Primeiro os olhos topam uma lombada. O título é uma melodia duas vezes repetida, digo-o para dentro, canto-o se tem algo de canção. A autoria do livro pode ser consagrada ou desconhecida, admito que também conta, não me é indiferente: mais facilmente regresso à casa onde já fui feliz ou à casa onde me dizem outros leitores terem já sido felizes.
Tenho sempre o cuidado de não julgar o livro pela capa; afinal o designer pode sempre ser melhor que o escritor. Pego no objecto: afago-o, cheiro-o, passo os olhos numa fuga oblíqua pelo primeiro parágrafo. São as chamadas primeiras impressões, tal como no instante em que conhecemos uma pessoa e o cérebro decide se os nossos braços a abraçarão ou ficarão em linha com o corpo, paralelos à nossa indiferença. É nesse momento que decido se sim ou sopas: algo me conquista ou despeço-me sem remorsos. Se levo o livro comigo, torna-se mais uma promessa na longa lista de espera. Nem sempre viaja sozinho, nesses dias em que tenho mais fome de palavras julgo poder empanturrar-me de dois, três livros e mais um par de versos. Ficam a aguardar na estante pelo momento em que finalmente os engolirei, não há ordem de chegada ou partida: a cada momento escolho o que mais me apela aos sentidos e posso regressar a capítulos outrora lidos, como se amigos que moram longe ou um regresso ao bairro das portas da infância.
A cada livro uma nova viagem num mundo sem fronteiras. Quantas vezes uma repetição de sensações das quais já desconfiava, coisas que já me disse com aquelas mesmíssimas letras, aquela mesma música, quase um plágio autorizado em que dissesse: toma lá os meus pensamentos, autor sem imaginação, deixo-te fingir que todos os humanos são muito iguais.
Cada livro é quase sempre melhor do que a capa, por mais engalanada que se apresente. Na leitura estão os melhores momentos desta vida incompleta e fugaz: é através da literatura que escapo da morte.
- Não se deve julgar um livro pela capa
domingo, 28 de janeiro de 2018
Provérbio à altura da leitura
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