o António interpele



Provérbio provado rimado - MCCLXXXVI

Dizem que a imaginação

É parte da enfermidade

Tal como aqueles que são

Hipocondríacos de verdade


Também se diz que a paz

É do remédio a metade

Quando há stress o que faz

É tirar tranquilidade


Para quem vive em negação

Nunca será boa altura

Pois ter paciência e noção

É estar no começo da cura



quinta-feira, 28 de março de 2024

Provérbio provado num verso branco - CXLIII

O espaço da surpresa apenas se preenche
Com o último assombro que a interpelou
Até passar a outro oue não ao mesmo
Porque a novidade não tem parentes
Nem acumula despojos desnecessários

É uma porta que se abre sempre em sobressalto
O espanto irrompe por ali adentro
Sem se fazer anunciar nem proferir saudações
Transpondo a soleira com pressa e sem ambiguidades
Que é a sua forma de se mostrar competente

A surpresa jamais pede colo ou regaço
Não há tempo para materializar o apego
Apesar de um suspiro não durar mais do que um segundo
Pode vir a ser confundido com um bocejo 
E é sabido que qualquer admiração não pode ter sono
A sua natureza é estar em constante alerta

No entanto a realidade é exigente a pedir maravilhas
Embora uma boa surpresa não passe de uma redundância 



Provérbio provado rimado - MCCLXXXV

A Andreia fez birrinha

E a seguir meteu baixa

Pois descarrilou sozinha

Já não dá uma prá caixa


Vê-se que naquela cabeça

Fundiu-se um raro fusível

E mesmo que até não pareça

Deixou de ser imprescindível


O hábito maior da Júlia

É fingir que anda ocupada

No meio da simples tertúlia

Confessa-se assoberbada


Que a a Júlia sabe ser rata

Tem artes de assim iludir

E por ser mulher insensata

Quer à sombra dos louros dormir



Provérbio provado rimado - MCCLXXXIV

Os amores da azeitona

São como o milho miúdo

Acabada a maratona

Lá vai amor e vai tudo


Lá vai amor e vai tudo

Que esse ardor repentino

Não pára e é também surdo

Ao que lhe indica o destino


Ao que lhe indica o destino

Não presta o amor atenção

Por ser pouco cristalino

Abstém-se de reacção


Abstém-se de reacção

O amor amedrontado

Pois teme que a excitação

Pertença só ao passado


Pertença só ao passado

A satisfação mais plena

E que agora enlutado

De si mesmo tenha pena


De si mesmo tenha pena

Por ter redundado em fracasso

Por ser uma história pequena

À qual faltou um abraço


À qual faltou um abraço

No momento da despedida

E assim cortou-se o laço

Cada um foi à sua vida



Provérbio provado rimado - MCCLXXXIII

Se receias ficar de fora

Ou estar desactualizado

Dá-lhe com empenho agora

Ou serás ultrapassado


É fácil que sem perceberes

Te queiram defecar em cima

Concentra-te assim em saberes

Como endireitar sem a lima


Põe de lado essa postura

Que vê em qualquer indivíduo 

Sempre a bondade mais pura

Até que seja preterido


Que neste país de doutores

Ninguém quer trabalho braçal

Preferem colher dissabores

Pesando a balança fiscal


É um desnível aceite

Que haja senhores e vassalos

Desde que nenhum aproveite

Para aos outros pisar os calos



quarta-feira, 27 de março de 2024

Provérbio provado rimado - MCCLXXXII

A Rita foi diagnosticada

Com défice de atenção

Entretanto era medicada

Sem se vislumbrar solução


Quando descobriu o que era

A Rita experimentou um alívio

Por não ficar mais à espera

De esquecer qualquer convívio 


Pois dantes o que lhe diziam

Não lhe ficava no ouvido

As lembranças adormeciam

Como num baú corroído


Apesar de ser uma doença

Agora é coisa com nome 

Deixou de ser simples crença 

Que a existência consome


Porém mais que ser distraída

A Rita perdia a memória

Sem embargo encontrou a medida

Que permite escrever uma história


Por algum esquecimento precoce

Tinha logo de se desculpar

Finalmente a Rita encontrou-se

Já se pode permitir errar


Toda a vida lhe corre melhor

Anda mais satisfeita na rua

Pois o tal problema anterior

Era ser cabeça na lua


(Ilustração: Junkhead)



Provérbio provado rimado - MCCLXXXI

A minha flor preferida
É o antúrio vermelho
Aguenta qualquer investida
Nunca se põe feio e velho

Com sede ou encharcado
O antúrio sempre resiste
Mesmo quando é olvidado
Continua de haste em riste

Se acaso muda a direcção
Dos raios que oferecem calor
Nunca entra em negação
De si mesmo é conhecedor

É de tal forma perfeito
Que nem parece verdade
Tal seiva correndo a eito
No caule cheia de vontade

Por ser uma planta resistente
Às condições circundantes
Sobrevive tão competente
Nos bons e nos maus instantes

Gostava de antúrio ser
Tão nobre e sempre vivaz
E saber bem envelhecer
Permanecer como ele capaz 

