Provérbios Provados noutras casas:

quinta-feira, 28 de maio de 2020

Provérbio provado rimado - DCCCLVIII

O Renato veio da aldeia
Para casar com rica feia
Que o trata como capacho
O põe ao fogão com o tacho

Pois pobre com rica casado
Mais que marido é criado
E ela é mulher de janela
Nem costura nem panela


quarta-feira, 27 de maio de 2020

Provérbio provado rimado - DCCCLVII

O melhor tempero é a fome
É melhor que pimenta e sal
O saco vazio quando come
Tudo lhe sabe divinal

Não escolhe nem é esquisito
E aceita qualquer refeição
Que o estômago está aflito
Aguarda a sua porção

Provérbio provado rimado - DCCCLVI

O teu nome próprio é comum
Tu tão próprio como nenhum
Os teus olhos verdes atentos
Às vezes parecem cinzentos

Os teus dedos são tão compridos
Onde os meus repousam esquecidos
O meu corpo encaixa no teu
E assim fica mais perto do céu

Ficamos horas a falar
Até um de nós se cansar
Gosto quando a boca me beijas
É sinal de que até me desejas

Pois a boca que se beijou
Nunca mal se desejou
Guardo da tua a memória
Para escrever a nossa história

Provérbio provado rimado - DCCCLV

Dois olhos na cara nós temos
Para ter a dobrar atenção
Às vezes olhamos e não vemos
Tudo está na nossa intenção

Quando o da direita vigia
O grupo inteiro de amigas
O da esquerda vê a biologia
De um carreiro de formigas

Uma nuvem que passa de um lado
Do outro num ramo mais perto
Pousa um pássaro em tal trinado
Cantando neste céu aberto

Um olho no peixe outro no gato
Um olho no burro outro no cigano
Um olho no garfo outro no prato
Se há dois olhos há sempre engano

terça-feira, 26 de maio de 2020

Provérbio provado rimado - DCCCLIV

Não vás mijar contra o vento
Muito menos se for ao relento
É uma actividade sem arte
E má ideia da tua parte

Não comas de boca cheia
Que é uma coisa tão feia
De te repetir não me canso
E tu sempre armado em tanso

Não fales antes de pensar
Pois tens a mania de chocar
Gostas de ser diferente
Lá nisso tu és competente

Não sejas fora da caixa
Bate mas é a bola baixa
Que o guarda redes é anão
Mas pode defender com a mão

Provérbio enraivecido

O Ricardo era o irmão do meio e o mais equilibrado dos três. O mais velho era um estroina que só queria carros e mulheres de alta cilindrada. O mais novo também gostava de viaturas potentes, sendo no entanto sempre fiel à mesma namorada de infância: uma loura alta e estonteante que exigia alta manutenção e lhe fazia a cabeça em água.
O Ricardo tinha o seu Fiat que fazia um barulho de charrete e o seu metro e sessenta de Fátima, a namorada desenxabida que vivia numa cidade distante onde passava os dias enfiada num laboratório farmacêutico a trabalhar.
Os pais confiavam no Ricardo para gerir o negócio familiar. A bem dizer, os três irmãos tinham a tarefa entre mãos, sendo que o mais velho contactava directamente com os fornecedores e ao mais novo cabia a gestão de marketing, mas no fim das contas sobrava tudo para o bom do Ricardo pois, entre as ressacas de um e as escapadelas românticas do outro, este era sábio, constante e diligente e não deixava ninguém pendurado.
Até que um dia os pais, já entradotes na idade, resolveram ir gozar a reforma dourada num país dos trópicos e reuniram os três filhos para lhes comunicarem a decisão da divisão do negócio em partes iguais. Assim mesmo, sem tirar em pôr: um terço para cada um, trinta e três vírgula três três três por cento para cada um.
O mais velho sorriu satisfeito. O mais novo sorriu satisfeito. O Ricardo deixou cair os cantos da boca, começou a enrubescer, a enrubescer, até ficar com a cara em brasa e, de repente, saltou como uma mola da cadeira onde estivera até então sentado, crispou os dedos raivosos nas costas da cadeira e atirou-a com força na direcção dos expositores onde se dispunha todo o merchandising negocial. Finaram-se um a um, não sobrou pedra sobre pedra, ou melhor estilhaço sobre estilhaço. No fim de partir tudo à sua volta, Ricardo sorriu satisfeito.

