Havia tradição genética de gémeos na família. A Dona Leonor morreu, depois de um parto muito sofrido, ao dar à luz as duas gémeas, que ficaram ao cuidado do pai e duma tia beata e solteirona.
As meninas cresceram iguais de feições, mas com personalidades diametralmente opostas. Todos os louvores que se pudessem tecer à Elisabete não eram suficientes: doce e afável, simpática e prestável, caridosa e responsável, e demais qualidade saudável. Foi cumprimentar a mãe ao céu com apenas 15 anos, por conta de uma meningite galopante que lhe roubou a vida em menos de 24 horas. Ficou gémea única a sempre mal humorada e bruta como as casas Helena.
Foi aos 18 anos que a Helena renunciou voluntariamente ao conforto familiar e galgou a pátria fronteira a caminho do mundo grande pelo qual desejava ser deslumbrada. Ao atravessar essa linha fronteiriça que a separava do futuro, soltou um suspiro de alívio que marcou bem fundo o carácter de independência que imprimiria a partir dali a sua vida.
A Helena passou a envergar apenas trajes masculinos e a usar o volumoso cabelo sempre apanhado e escondido por baixo de um chapéu de abas largas. Assim disfarçada, começou a segunda parte da sua existência: toda essa uma série de talvez imerecidos desaires morais e materiais.
É quase impossível seguir a par e passo a marcha aventurosa da aventureira Helena, mas sabe-se que, apesar de poderosa e inteligente, não mais teve uma atitude bonita, um gesto gracioso ou uma frase que mereça ser fixada pela injusta severidade da História. Adoptou um perfil bastante arrogante, que a sua voz máscula hiperbolizava, maneiras grosseiras e uma franqueza demasiado espontânea pontuada por um excesso de familiaridade.
Depois foi a marcha vertiginosa para uma velhice ruinosa que teve de enfrentar sozinha, pois não lhe sobrou qualquer amigo ou amante. Uma velha e solitária Helena viveu então amargas horas de ambição insatisfeita e arrependimento até se finar nuns mirrados e engelhados 92 anos.
- Deus leva os bons e os maus aqui ficam
quinta-feira, 18 de janeiro de 2018
Provérbio provado de um Deus equivocado
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