Quando me viessem regar
Abriria as folhas às gotas
Uma forma de ressuscitar
Sem ter de dar cambalhotas

Ir a jogo é o segredo
Fazer por o medo engolir
E se resultar em degredo
Não deixar de persistir

Por isso guardo esta lição
Descobri que quem nunca tenta
É pasto para a frustração
Já que assim também não inventa



Provérbio provado rimado - MCCLXXX

Eu gosto de pessoas estranhas

Que não me vendem patranhas 

As mais negras do seu rebanho

Que o seguem com esforço tamanho


Não se armam em pobres patinhos

Mas tendem a andar sozinhos

Que a mentalidade vigente

Rejeita quem é diferente


O solitário e o perdido

Sentam-se à mesa do esquecido

Tão famintos de empatia

Vibram com a mais ténue energia


Pensam com a própria cabeça

Apesar de haver quem ofereça

Normas gordas e códigos tais

Que não crêem fundamentais


São o tal tipo de pessoa

Cujas convicções e moral

Do resto do rebanho destoa

Por assim ser original


E sempre que surge o pastor

Tentando impor qualquer regra

Procura logo o impostor

Que se assina ovelha negra 



Provérbio provado rimado - MCCLXXIX

Quando os que estão no comando

Perdem todo o tipo de vergonha

Mas arregimentam o bando

Para que a tenha na fronha


Não granjeiam assim mais respeito

De quem antes só obedecia

Que sente entretanto no peito

Uma quebra na ex harmonia


Então quem era comandado

Interrompe o vulgar seguidismo

Por opções ter imaginado

Que sobrevivem ao cinismo 


Começa de seguida a crescer

Aos olhos dos chefes maiores

Quer de sua justiça dizer

Ensinar àqueles professores


Não quer ser mais pau mandado

Quer participar na estrutura

Mas o seu esforço é rejeitado

Por nunca ser boa altura


Vai dizer de vez o que acha

Para ver se muda o clima

Porque quanto mais se agacha

Mais lhe põem o pé em cima 



terça-feira, 26 de março de 2024

Provérbio provado rimado - MCCLXXVIII

Repetes o teu próprio nome

Como um galaró emproado

Ages como se o presidente

Te tivesse já condecorado


Quando abres essa goela

Tantas vaidades cacarejas

Prescindo de qualquer parcela

Do teu quinhão de invejas


Vaidoso e deveras pedante

Egoísta mais que os egoístas

Como te julgas importante

Adoras poder dar nas vistas



Provérbio provado rimado - MCCLXXVII

Conheço o teu terreno

Minado de más intenções

Por isso dispenso o veneno

Tempero dessas refeições


Estou careca e sei de gingeira

Como tu descascas a fruta

Como dás a dentada primeira

Com requintes de filho da puta


Quando me dei conta disso

Ainda pesei na balança

Se pensas apenas com o piço

Ou se podia ter esperança 


Contudo não quis insistir

Esperando uma consideração

Cuja ausência me fez desistir

E atirei a toalha ao chão



Provérbio provado rimado - MCCLXXVI

Não adianta gastar o latim

Se tu nem reparas em mim

Tão cheio do teu próprio ar

Mais não fazes do que te gabar


Vai andando que já vais tarde

Fecha a porta sem muito alarde

Que ela é serventia da casa

E nem foste um golpe de asa



Provérbio provado num verso branco - CXLII

ESTE VERSO


Este verso não se evidencia nos corredores

Este verso não se enquadra no descuido aparente

Empalidece na presença de um microfone aberto

É sempre e desde sempre um diálogo aborrecido

Entre o mesmo umbigo e o mesmo espelho

E mal logra a sua própria evasão já não se pode agarrar


Este verso não recebe diploma de participação

Este verso não é popular nem sequer é feminista

O indivíduo que aqui escreve bem podia ser um homem

Com a agravante de macho egocêntrico com um falo irado

Este verso não é melhor nem pior por ser feminino 


Este verso não é panfletário nem o lamenta

Este verso não dá voz às vulvas que abortam

Nenhum poema consegue compensar essa imensa solidão

A morte tamanha da possibilidade mais inteira

Daquele corpo de mulher que sobrevive

Depois de toda a vida que não lhe nasceu 


Este verso não risca bandeirinhas ao acaso 

Este verso não divulga em que camas tremeu de prazer

Feitas as contas e acabado o baile

Noves fora nada roda bota fora

Sabe que o sexo mais generoso não reinvidica

Tanto mais se entrega quanto o outro mais se entrega

Tesão sem efeito é um conceito tão rápido como um calafrio 


Este verso não jogou às escondidas com a polícia política

Este verso não ergueu cravos no Largo do Carmo

Mas é tão digno filho da revolução como quem entoou O povo unido

E sempre pôde dizer de sua cega justiça

Conforme a triagem que a circunstância lhe apontou 

Não é por acaso que os pratos da balança são redondos 

As únicas torturas sofridas foram auto-infligidas 

Que a auto-censura tem uma caixa de lápis de cor

Capaz de transformar palavras inócuas em frases tracejadas


Este verso já chorou por Odessa

Este verso já chorou por Gaza

Não faz no entanto a aclamada poesia social

Cantando os hinos fronteiriços com propriedade vocal 

Nem levanta as bandeiras rasgadas dessas populações 

Para granjear aplausos num Ocidente em paz


Este verso não é melhor do que outros versos

Na verdade este verso não é pior do que tantos outros versos

Este verso reconhece a própria voz e com isso se sente verso



domingo, 17 de março de 2024

Provérbio provado apartado

Se te lembras, a Matemática nunca foi o meu forte. Errei sempre as somas e as multiplicações. Só a dividir obtinha uma nota positiva - isto pensava, porém não consultei a pauta. Tinha um problema com as contas e um excesso com as palavras. E tu eras o oposto, não eras? Todo dado aos números e poupado nos elogios.