- Quando a raiva chega, a sabedoria parte

Provérbio provado rimado - DCCCLIII

Queres sopas depois do almoço
Tu nunca estás satisfeito
Até comes da fruta o caroço
Viras a refeição toda a eito

Nunca vi tamanho comilão
Gostas de doce e salgado
E ainda estás na digestão
Para o lanche estás preparado

Ainda reclamas com fome
Quando à noite a luz se apaga
Mas olha que quem muito come
Normalmente também muito caga

Tenho pena da tua sanita
Do autoclismo que trabalha
Não deve ser tarefa bonita
O número de vezes que calha

Estás constantemente a obrar
E logo hoje que foi feijoada
Faço ideia o aroma no ar
A cada tua nova tirada

Provérbio provado rimado - DCCCLII

Em latim é esta expressão
Mas é fácil a tradução
Mens sana in corpore sano
Assim deve ser todo o ano

Significa que aliar convém
A mente ao corpo também
Se o corpo o ginásio frequenta
Que trabalhe a massa cinzenta

sábado, 23 de maio de 2020

Provérbio provado num verso branco - LXXXVI

Temos de viver como se eternos
Sem uma morte pensada
A morte é a ausência de pensamento
(Nem o cansaço extremo a ausência de pensamento) 
Que revelará os segredos da vida

Sem uma morte pensada
Pensar completamente a morte é morrer
A morte não chega de véspera

Provérbio provado rimado - DCCCLI

Farta-te gato que é dia de Entrudo
Lá fora na rua anda um cabeçudo
Hoje tu terás ração melhorada
Por ser Carnaval parece piada

Andam matrafonas ali na festa
Palhaços e índios com setas na testa
Super heróis e demais bonecada
Cada um com sua partida pregada

Passam tantos foliões divertidos
Das agruras da vida esquecidos
Sambistas e corsos carnavalescos
Uns encalorados outros mais frescos

Mas olha ó gato que faltam mais dois
Dias de Entrudo para gozar depois
Vais ter mais refeições cada dia
Na quarta feira acaba a gritaria

Provérbio provado rimado - DCCCL

A ausência e também a distância
Confirmam muito a constância
Pois quando ao longe estamos
As pessoas mais valorizamos

Por ser tão grande a saudade
Sentimos falta de verdade
E então cada pormenor
Só engrandece o amor

É quando enfim nos unimos
O caminho das bocas seguimos
Seja homem ou seja mulher
Só se beija a quem se quer

Provérbio provado rimado - DCCCXLIX

Acordaste com bafo de onça
E ainda te fazes de sonsa
Reconhece que exageraste
Da bebida ontem abusaste

A boca sabe-te a papel
De romances de cordel
Lava a cara com água fria
Recupera lá dessa azia

Provérbio provado rimado - DCCCXLVIII

A Célia era um pouco feinha
Não teve muitos namorados
Passou muito tempo sozinha
Aos pais fazendo recados

Um dia o Tomé apareceu
E da nossa Célia gostou
A vontade dos dois concebeu
Um bebé que cedo chegou

Foi grande a correria
Para a boda preparar
A barriga mal aparecia
Era preciso disfarçar

Então deu-se o casamento
Num dia comprido de verão
O nosso Tomé ciumento
O anel lhe quis pôr na mão

Pois a Célia tão requisitada
Por encantos que foram repentes
Que depois da noiva casada
Não lhe faltam pretendentes

Provérbio provado rimado - DCCCXLVII

Olha que comer sem pão
É comer como lambão
Que o pão ajuda a encher
A barriga mais que a colher

Provérbio provado rimado - DCCCXLVI

Que grande forrobodó
Já amanhã se aproxima
Vem a tia e vem a avó
Vem o genro e vem a prima

Vai ser enorme festança
Até vai meter churrasco
O adulto e também a criança
Tudo bebe directo do frasco

Comezainas e bebidas
É que não hão-de faltar
As tias ficam espremidas
Nas cintas até rebentar

À noite o baile caseiro
Será uma festa animada
Veremos quem é o primeiro
A tirar a camisa molhada

Viva o popular festejo
Que junta a malta toda
A união é um desejo
E a cabeça anda à roda

Provérbio provado rimado - DCCCXLV

Há quem saiba puxar em comum
Mas não saiba em comum pensar
Que as ideias não quer partilhar
Não se acerca de homem nenhum

Vai trilhando o seu caminho
Com os seus pensamentos na mente
Sabe Deus o quão impotente
Se sente tantas vezes sozinho

