Provérbios Provados noutras casas:

domingo, 12 de outubro de 2025

Provérbio provado esperando de lado

 

Fomos ganhando o hábito da desconfiança a cada nova estação de partida. Levamos o peito passo a passo mais encolhido. Quando chegamos é já de braços fechados, atentos no assinalar de outros também cruzados. Braços que não se prestam à troca porque são, a toda a nova recepção, cada vez menos soltos, menos livres.

Assim acossados, a tendência é para que ultrapassemos os acontecimentos certos de que prescindimos das evidências. Já vamos preparados, aliás, para interceptar o fingimento e representar um papel que não desejamos no teatro social. Com os dez dedos fora de cena e, com sorte, um naipe parcelado dentro das mangas. Preparados para o passou-bem frouxo, nunca para um embate de frente. Nas circunstâncias mais típicas acautelamos o boato dançando ao ritmo das cadeiras que vagam. Mas não conseguimos evitar a suspeição, isso não. Colocamos sempre alguma reserva nas intenções alheias, prontos a revelar mais uma camada de mentira por detrás da que se nos afigura mais evidente. É de facto curioso que raramente escolhamos acreditar nos outros humanos.

Quantas vezes se falou bem de nós nas costas? Certamente quase tantas como aquelas em que se falou mal. No entanto, não estamos à espera que as pessoas que nos rodeiam se reúnam para conspirar a nosso favor, imaginamos imediatamente um tribunal cujo veredicto nos prejudicará.

Seríamos mais livres, menos reféns da suspeita, se descruzássemos os braços e oferecêssemos hipóteses aos tendões. Um dos grandes problemas da comunicação, e da falta dela, é afinal neuro-esquelético: não aprendemos a ginástica da entrega por nos apresentarmos


- De braços cruzados

quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Provérbio provado rimado - MDLXXII

Se achas que me falta esperteza 
Podes logo abraçar a certeza 
Que não a tenho suficiente 
Para discutir com a gente 

Se ademais te pareço cansado 
É do peso em excesso levado 
Que aguentar a burrice alheia 
É tarefa exaustiva e tão feia 

Se crês que ninguém me adora 
Podes ir desde já porta fora 
Porque eu não pedi audição 
Para ter amigos de feição 

Se de mim me julgas tão cheio 
Raramente os outros premeio 
É melhor ser como um balão 
Do que ser vazio por opção 

Se pensas que me penso melhor 
Do que a multidão em redor 
Obrigado por me dares o aviso 
Embora num contexto impreciso 

Se argumentas que um dia mudei 
Pois no mesmo lugar não fiquei 
O problema de ser sempre igual 
Não é meu mas sim teu afinal 

Se às vezes te pareço quieto 
Indiferente ou até circunspecto 
É que estar calado eu prefiro 
Com as minhas escolhas não firo 

Se adiantas que sou perdedor 
Não pedi para ser vencedor 
Não vou convencer-te de nada 
Ou ceder-te a vida emprestada 

Se por fim até se te afiguro 
Que não levo em conta o futuro 
É porque se calhar eu só levo 
Mais a sério aquilo que escrevo 

Se opinas que vais a algum lado 
Estás decerto muito equivocado 
A tua opinião não me interessa 
Eu só dou valor ao que peça 

Por isso poupa lá a energia 
Para o que te seja mais valia 
Lamento pela pouca atenção 
Fala aí com a minha mão