Pensar nisso agora não muda nada, o arrependimento não muda o passado. E o esquecimento aprende-se rápido.

Sabes?, se calhar não sabes..., deixei de sentir a tua falta. De vez em quando uma lágrima, uma só, ainda cai como num luto antigo. Uma só lágrima se acaso uma música que ouvíamos juntos ou se te pressinto ao virar da esquina e fujo dali. Mas não se assemelha a um pranto cara abaixo, daqueles que alcançam o pescoço. Nem chega a ser uma tristeza sem nome nem coragem.

Não, não tenho saudades, podes acreditar na sua ausência. É isso: uma ausência, um vazio dorido numa superfície suja, percebes?

Já nem sequer me lembro se te amei, mas recordo bem o nome carinhoso com que nos tratávamos, bebé.


- Longe da vista, longe do coração 

sábado, 16 de março de 2024

Provérbio provado num verso branco - CXLI

Daqui ao futuro já meio caminho andado

Uma boa parcela de esforço realizada

Se há progresso inicial aumentam as hipóteses

De ser alcance e não apenas desejo


Mas ninguém pode amparar a eternidade

Entre os braços como num embalo criador

Todas as promessas são por natureza vadias


O infinito não mora na impossibilidade

Desde que possa ser cada dia onde se existe

O futuro nunca compensa antes de tempo

Nunca compensa em face da expectativa

Para sempre é sempre por um triz



Provérbio provado rimado - MCCLXXV

Meu filho o mundo é redondo

Mas os cantos estão ocupados

Por gente que passa com estrondo

São uns idiotas chapados


Eles têm por característica

No que dizem só acreditar

Mas se vamos crer na estatística

O melhor é mesmo ignorar


Pois as pérolas que proferem

Nada de novo acrescentam

E apenas aos donos conferem

Toda a parvoíce que ostentam



terça-feira, 12 de março de 2024

Provérbio provado rimado - MCCLXXIV

Anda bem agasalhado

Pra não estares constipado

E usa sempre cobertor

Faça frio ou calor



Provérbio provado num verso branco - CXL

A grande maioria dos frutos

Prefere amadurecer nos ramos mais altos


Os frutos tingidos são balões

Apontando na direcção dos céus


Mas há os que não nascem nas árvores

Frutos que se apanham do chão


Há frutos em que se pode tropeçar

Na magnitude dos seus caroços


No entanto o fito está na polpa

Está nos olhos que se erguem


O desejo mora sempre mais acima

E quem quer bolota tem de trepar



Provérbio provado num verso branco - CXXXIX

Se escuto o ouvido interno

É hora de dar voz ao instinto


É importante que em toda a parte

As gavetas estejam bem arrumadas


É certo que a gente tem uma medida

Exacta e certa para cada coisa


A distância que atribuo ao meu polegar

Pode corresponder a três passos teus


Analisa bem os números na régua

Um polegar é igual a três passos


Deseja pouco nem mais nem menos

De rio pequeno não esperes grande peixe



Provérbio provado rimado - MCCLXXIII

Quem confunde áurea com aura

A Tieta com a Escrava Isaura

E põe ésse nos seus devaneios

Estraga o português sem rodeios


A aderência e a adesão

Fazem-lhe imensa confusão

Muito abusa da redundância

E ao caso não dá importância


Maltrata o verbo haver

Depois há-de no Hades arder

E sempre que diz derivado

Devia ser logo avisado


Aconselho que volte à escola

E que meta a língua na tola

Pois pra ele muito falar

É sinónimo de pouco acertar



sexta-feira, 8 de março de 2024

Provérbio provado rimado - MCCLXXII

O Jota só quer poleiro

Andar a exibir os galões

Bate o tacão altaneiro

Para não dar encontrões


Está sempre bem penteado

Tão asseado é o Jota

De fato bem engomado

Dá-se ares de janota


O seu desejo é crescer

E almeja tal ascenção

Não quer o poleiro perder

Pra não rastejar junto ao chão



Provérbio provado desgovernado

Pronto, estavam assinados os papéis. Estado civil: divorciada. Custou um bocadinho; pronto, custou bem mais do que um bocadinho, mas agora aquela porta estava definitivamente encerrada. Podia deitar fora as chaves e descer as escadas sem olhar para trás.


Uma amiga, recentemente emigrada, falou-lhe nas aplicações de encontros. O ar do tempo. Levada pela curiosidade criou um perfil. Três ou quatro fotografias discretas, um texto de apresentação elucidativo mas não demasiado longo.