Podia ser mais companheiro
Praticar a entreajuda
Pois haverá quem acuda
Se ele precisar primeiro

Será egoísmo ou preguiça
Que lhe impedem a empatia?
Não conhece qualquer simpatia
Nem sequer quando vai à missa

Espera sempre que o outro do lado
Se lhe incline numa mesura
Até tem no bolso fartura
Mas diz que é remediado

No fundo faz mais quem quer
Do que quem apenas só pode
A água do capote sacode
Deixa tudo para quem vier

sexta-feira, 22 de maio de 2020

Provérbio provado a seu tempo desvendado

O que vou fazer com todo este tempo livre? - pensou. Dizer tempo livre era como que uma piada, já que não havia liberdade nesse tempo.
Tenho todos estes livros por ler, abri-los-ei um a um a lerei a primeira página de cada: assim decidirei quais as minhas prioridades de leitura, independentemente das opiniões dos críticos, do que já me sugeriram outras leituras, os meus amigos e os leitores dos fóruns que costumo frequentar - considerou.
O problema era que tinha a sua biblioteca pessoal tão criteriosamente organizada que tirava toda a espontaneidade ao acto: a poesia para um lado, o teatro para o outro, os romances nos seus variados géneros, os contos, as crónicas e no fim uma amálgama a que chamava Outros géneros literários onde cabia a literatura que não era capaz de classificar. Quatro grandes estantes espraiadas nisto da ficção. Depois do lado oposto da sala uma só estante, das mesmas dimensões mas mais desorganizada, a da não-ficção, onde se notava uma falta de carinho e de cuidado, mas ainda assim a Psicologia e a Filosofia andavam de mãos dadas, as ciências agrupavam-se e as artes brilhavam ao pé da História.
Que fazer?; desarrumar toda a biblioteca para que não fosse a organização desta um incentivo a nenhuma preferência ou encontrar uma forma aleatória de seleccionar a primeira página do primeiro livro?; fechar os olhos e apontar uma lombada completamente ao calhas? ou contar a sua idade (e naquele momento apercebeu-se que já vivera mais de metade da sua vida) ou o dia do seu aniversário ou o ano do seu nascimento várias vezes? - questionou-se.
Decidiu-se pela primeira opção e, depois de abrir os olhos e ver para que lombada o dedo apontava, pegou no primeiro livro. Com um sopro trémulo, descolou as primeiras folhas e sorveu as primeiras linhas. As palavras transformaram-se em lugares luminosos. Foi como se caminhasse por uma rua da sua cidade, ali encerrado em casa, aninhado como um bicho de contas, redondo e imóvel num longo silêncio. Se calhar a poesia não era a melhor escolha para o tempo de confinamento: punha-se um homem numa tal divagação que só encontrava ainda mais solidão. Como se numa maratona houvesse alguém correndo a seu lado mas na direcção contrária e esse alguém era a sua imagem reflectida no espelho.
Resolveu ir almoçar e deixar os poemas de lado. Fez arroz branco e abriu uma lata de salsichas: refeição frugal a condizer com o seu prato individual à mesa. Um copinho de vinho, porque afinal tanta sobriedade um dó de alma, já basta a maçã cortada aos quartos para sobremesa (haverá lá coisa mais sensaborona que uma maçã crua?).
A seguir ao almoço foi à varanda fumar. Disse boa tarde à vizinha que estendia roupa na varanda contígua. A vizinha desdobrando-se toda em boas vontades, que se ele precisasse de alguma coisa ela teria todo o gosto em providenciar, promessas de mercearias, até de sopa quente ao jantar. A vizinha lastimando-o por o saber em teletrabalho; fora assim que a empresa decidira por hora não fazer despedimentos, vamos ver, vamos ver se isto não dura muito tempo...
Nem lhe soube bem o cigarro, nunca havia trocado mais de um cumprimento forçado com a varanda do lado e, de repente agora, este despropósito, esta entreajuda, quase carnal não fossem os abraços proibidos, quase apostou que se pudesse a vizinha ali mesmo um abracinho varanda afora. Dona Dores, assim descobriu que se chama, onde lhe dói, minha senhora? - pensou, meio divertido meio acabrunhado.
Quando voltou para dentro, hesitou entre ir dormir uma sesta ou continuar a desvendar a biblioteca à procura da leitura perfeita. Deitou-se no sofá da sala, defronte das estantes da literatura e adormeceu fitando as lombadas. Assim que despertou, e sentindo a falta do café que não tomara após o almoço, dirigiu-se à cozinha e reparou que no enorme relógio de parede os ponteiros já marcavam as quatro da tarde. Um dia quase totalmente desperdiçado, bolas!, é esta a poesia do meu quotidiano confinado? - cogitou.
Apressou-se em enfrentar de novo as estantes e, num ápice, fechou os olhos empunhando o indicador. Nem olhou bem o título nem o autor, precipitou-se logo para o miolo, abrindo o livro a meio, subvertendo as regras do seu próprio jogo.
Analisando as poucas linhas que leu (era a história de um escritor fracassado), esta história lembrava-lhe do seu desejo de criança de um dia vir a escrever livros. Nunca o fizera. Talvez lhe faltasse o pêlo dos gatos, o chilreio dos pássaros ou saber o nome das espécies arbóreas: o escritor deve saber tanto de Botânica como da segunda lei da Termodinâmica. Fora apenas informático mas, repare-se!, um bom e meticuloso informático - repetia de si para si. Na empresa, porém, quase ninguém sabia do seu desejo de menino e limitava-se a escrever códigos binários.
Noutro dia, vira por acaso um concurso que premiaria com mil euros (que jeito lhe dariam agora mil euros!) quem escrevesse um conto de dez páginas sobre a quarentena. Sorriu: se conseguisse, tal como o protagonista do livro, escrever duas páginas já era muito! Além disso sobre o que escreveria?, sobre a biblioteca que queria desvendar, a poesia insípida do seu quotidiano ou a vizinha das Dores a precisar de um abracinho? - e adormeceu de novo no sofá, sem ter jantado, com a televisão ligada num programa de culinária.

