A sirene dos bombeiros tocava o meio dia. A Fátima parou no passeio e olhou em redor com a barriga a dar horas. Em qual dos estabelecimentos ainda não tinha dado o golpe? Um dos poucos que restava era o café da Dona Glória. Tinha-o evitado sempre: ela era uma rabujenta do pior, a casa era velha e tanto a casa como a velha apresentavam sempre aquele ar tão descuidado...
Cá fora chegava o cheiro de óleo requentado. Na soleira, um cavalete coxo exibia uma toalha de mesa de papel com os seguintes dizeres: "Prato do dia - Pescadinhas de rabo na bouca - Sinco Euros com diraito a sobermesa". Fátima decidiu-se entrar. Sentou-se e comentou, matreira:
- Cheira muito bem, Dona Glória! Sim, quero o do dia! Diga? Um Compal de pêra, se faz favor.
Comeu satisfeita até à última espinha e ainda lambeu os beiços com um molotof caseiro. Chegada a hora da dolorosa, dispô-se ao teatro:
- Ai, Dona Glória!, que me esqueci da carteira! Tê-la-ei perdido? E agora?
- Não faz mal, paga mais logo, menina Fátima. Já veio cá algumas vezes tomar o café e comprar cigarros, já a conheço... É de confiança, é da casa!
E a Fátima lá foi saindo, atropelando-se em mil desculpas, interiormente satisfeita por ter enganado aquela lorpa, mais uma.
Decorrida a tarde, com o sol já a esconder-se e a noite a despontar, decidiu tentar o golpe duplo: sabia por experiência ser mais fácil apostar no efeito surpresa por repetição. Àquela hora, o café suava caldo verde. No balcão ainda habitavam restos de couve migada e, por detrás dele, uma Dona Glória de touca na cabeça a tapar-lhe os cabelos brancos, recebeu-a com um sorriso cansado:
- Ora, menina, não havia pressa...
E logo a Fátima, muito rápido, para não dar à outra tempo para pensar:
- Vinha comer um caldinho verde, Dona Glória, cheira tão bem! Olhe, sabe lá!, cheguei a encontrar a carteira, mas o Multibanco acolá está fora de serviço. Pago-lhe amanhã, está bem?
A Dona Glória mudou de expressão. Cheirava-lhe a esturro, e não era da sopa queimada. Então, retorquiu:
- Ó menina Fátima, não me leve a mal, mas fiado duas vezes no mesmo dia não pode lá ser!
- A mentira dá o almoço mas não dá o jantar
quarta-feira, 3 de janeiro de 2018
Provérbio provado almoçado mas não jantado
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2 comentários:
Gostei!
:)
Obrigada, Célia!
Seja muito bem vinda!
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Beijinhos muitos
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