Já conhecia grande parte dos motéis dos subúrbios. A hora de almoço era um corropio. Alguns nem tiravam a aliança. A excitação inicial e o prazer obtido foram perdendo qualidade. A ginástica das agendas cansava-a e continuava a sentir-se só.


- Quem se governa com a picha alheia nunca se governa quando quer 

Provérbio provado rimado - MCCLXXI

Disseram-lhe Vem por aqui

E logo declinou o poeta

Não nego tudo o que vivi

Mas não sou nenhum profeta


Ele passou parte da vida

No meio de um vendaval

Que nos versos foi vertida

Com um toque especial


Sentiu-se sempre infinito

Sem princípio e sem fim

Nunca um menino bonito

Com diplomas e jardim


Deus e o Diabo o fizeram

Foi um trabalho completo

Que outros apareceram

Sem tal espírito insurrecto


Ele nunca se acomodou

Gritando aos quatro ventos

Que o átomo que o animou

Lhe ferveu os pensamentos


Pediu sempre por favor

Cuidado com as intenções

Que disfarçadas de amor

Poluem tanto as emoções


Cheio de força e de tusa

Deixou brilhantes poemas

Que integram a alma lusa

E seus principais dilemas


Mas na pátria os artistas 

Pouco são reconhecidos

Que ditam os economistas

Que não sejam enaltecidos 


Nomeando o José Régio

Presto-lhe esta homenagem

Não é nenhum sacrilégio

Pois tal foi sua coragem


E imaginando que me lê

Quero entregar um presente

Ó José diz-me porquê

Ninguém te fica indiferente


Após fazer a questão

Ofereço-lhe um ditado

Se esperas consideração

É melhor esperares sentado 




quinta-feira, 7 de março de 2024

Provérbio provado desnorteado

Ao fim de alguns meses a rondar cardumes sem que se aferissem nas redes mais peixes, os colegas pescadores do Amor do Sado alcunharam-no de Zé Vadio.

Não é que o Zé chegasse atrasado à faina, embora as olheiras denunciassem falta de sono. Também não é que fosse mandrião, pois largava -se ao trabalho com desenvoltura.

O problema do José Domingues era notoriamente uma lacuna na capacidade de concentração. Não se ocupava da mesma tarefa mais do que um minuto seguido, deambulando amiúde pelo convés com uma expressão ausente. Largava o impermeável e as galochas em qualquer buraco e depois acabava por andar a malta toda em busca dos seus paramentos. Punha sal no café e açúcar no arroz. O Zé Vadio era mais do que apenas distraído: era a desgraça total.

Tinha o hábito de debruçar o tronco na borda do barco anunciando alto e bom som: Até lhes vejo as espinhas! E então corria da proa à ré com o indicador molhado de saliva para sentir o vento. Para o Zé nunca estava de feição: a nortada fazia os peixes afundar, o suão mudava-lhes a rota. O vento tinha as costas largas. Tão largas como o mar e o horizonte.


- Quem navega sem destino nenhum vento é favorável 

Provérbio provado rimado - MCCLXX

Quem fica de faces coradas

Com as coisas comentadas

Ou de repente tem tosse

E age como se nada fosse


Se também engole em seco

Ao pé de qualquer badameco

Que lhe prega um raspanete

É porque enfiou o barrete



Provérbio provado rimado - MCCLXIX

Mandaste-me mais para sul

De Braga por ali abaixo

E eu fiquei logo azul

Com grande cara de tacho


Foi igual a me mandares

Direitinha àquela parte

E nesse momento virares

O bico ao prego com arte


Outrora pra ti bestial

Tornei-me na besta maior

Que o teu desprezo foi tal

Na voz senti-te o rancor


Fiquei um bocado ofendida

Mas depois chegou o perdão

A mais bela coisa da vida

É poder demonstrar compaixão



Provérbio provado rimado - MCCLXVIII

O Tó sempre foi ocioso

Até quando andava na escola

Era um menino preguiçoso

Indolente e até mandriola


E quando se tornou adulto

O Tó repetiu a façanha

A mãe concedeu-lhe indulto

Por não perceber que era manha


Ele andava na boa-vida

Trabalhando só o necessário

Com essa pose descontraída

Fazia de qualquer um otário


Por ser assim calaceiro

Pendurava -se nos colegas

Sempre tranquilo e ronceiro

Ele era só bocas e negas


Até que um dia o gerente

Que era um bocado totó

Surpreendeu toda a gente

Dando uma promoção ao Tó


E ao primeiro inquiridor

Que chamou ao Tó calão

Disse Se queres bom mandador

Escolhe sim o mais mandrião



quarta-feira, 6 de março de 2024

Provérbio provado determinado

A bem da verdade, mais que da vontade, houve de tudo um pouco. Houve quem não tivesse sequer terminado o curso, fosse por doença ou preguiça ou por não ter conseguido o tão difícil aproveitamento na cadeira de Termodinâmica. Mas cerca de cinco sextos completaram a licenciatura, numa proporção estabelecida pelo Martim que era o carola a Matemática.
O grupo de recém-licenciados apanhou então um avião para um destino semi-tropical onde dormiu pouco e se embebedou muito. Fizeram-se promessas de jantares futuros e juras de amizade para toda a vida. Só que depois regressaram. E chegou o momento das escolhas.
Quer dizer, chegou o momento das escolhas para aqueles que puderam escolher. Outros houve que tiveram de se contentar com o que apareceu. Tinham médias mais baixas ou falta de um sobrenome sonante. O caminho da grandeza estava-lhes vetado. Fosse como fosse, praticamente todos garantiram um cargo e uma posição remuneratória mais ou menos choruda.