- Atrás de tempo, tempo vem

Provérbio provado nos Contos que cabem em casa - V

Mais um Provérbio provado para escutar nos Contos que cabem em casa. Espero que gostem do Provérbio canino feminino

Ouvir

Provérbio provado nos Contos que cabem em casa - IV

Mais um Provérbio Provado que cabe nos Contos que cabem em casa. Desta feita é o Provérbio planetário

Ouvir

Provérbio provado rimado - DCCCXLIV

A poesia é um esconderijo
Mas também um altifalante
Por um lado parece-se rijo
Por outro somente inconstante

A poesia não se explica
Porque só se pode sentir
E às vezes o verso que fica
É aquele que nos fez sorrir

A poesia é uma confissão
Para lá dos simples botões
Feita com cabeça e coração
Ou apenas cruas emoções

A poesia é talvez um trilho
Que para dentro conduz
Pode ser salvação ou sarilho
Mas decerto que assim seduz

A poesia até faz voar
Também da alma para fora
Leva a gente a viajar
Sem daqui se ir embora

A poesia é coisa qualquer
Que habita em todas as casas
A formiga quando se quer perder
Lê-a e logo depois cria asas

Provérbio provado rimado - DCCCXLIII

Se sentes tudo sempre igual
A vida composta de enguiços
É porque para ti é normal
Passar dias a encher chouriços

quinta-feira, 21 de maio de 2020

Provérbio provado rimado - DCCCXLII

Se os cristãos são filhos de Deus
Os maridos das mães são padrastos
Não sei como será com os ateus
Terão certos conceitos mais vastos

Uns são filhos outros enteados
Desfrutam de formas diferentes
Uns vivem muito emocionados
Os demais vivem descontentes

quarta-feira, 20 de maio de 2020

Provérbio provado num verso branco - LXXXV

O amor é o egoísmo interior multiplicado por dois
Queremos no outro mais e mais de nós
A frase pronta o gesto perfeito o espelho
Queremos dado e arregalados e pronto a desembrulhar 
Não suportamos esperar que deixe de ser triste quando é triste 
Porque o amor às vezes tem de ser um pouco infeliz

Provérbio provado rimado - DCCCXLI

Sabes que tendo convidados
Sejam tão bem ou mal tratados
É cá uma manha de Portugal
Comer bem beber bem e dizer mal

