O POETA DE IVA ZERO
Este poeta não limpa regularmente o pó aos móveis
Nunca se lembra de comprar o passe com antecedência
Foi sempre incapaz de compreender as taxas de juro
Não vigia a tensão arterial nem o colesterol
Tem ciclos de sono tão irregulares como a sua escrita
Este poeta anda sempre à boleia dos acontecimentos
Tudo nele vai ao encontro do improviso do imprevisto
Não lhe vive um pingo de auto censura nas hélices duplas
A própria sequência dos nucleótidos foi nele um fruto do acaso
O poeta desconfia que as vidas não fazem qualquer sentido
Mas continua a insistir em caminhar no sentido contrário
Que as direcções opostas também precisam de representantes
E todo o percurso pede o seu percursor
Como não ambiciona servir de exemplo dá-se ao luxo
De ignorar tendências e seus respectivos apertos de mão
De não frequentar as escolas de estética que matam a estética
O poeta dedica as duas orelhas dois olhos duas mãos
Ao momento de assombro que dá origem a cada novo verso
Não deixa de sofrer as consequências da sua natureza
Que ressalta com o impacto da revolta da rejeição até do insulto
Não cimentou as paredes na construção da dita zona de conforto
Essa divisão imaculada e moderadamente aquecida
Onde se vai escondendo a modernidade
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