Ao fim de dois anos e meio naquela multinacional, o Rodrigo começou a ficar impaciente. Achava-se uma marioneta e estava sedento de crescimento pessoal. Tivera uma ascensão rápida e auferia um salário formidável, mas sentia-se vazio, incompleto. Os fatos caros e os relógios de marca não lhe enchiam as medidas.
Um dia, sem que nada o fizesse prever, apresentou a carta de demissão e decidiu criar uma pequena empresa de jardinagem. Deixou de ter uma posição de status, passando a ser mais um micro-empresário guiado pela intuição. Perdeu o antigo rendimento mensal e acumulou dívidas a esmo. Porém, feliz como nunca estivera, o Rodrigo gostava de ser o seu próprio patrão.
Quando encontrava algum dos colegas da faculdade, estes surpreendiam -se com a sua decisão. Como quando encontrou o Francisco: de boné à banda e as unhas sujas de terra queixou -se da falta de segurança, da ginástica contabilística e das obrigações bancárias por cumprir. O Francisco tocou-lhe ao de leve no braço e argumentou:

- Mais vale ser rabo de pescada do que cabeça de sardinha

Provérbio provado rimado - MCCLXVII

O que é o jantar mamã?

São línguas de perguntador

Mais a tua se lá for

Até ao raiar da manhã


E amanhã o almoço?

Pergunta curioso o petiz

E logo a mamã lhe diz

Que são cascas de tremoço


E então depois a merenda?

Pois se nada te agradar

Serão bordas de alguidar

Que te ofereço de prenda


Mas o gaiato insiste

O que teremos á ceia?

Vão ser morrões de candeia

A ver se ele desiste



Provérbio provado num verso branco - CXXXVIII

Antes do voo prepara as asas

Para que aguentem o céu o sol e o breu

Sem estremecer ao ponto de falhar 

Que irão decerto abanar nas curvas

É próprio de qualquer linha que tenhas de transpor

Se é que tens um destino se é que tens um lugar 


É a infinitude de possibilidades que te congela antes da partida

Tudo o que pode correr realmente mal é demasiado possível

E essa ligadura em que te embrulhaste

Tolhe-te mais os movimentos do que te sara as feridas 


Engole o veio de saliva que te inunda de receio

Gigante como um princípio que te empata qualquer princípio 

Que ilustra o precipício que ainda não se prefigura lá à frente 

Não adianta que rezes se não for de optimismo a oração 


A ansiedade do início é grande e forte

Mas aguenta também a ansiedade intermédia

E principalmente a ansiedade que traz a repetição

À segunda e à terceira vez não é mais fácil


Existe um peso certo que equilibra os pratos da balança

Para que entre o receio e a esperança o medo não engorde demais

O medo da desgraça é bem pior que a própria desgraça 



Provérbio provado rimado - MCCLXVI

O Marco parece antipático

Por ser de tal forma apático

Demonstra grande indiferença

Por qualquer tipo de crença


Os olhos reviram-se tanto

Mas não é que seja espanto

O que acontece é conforme

A medida do seu tédio enorme


Nada do que o rodeia

O entusiasma ou refreia

O Marco não é acessível

A tudo ele é impassível


A fim de evitar o confronto

O Marco jamais está pronto

Para defender uma ideia

Que outras desencadeia


Não vale a pena por isso

Armar grande reboliço

Pois com o Marco ó caneco

É estar a falar pró boneco



Provérbio provado rimado - MCCLXV

Dos actos irreflectidos

Não esperes uma progressão

São gestos descontraídos

Feitos sem grande intenção


Assim como quem não quer

O que lhe põem à frente

Pois dá trabalho escolher

O que lhe é indiferente


Essa atitude blasé

Não cria nenhuma mudança 

E não percebo porquê

Será no fundo cagança?


Palavras da boca pra fora

Membros rígidos e tensos

Só apetece ir embora

Não batalhar por consensos


Que as lágrimas de sermão

E a chuva de trovoada

Quando caem na terra do chão

Normalmente não valem nada



Provérbio provado acelerado

Não sei porque é que não levas em conta os meus conselhos, Juliana; sou o teu pai e se desejo algum mal para ti que venha para mim, filha. Devias ouvir mais o que te digo: ando há muitos anos a bater mato e tenho mais experiência do que tu. 

Sabes qual é o segredo, minha filha? É nunca desistir, continuar sempre em frente. Em cinquenta anos de trabalho nunca faltei: ia constipado, ia com febre, mas ia sempre!