Provérbio provado amalucado

O João era demasiado falador e entusiasmava-se com muita facilidade. Claro que não fazia por mal, mas a verdade é que isso frequentemente irritava os outros. É que o João estava sempre excitado com algo in extremis e isso tornava-se cansativo para quem o rodeava, pois tinha alguma dificuldade em permanecer sereno e estabelecer interacções mais tranquilas.
Na mesma linha, o João também tinha tendência a querer estar sempre ocupado com alguma coisa divertida e, além disso, não gostava de ficar muito tempo no mesmo sítio, já que se aborrecia rapidamente. Inevitavelmente acabava por ofender as suas companhias, porque criava nelas a sensação da não apreciação.
O João não apreciava sentir-se preso nas suas relações amorosas e tinha alguma tendência para ser infiel e para procurar novas fontes de divertimento, acabando por ser odiado pelas namoradas traídas.
No entanto, o João sabia divertir-se sozinho e era conhecido pela sua autonomia, não precisando necessariamente dos demais para se sentir bem. Gostava de desfrutar das suas próprias aventuras e agendar programas sozinho, porquanto não desejasse sentir-se dependente da vontade dos outros. Caso quisesse experimentar algo, fazia-o, pois era demasiado impaciente para esperar por alguém.
Tinha outro defeito assinalável: o João estava constantemente a mudar de ideias, tendo pouco controlo emocional. Tanto podia estar incrivelmente chateado em determinado momento, como absolutamente feliz no seguinte, sendo difícil para os que o rodeavam lidar com estas alterações de humor. Mudando assim de ideias e vontades com excessiva facilidade, o João, que inicialmente conseguia cativar as pessoas, rapidamente as conseguia afastar.

- Breve é a loucura, longo é o arrependimento

Provérbio provado recompensado

A Helena sempre tinha sido para o cheinho, para não dizer assim para o balofinho. A mulher quer-se pequena como a sardinha e Gordura é formosura: por aqui já podem ter uma boa ideia das medidas da nossa Helena.
Na realidade, a Helena era um bom garfo e gostava da cozinha tradicional portuguesa, por isso dietas à base de saladas e produtos macrobióticos não eram com ela.
Depois veio a primeira gravidez, veio a segunda, e o perímetro abdominal alargou de tal forma que nunca mais voltou ao lugar.
E depois veio o divórcio. Claro que a Helena não gostava de relacionar o seu aumento de peso com a partida do marido, mas o facto é que, após assinar os papéis da separação, jurou a si mesma que havia de emagrecer.
No dia seguinte, do nada, sem qualquer preparação física, começou a correr. Nos primeiros dias só descia a longa avenida, subindo-a na volta a passo. Entretanto já a subia a correr. Depois já corria para lá da linha do comboio em direcção ao circuito de manutenção municipal. Ao fim de um mês, já completava todo o circuito e ainda regressava a correr para casa.
Todos os dias, todos os dias, Helena calçava os ténis e corria quilómetros. Mas já não lhe chegava. Começou a correr até mais longe, primeiro ia até ao palácio e voltava, mais tarde até à mata onde corria por entre as árvores.
Retornava a casa feliz da vida e os filhos, atónitos, iam vendo a mãe encolher a olhos vistos. Aliás, toda a gente reparava em como Helena havia rejuvenescido. O ex marido também reparava, mas entretanto já estava noutra relação com uma mulher mais gorda que, a agora magra, Helena que tinha, por sua vez, um novo namorado.

- Todo o esforço tem a sua recompensa

Provérbio provado num verso branco - LXXXIV

A vida continua

A vida não é uma passagem: é uma arte
A arte de se continuar apesar de tolhido e descalço
Exposto aos ventos cruzamentos sentimentos
De só soçobrar momentaneamente: é permitido
E logo após reerguer-se na perpétua continuação

Provérbio provado rimado - DCCCXL

Skin heads são muito tolos
Carecas até nos miolos
São neo nazis e fascistas
Facciosos e racistas

Tenho uma dificuldade
De lidar com tal realidade
Gente de extremos duros
Que concorda com muros

Gente com o pavio curto
Que tem facilmente um surto
Inflexível e intolerante
Para mim é pouco interessante

Provérbio provado rimado - DCCCXXXIX

Sendo o espectáculo de dar dó
Bates as palmas com uma mão só
Sorriso amarelo e rabo na cadeira
A sair da sala serás a primeira

Cheia de sono só abres a boca
Só te apetece gritar feita louca
Tens vergonha não chega a lata
Aguenta com o sangue de barata

Provérbio provado rimado - DCCCXXXVIII

Se uma coisa é para não se saber
Que se faça inquérito como deve ser
Nas repartições tudo é misterioso
E há quem proceda de modo ascoroso

Ladrões tratantes e bisbilhoteiros
A fazer maldades são sempre os primeiros
Porém pouco ou nada ajuda a chefia
Que a tais sujeitos dá primazia

