Fomos ganhando o hábito da desconfiança a cada nova estação de partida. Levamos o peito passo a passo mais encolhido. Quando chegamos é já de braços fechados, atentos no assinalar de outros também cruzados. Braços que não se prestam à troca porque são, a toda a nova recepção, cada vez menos soltos, menos livres.
Assim acossados, a tendência é para que ultrapassemos os acontecimentos certos de que prescindimos das evidências. Já vamos preparados, aliás, para interceptar o fingimento e representar um papel que não desejamos no teatro social. Com os dez dedos fora de cena e, com sorte, um naipe parcelado dentro das mangas. Preparados para o passou-bem frouxo, nunca para um embate de frente. Nas circunstâncias mais típicas acautelamos o boato dançando ao ritmo das cadeiras que vagam. Mas não conseguimos evitar a suspeição, isso não. Colocamos sempre alguma reserva nas intenções alheias, prontos a revelar mais uma camada de mentira por detrás da que se nos afigura mais evidente. É de facto curioso que raramente escolhamos acreditar nos outros humanos.
Quantas vezes se falou bem de nós nas costas? Certamente quase tantas como aquelas em que se falou mal. No entanto, não estamos à espera que as pessoas que nos rodeiam se reúnam para conspirar a nosso favor, imaginamos imediatamente um tribunal cujo veredicto nos prejudicará.
Seríamos mais livres, menos reféns da suspeita, se descruzássemos os braços e oferecêssemos hipóteses aos tendões. Um dos grandes problemas da comunicação, e da falta dela, é afinal neuro-esquelético: não aprendemos a ginástica da entrega por nos apresentarmos
- De braços cruzados