A tua mãe nunca compreendeu esta minha forma de ser. Principalmente quando eu não alinhei naquelas sessões de terapia de casal, era só o que me faltava! Então ela chegava do psicólogo com a cabeça cheia das tretas que ele lhe impingia... Acusava-me de praticar a chamada fuga para a frente; ou seja, o que ela queria dizer era que eu andava a empurrar com a barriga, como se não soubesse o que andava a fazer.

Já viste a desconsideração, Juliana? Eu que nunca lhe deixei faltar nada e ela, de repente, de um dia para o outro, só me encontrava defeitos. Pois bem, dei-lhe o divórcio como ela quis! Nem pestanejei. Assinei os papéis e lavei dali as minhas mãos.

Por isso te repito, filha, é continuar sempre em frente, aguentar os embates, dar luta até ao fim.


- Andar para trás é ensinar o caminho ao Diabo 

Provérbio provado num verso branco - CXXXVII

As palavras que de noite nos embalam

Estarão já mortas pela manhã

O sono esvazia as frases do presente

Enquanto o sol faz acordar um novo vocabulário


Às vezes repetimos os discursos

Para que os dias se aproximem e nos vistam

Nessa busca do tamanho certo

Quanto mais é a linguagem mais familiar

O conforto aumenta e é menor o temor


Mas as palavras da noite não são para a manhã

Têm cores diferentes e até ruídos

Andam mais ou menos despidas

Porque as pessoas são as circunstâncias

E as palavras as suas condicionantes 



Provérbio provado rimado - MCCLXIV

Se tu soubesses realmente
O quanto me é indiferente
Saber que carro conduzes
Dessa forma não me seduzes

É porque sinceramente
Sou bastante renitente
Aos teus sinais de riqueza
Pode ser uma defesa

Se escolhes o restaurante
Não tem de ser elegante
Nalgum lugar super chique
Basta-me um piquenique

Pra mim o que é importante
É desfrutar desse instante
Não preciso de caviar
Nem de lagosta ao jantar

Não gosto das tuas peneiras
Apesar de teres boas maneiras
Vê se deixas de te gabar
Assim não me vou interessar


terça-feira, 5 de março de 2024

Provérbio provado rimado - MCCLXIII

O José é tão inteligente

Interessante é dizer pouco 

Decerto é um homem diferente

Tem um sorriso meio louco


Quando me escreve uma frase

Não dá erros de ortografia

Sabe compor bem a sintaxe

Nem por isso tem a mania


Tem a máxima pontuação

No que ao sex appeal diz respeito

Capaz de despertar a tesão

Ou mais umas batidas no peito


Ele sabe que sou atrevida

Tirou-me logo o retrato

Apesar de meiga e querida

Parecer que não parto um prato


Queria fazer-lhe um convite

Que extravasa o atrevimento

Mas não sei se ele permite

Ou se está assim a contento


Um café ou o chá das cinco

Para não partir em abuso

Não demonstrarei muito afinco

São as fracas armas que uso


Depois destes versos ele ler

Eu ficarei na expectativa

Espero não me arrepender

Preferir ter sido evasiva



Provérbio provado rimado - MCCLXII

Nem tudo o que luz é ouro

Nem tudo o que é feio é mau

Quem não tiver o que fazer

Que faça colheres de pau


Pois o brilho pode enganar

E fazer parecer melhor

É uma lente de aumentar

Que até confunde o amor


O que é feio pode ser bom

Para lá da primeira impressão

É preciso é escutar o tom

Que nos toca ao coração


E se nada disto comove

Sobra sempre outro entretém

A quem a expressão não demove

Que faça colheres também



Provérbio provado rimado - MCCLXI

Eu já comi muito milho 

Debaixo do espantalho

Mas arranjei um sarilho

Que me deu muito trabalho 


Comi ainda o pãozinho

Que o diabo amassou

Aguentei tanto sozinho

Nenhuma pessoa ajudou 


A vida toda na trave

Tantos frangos virei

E o que houve de grave

A ninguém assim contei 




Provérbio provado do relógio comprado

Quando terminou a instrução primária o avô quis oferecer-lhe um relógio como fizera a todos os netos. Veio de lá o Sr. Silvestre, numa tarde muito quente de Julho, na sua carrinha de caixeiro viajante relojoeiro e ourives. 

Que deixasse a menina escolher o modelo que mais lhe agradasse, disse o avô ao Sr. Silvestre. Porque este relógio lhe havia de fazer companhia no pulso por muitos e longos anos. A Mariana experimentou um, experimentou dois e ao terceiro lá se decidiu: era aquele! Um relógio discreto com a braçadeira preta e o mostrador quadrado.

Então era hora de lhe dar corda. O Sr. Silvestre deu os primeiros safanões ao mecanismo, mostrando orgulhoso os ponteiros a rodar e pedindo silêncio aos primeiros tiquetaques. Bastaria repetir o gesto de rodar a coroa no sentido horário uma vez por dia e teria ali um parceiro para toda a vida.

A Mariana aquiesceu e fez menção de se afastar. O avô, embevecido pela maturidade da netinha, deu um passo para a seguir. De imediato, o Sr. Silvestre mudou de cara e interpelou o avô:

- Ó Sr. Manuel, e então quem me paga? Vá lá que ainda lhe desconto 300 mérreis, que mais não posso tirar...