Lança desafios pede resiliência
Quando já não quer tenha lá paciência
Cada vez em mais trabalho atola
O pobre do Zé que verga a mola

Provérbio provado rimado - DCCCXXXVII

Eu estou por ti caidinha
Acordo a sorrir sozinha
Penso em ti durante o dia
És motivo de tanta alegria

Isto foi assim de repente
Quando me olhaste de frente
O teu interesse foi genuíno
Não apenas para o figurino

Já sabes que sou desbocada
Quero dizer-me apaixonada
Que a verdade dispensa enfeites
Espero que mesmo assim me aceites

terça-feira, 19 de maio de 2020

Provérbio provado rimado - DCCCXXXVI

Se te cai um dente a cada mentirinha
Já terás menos dentes que uma galinha
Leva o teu sorriso para longe daqui
O que tu sabes já eu me esqueci

Provérbio provado rimado - DCCCXXXV

Faze o que manda teu senhor
Ao sol com ele te sentarás
Pois obedecer é o melhor
E só regalias terás

Com isto não quero dizer
Que obedeças cegamente
Se o teu juízo prevalecer
Consegues não ficar dependente

segunda-feira, 18 de maio de 2020

Provérbio provado rimado - DCCCXXXIV

É difícil esquecer de repente
Um amor muito longo
Ele permanece na mente
Qual repetido ditongo

Se alguns anos durou
Ainda paira na memória
Mesmo o amor que findou
Deixa pegadas e história

Não é possível livrar-se
Dele durante um bocado
Necessário é despojar-se
P'ra que seja assunto encerrado

domingo, 17 de maio de 2020

Provérbio provado rimado - DCCCXXXIII

Um rio sem pontes é triste
Mas ainda assim ele existe
É como jardim sem flores
Falta-lhe no ar odores

Querer ser ponte em rio
É um grande desafio
E ser a flor de um jardim
Também não é fácil assim

Há que ter preserverança
Trabalho e mais confiança
É tarefa difícil e feia
Mas quem não pode arreia

Provérbio provado rimado - DCCCXXXII

Quem não se preocupa com objectivos
Não se pergunta para onde vai
Deixa seus meios desejos cativos
Fica triste e aflito e ai ai ai

Só percebe mais tarde que cedo
Que não cumpriu não esteve à altura
A partir daí procederá com medo
Depois de ver que a vida é dura

Provérbio provado rimado - DCCCXXXI

Onde falecem as verdades
Prevalecem os enganos
Conforme as realidades
Maiores ou menores danos

Porque a mentira danosa
Mais quando é fragmentada
É atitude tão gravosa
De quem vale pouco ou nada

Provérbio provado rimado - DCCCXXX

Despe-te que temos de falar
E depois vou-te acariciar
Aposto que ficas satisfeito
Eventualmente de pau feito

Provérbio provado rimado - DCCCXXIX

Gosto de homens mais velhos
Idosos como alguns concelhos
Mas tu a ficar gá-gá estás
Mais perto de Deus e Satanás

Já usas uma fralda por dia
O que até te traz arrelia
A vida para ti é uma saga
Mais velho que a Sé de Braga

Provérbio provado rimado - DCCCXXVIII

Às vezes são precisos sete
Para uma telha virar
Há sempre alguém que promete
Naquela tropa mandar

Se todos querem afinal
Chefiar não vai ser nenhum
Pois mande bem ou mande mal
Que mande apenas só um

sábado, 16 de maio de 2020

Provérbio provado não recordado

O Augusto Pinto nascera na Cidade dos Estudantes e tinha o natural desejo de vir a envergar uma capa negra. Jovem íntegro e cordial, cedo granjeou a simpatia dos colegas que nele confiaram para servir de porta-voz dos estudantes junto dos professores catedráticos.
O Augusto possuía em larga escala a independência de pensamento, a iniciativa e a ponderação. Era também um perfeccionista, conquanto não fosse arredio a novas ideias e amizades. Quem o quisesse ver feliz, era falar-lhe dos alimentos do espírito: de religião, da filosofia pura e simples e das áreas do ensino. Era assim atraído pelas coisas filosóficas e abstractas e apreciava sobremaneira que o procurassem para o consultar sobre essas temáticas.
Companheiro dedicado, quando se separou da primeira namorada - a bela Diana, que usava saias até aos pés para disfarçar as pernas finas como canivetes -, ou melhor: a primeira namorada se separou dele, teve dificuldade em se adaptar a uma nova relação. Teve doiis ou três casos esporádicos com colegas, mas nenhuma o cativou verdadeiramente e assim Augusto começou a acreditar que só casaria depois dos trinta anos, depois de namorar muito e conhecer em pleno as características da futura parceira.
Terminou o curso, iniciou a sua vida de professor de filosofia e enredou-se em estudos académicos, no doutoramento e após no pós-doutoramento. Foi perdendo o contacto com os colegas da faculdade, declinando convites para jantares e deixando de se cruzar e conhecer mulheres. Chegou então a uma altura, já a caminho dos quarenta, em que era um homem só a perder a esperança de deixar descendência e por quem os sobrinhos adolescentes não nutriam ternura. Praticamente não saía de casa, o nosso Augusto, e como diz e bem o vulgo:

- Quem não é visto não é lembrado

sexta-feira, 15 de maio de 2020

Provérbio provado beijado - II

Na anatomia do beijo, um beijo pode permanecer apenas lábios ou língua ou conter em si todos os músculos e estímulos nervosos de um corpo.
Um beijo pode ser habilmente roubado ou oferecido de bandeja - mas o que se troca é o melhor de todos.
O beijo apetece várias vezes ao dia e não é por isso que se torna especial. É como tomar muitos banhos e continuar a sentir a alma suja.
Posso beijar-te esta noite e amanhã chover ou fazer sol igual igual a hoje.
Não quero saber nada sobre a anatomia do beijo que te roubei - habilmente. Quero saber que amanhã de certeza vai chover a cântaros, se hoje fez um calor de rachar...

- Beijo de menina tem vitamina

Provérbio amoroso

Antes de experimentar a luxúria, já atingira só com o poder do pensamento o extremo do prazer. Tinha até o desejo de voltar a essa época do início do amor, avant l'amour. Suspirava pelo coração a bater descompassadamente só por convocar a ideia do ser amado, sem saber do amor carnal e da volúpia. Fora um amor inocente, disponível, nada temeroso. E nunca mais existira outro igual.

- Não há amor como o primeiro

Provérbio provado num verso branco - LXXXIII

Autómato

Nada aprendi e dou por mim
A fazer o mesmo que me fizeram
A usar os mesmos truques
As nuances de voz cansada
Os olhos de carneiro mal morto

A sedução é um mecanismo automático e monótono
Ah se o amor se pudesse fazer sozinho!

quinta-feira, 14 de maio de 2020

Provérbio provado rimado - DCCCXXVII

Uma vez o bacalhau ao sol
Estava preso no anzol
Na seca à beira rio
Estava cheio de frio

O povo estava com fome
Por isso o bacalhau some
Para quem é ele basta
O povo é a melhor casta

A rima foi-me oferecida
Por amigos desta vida
Que de provérbios gostam
E tantos ditados postam

Provérbio provado rimado - DCCCXXVI

As amizades verdadeiras
São muito intemporais
Elas nunca são sazonais
E permanecem derradeiras

Dão o apoio emocional
Que reforça sempre os laços
E também dão muitos abraços
Que fazem falta afinal

Mas há que ter cuidado
Com o amigo traiçoeiro
Olho vivo e pé ligeiro
É viver dele apartado

segunda-feira, 11 de maio de 2020

Provérbio provado rimado - DCCCXXV

Às vezes eu até queria
Às quadras ter alergia
Sempre a rimar que canseira
Já deixa de ser brincadeira

A toda a hora à pala
Rimas de quem muito fala
É certo que pouco acerta
E os demais desconcerta

Provérbio provado rimado - DCCCXXIV

Dias há noites também
Em que não queria pensar
Mas é o meu fado porém
Estar sempre a projectar

Saiem os planos furados
Talvez porque calma não tenho
São tantos projectos gorados
Pois de imaginar não me abstenho

Não posso ser tão voraz
Expectante não sei se deva
Pois tudo o que o vento traz
É certo que o tempo leva

Provérbio provado rimado - DCCCXXIII

Maria não contes os pintos
Antes de eles nascerem
Os números serão distintos
Poderão alguns falecerem

Assim na vida se passa
Não devemos antes contar
Com determinada graça
Antes de ela se dar

Provérbio provado rimado - DCCCXXII

Há quem tenha a mania
De ser o centro do universo
É essa a vulgar fantasia
Que me faz compôr este verso

Tem um umbigo altaneiro
Acha-se rei e senhor
E crê ser sempre o primeiro
O mais rápido o melhor