- Quem trabalha de graça é o relógio 

Provérbio provado rimado - MCCLX

O Fernando lança a escada
Para ver se algo lhe calha
Porém se não calhar nada
O Fernando não se atrapalha

Sabe o que é o fair play
E tem muito jogo de cintura
Percebendo que o evitei
Não reagiu com amargura

Por aqui se vê que o Fernando
Não é um ser interesseiro
Se lhe falha a voz de comando
Ele sabe ser um cavalheiro


domingo, 3 de março de 2024

Provérbio provado rimado - MCCLIX

Como qualquer comum mortal

Também me queixo do passado

Por me ter ao trilho lançado

Cada mágoa descomunal


Felizmente não embruteci

Continuo a ter a ilusão

De que há compensação

Para o que então vivi


Acredito que é a exclusão

Que dá à regra sentido

Não é um tabu invertido

Mas sim uma associação


Pois tudo o que foge da norma

E consegue ser original 

Podem tê-lo por marginal

Sempre alguma coisa transforma


E se a melhor companhia

Da regra é a excepção

Não há mulher sem senão

Mas que estranha analogia!



sábado, 2 de março de 2024

Provérbio provado rimado - MCCLVIII

Palavras não enchem barriga

Ouve o que te digo amiga

Porque se com fome estamos

Com a mesma fome ficamos 



Provérbio provado rimado - MCCLVII

O que tenho de espontaneidade

Falta-me porém em coragem

Por temer uma contrariedade

Às vezes não faço a viagem


Assim me vejo insegura

Por estar o futuro tão longe

Sou além disso bem pura

Mas não tanto como um monge 


Já a boa disposição

É algo que me caracteriza

Mas depende da ocasião

E do que cada um prioriza


Consigo ser muito querida

Todavia também narcisista

Em grupo sou divertida

Ao espelho um pouco egoísta 


Diz que a minha inteligência

Está um pouco acima da média

Não desejo qualquer prepotência

De me achar uma enciclopédia


Se me pedem opinião

De certeza serei sincera

Sem pender para a aprovação

Contudo não sendo megera


Resumindo sou tão intensa

Nem toda a gente aguenta

Mas afinal o que compensa

É não jamais violenta


Se a frase me sai agressiva

Desculpem qualquer coisinha

Que não tenho tiques de diva

Nem sou uma mulher mesquinha



Provérbio provado rimado - MCCLVI

Será por burrice ou preguiça
Que te baldas dessa forma?
Não deixo de ver a injustiça
De nunca cumprires a norma

Não podias cagar de mais alto
Para as instruções que te dão
Tudo fazes sem sobressalto
E sem qualquer dedicação

Apesar de tão mal enjorcado
Tudo o que sai do teu punho 
Não te cortam no ordenado 
Não reclamam do fraco rascunho 

O tamanho do teu empenho
Podia bem vir a aumentar 
Mesmo fazendo um desenho 
Tu não estás para te esforçar 

É tal a tua falta de brio
Que limita ao teu redor 
A boa fé que surgiu
Para tudo correr melhor 


sexta-feira, 1 de março de 2024

Provérbio provado rimado - MCCLV

Não há sexo que sempre dure

Nem erecção que não acabe

Mas ainda assim que perdure

Aquilo que a gente sabe


É desporto tão salutar

Que contém esfoliação

Quando a barba por aparar

Pode aliviar a tensão


Que se faça com muita vontade

Até se ficar quase exangue

Se é feito com reciprocidade

Faz ferver bem quente o sangue 


Deixa qualquer um mais feliz

Generoso e descontraído

Ao contrário de quem não quis

Nem foder nem ser fodido


Então surge o tal comentário

Que da boca do povo costuma

Sair de tal forma ordinário:

Estás a precisar de dar uma!



Provérbio provado rimado - MCCLIV

Olha que também no trabalho

Se pode construir a amizade

Apesar de tanta falsidade

E das cartas fora do baralho


Para isso há que observar

Para lá do que é evidência

Pois no fundo cada vivência

Tem sempre algo para contar


Pode parecer tempo perdido

Tanto ouvir e querer conhecer

E deixar a conversa estender

Ao invés de estares distraído


Então dá uma oportunidade

Àqueles que mais te ignoram

Pois também decerto já foram

Invisíveis na tempestade


Essa gente com quem tu passas

Quase um terço da tua vida

Merece ser bem acolhida

Cair nas tuas boas graças



Provérbio provado rimado - MCCLIII

A felicidade não depende

Daquilo que cada um quer

E apesar do que assim pretende

Não se pode contudo escolher


Ela é coisa que se realiza

Somente com o que se alcança

Se a pessoa se desmoraliza

Acaba por perder a esperança


É um estado que se multiplica

Quanto mais se puder dividir

Não pela recompensa que fica

Mas por ser tão capaz de unir


Desde que não se seja egoísta

Dá tal sensação de pertença

Que apetece ser comodista

Para sentir a sua presença


Por isso é de aproveitar

Quando surge de supetão

E aprender a valorizar

Tais momentos de descontração



quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Provérbio provado rimado - MCCLII