Para ele tenho um ditado
É que o grande gabador
Normalmente sai-lhe trocado
Torna-se pequeno fazedor

quinta-feira, 7 de maio de 2020

Provérbio provado nos Contos que cabem em casa - III

Mais um provérbio Provado
Nos Contos em casa contado
Um pequeno texto literário
É este o Provérbio etário

Ouvir

Provérbio provado rimado - DCCCXXI

Se ouves passos no teu armário
É quando a roupa passa de moda
Não te preocupes bem pelo contrário
Se ter estilo não te incomoda

Pois seguir as tendências afinal
Tão importante assim não é
Cada um é como cada qual
Também cada qual é como é

Provérbio provado rimado - DCCCXX

Eu cá não sou invejosa
Hipócrita ou rancorosa
Gosto da boa vizinhança
Apesar de não dar confiança

Mas a casa aqui do lado
Tem um jardim bem plantado
Tem rosas e tem buganvílias
Para maravilhar as famílias

Um jardineiro profissional
Apara a relva semanal
Cuida dela com todo o desvelo
Eu não tenho dor de cotovelo

Como disse não tenho cobiça
Não trato da minha por preguiça
Mas a relva da minha vizinha
É mais verde do que a minha

Provérbio provado rimado - DCCCXIX

Dá-me o céu limpo e o sol
Dá-me um beijo e a tua mão
Não quero usar mais cachecol
Quero vestir vestidos de Verão

Vamos lá os dois passear
Por aí à toa e sem rumo
Ver as gaivotas junto ao mar
Sem qualquer sonho de consumo

Quero um amor sem quarentena
Sem regras e em liberdade
Quero uma partilha plena
Diálogo e cumplicidade

Trata-me sempre com carinho
É a minha única bitola
O amor é um passarinho
Que não aceita uma gaiola

Provérbio provado num verso branco - LXXXII

Sê todo tu uma orelha inteira
Que nem com o silêncio se retrai
Ouve tudo e questiona-te por dentro
Se quiseres ouvir de ti escuta dos outros

quarta-feira, 6 de maio de 2020

Provérbio provado rimado - DCCCXVIII

Se com esta conversa não ficas corado
Dou-te duas chapadas e vê-se o resultado
Andas mesmo a precisar de um tabefe
Porque andas de facto armado em chefe

Ainda falta tempo para lá chegares
Mas já estás a caminho para te preparares
Parece que estás a queimar uma etapa
E que estás a ser mais papista que o papa

Andas autoritário e agressivo
Tão pespineto e obsessivo
Ordenas à esquerda e à direita
Para ti toda a coisa está mal feita

Até mandas mails de madrugada
Não tens uma noite assim descansada
Só pensas é em mostrar serviço
Pões toda a gente num reboliço

Vê lá se tens calma e respiras fundo
Não é amanhã que se acaba o mundo
O chefe actual não se reforma já
Ainda andará uns anitos por cá

segunda-feira, 4 de maio de 2020

Provérbio provado rimado - DCCCXVII

Quando chove no Verão
E faz muito sol no Inverno
A culpa de tal situação
Já se sabe que é do governo

Pelos males da nação
Em tudo é responsável
Nunca será do cidadão
Que é sempre inimputável

Seja qual for a ocasião
O tique não é de agora
Já é velha opinião
Do tempo da outra senhora

Provérbio provado rimado - DCCCXVI

Pode ter-se saudade
De quem não se conhece?
Parece uma ambiguidade
Para quem disso não padece

No meu coração já cabe
Esse sentir de donzela
E a colher é que sabe
A quentura da panela

Podem chamar-me piegas
Dizer que é vão romantismo
Sujeito-me a levar negas
De quem só anda a turismo

Provérbio provado rimado - DCCCXV

Se és tão sensível que te descontrolas
Pára de te desculpar com as cebolas
Tão melodramática és com um raio
Está sempre a dar-te o badagaio

Provérbio provado rimado - DCCCXIV

Percorro a praia nua dos teus braços
Na descoberta cega dos teus traços
Ainda não te vi e já te quero
E sempre que acordo te espero

Faltam poucos dias para te ver
Nas veias há sangue a ferver
No peito há um misto de anseio
Também um pouquinho de receio

Por esse dia tremo de desejo
Do teu quinto andar vê-se o Tejo
Sonho com os beijos demorados
Que te darei de olhos fechados

Terei de a ansiedade aquietar
Ou será tão fácil me frustrar
E entre nós cavarei um fosso
Porque estou aqui que nem posso