Tanta electricidade trazia

O relâmpago que me acertou

Enchendo-me de tal energia

Que o mundo ao redor pasmou


Pareceu um passe de mágica

Quando já me achava descrente

Aceitando uma sina trágica

De quem sempre se sente suplente


Tu chegaste assim a galope

Mas não tinhas cavalo nem sela

E então eu previ um flop

Ou qualquer tipo de sequela


Mas senti-te ali tão inteiro

Cheio de amor para dar

Que te percebi verdadeiro

E sem tempo de raciocinar


Então nesse momento tremi

E precisei de um beliscão

Por sentir desejo por ti

Querer andar na tua direcção 


Quase ainda nem acredito

Noto-me de tal forma sortuda

Porque és inteligente e bonito

Temo uma trapalhada bicuda 


De manhã acordo a sorrir

Ao recordar o teu pedido

Por não receares assumir

A seta divina de Cupido



Provérbio provado rimado - MCCLI

Portugal de escravos rasteiros

Simulando não ter pretensões

Que inveja os povos estrangeiros

E suas tão perfeitas nações


Que aqui quem quiser ascender

Há-de praticar a humildade

Que assim lhe permita esconder

Tanta falta de sinceridade


O sorriso como uma farda

Um ar meio tolo e contente

De pessoa sempre felizarda

Por não saber ser transparente


Enfileira atrás do rebanho

Evitando ir na dianteira

Próprio de um ser tão tacanho

Que não concebe fazer asneira 


Assim sempre tão bem comportado

Nem por sombras dá algum mote

Há um acto em que é graduado

Sacudir a água do capote



segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Provérbio provado rimado - MCCL

Não sou uma mulher troféu
Que se possa exibir ao léu
Tão pouco sou só fachada
Cheia de ar e mais nada

Tenho neurónios caneco
Mais do que Tico e Teco
E tenho ideias precisas
Mesmo não sendo concisas 

É tão gigante o ego
Chega até a dar medo
Contudo não sou egoísta
Muito menos alpinista

Não tomo por verdadeiro
Qualquer poder ou dinheiro
O que prezo é inteligência
Humor e alguma vivência 

Eu tenho as minhas vontades
Que trazem contrariedades
Porém caprichosa não sou 
Disso ninguém me acusou 

Mas sou um pouco instável
Também muito vulnerável 
Pois é fácil ficar magoada
Com uma palavra errada

Gosto de obter a atenção
Que traz a boa intenção 
Mas se me querem elevar
Prescindo desse patamar 

Eu não me entrego plo meio
Não volto atrás com receio 
Contudo apesar desta sede
Esbarrei em tanta parede

Mas do amor encantada
Crente continuo contudo
Que nasce de quase nada
E morre de quase tudo 


sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Provérbio provado rimado - MCCXLIX

Ele estava em convalescença

De grave e recente doença

E tinha o trabalho perdido

Sem ter um lar adquirido 


Viu-se assim apertado

Sem futuro assegurado

Só mesmo um milagre podia

Devolver-lhe alguma alegria 


Então conheceu a Florbela 

E viu certa magia nela 

Que nos olhos lhe brilhava

Crente que não se enganava


E nesse momento pensou 

Na ideia que assim cimentou

Estas é que são as melhores 

Mulheres para os amores 


Como ela era solteira

Com uma vida corriqueira

Logo ele se fez convidado

Para o apartamento mobilado


Ela de imediato anuiu

As portas do lar lhe abriu

Pondo-lhe à disposição

A cama e também coração


Ficaram juntinhos os dois

E o que se passou depois

É tão fácil de adivinhar 

O mal esteve em começar


Pois estando apaixonada

Não lhe recusava nada 

Pediu a primeira parcela

Jurando ir devolvê-la


E ela que nem patinha

Deu até o que não tinha 

E o filme acabou torto

Quando fugiu para o Porto


Dívidas até aos milhares

Mas que azar dos azares

Pobre Florbela coitada

Assim ficou arruinada


Sugada até ao carolo

Pois muito come o tolo

Aproveitando o que há 

Mas mais tolo é quem lho dá 



quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Provérbio provado rimado - MCCXLVIII

O sol não casa com a lua

Porque tanto muda de quarto

E aparece assim bela e crua

Quando o sol do dia está farto 


Sempre que ele se vai deitar

É que a lua sabe surgir

Tantas horas só a desejar

Para logo depois ir dormir


Quando ela desperta já tarde

Com os seus cabelos de luz

Consegue sem nenhum alarde

Sentir como o sol a seduz 


Aquece -lhe a superfície

Com o seu último calor

Enquanto cai na planície

Num instante de estertor 


Se coabitar conseguissem

A união seria perfeita

Se entretanto não se sumissem

Numa separação que é suspeita


É uma relação impossível

Como a do cacto e o balão

Que a lua é mais sensível

Ao desgaste que traz exaustão


Só amores desperdiçados

Há neste mundo impreciso

Concluídos ou inacabados

Com estratégia ou de improviso


Que é a vidinha dizeis

Não interessa haver queixume

O amor conduz-se por leis

Que podem trazer azedume