Provérbios Provados noutras casas:

sábado, 15 de agosto de 2015

Provérbio divino

Chegado que era Agosto lá na aldeia, não havia sequer espaço para estacionar uma agulha, tal era a afluência de famílias que chegavam de todo o país e também do estrangeiro. Quando apareciam, logo começava a trinar o sino anunciando a festa anual. Os filhos da terra vinham esbaforidos das cidades, ansiando beber inspiração, consolo, fraternidade, eu sei lá, naquele verde a perder de vista.
Nesse Verão estava muitíssimo calor, mas para o final da tarde adensava-se uma neblina carregada de ventania e trovoada. O arvoredo todo se abanava e remexia, e pequenos ramos e folhas volteavam caprichosamente ao sabor do anoitecer. Dormia-se mal tal era o vendaval.. Dadas estas circunstâncias climatéricas, foi mais que certo que chegado o dia da festa tudo estivesse por preparar. Mas esta gente nascida no meio das pedras era tão rija quanto elas, e iria ter a sua festa desse lá por onde desse.
Coordenaram-se então movimentos: uns carregaram madeiros para improvisar um palco, outros montaram um bar sem águas correntes sobrepondo pedras de xisto, e depois foi só alçar as barraquinhas velhinhas da tia Aida e das sobrinhas, numa as famosas filhozes e noutra a quermesse "Sai sempre" - e saía.
Acercou-se depois o mais beato mulherio enfeitando com flores os andores, e um grupo de pacóvios transportando cada um seu instrumento num arremedo de tocata. Apenas um deles sabia de música, os outros marcavam mais ou menos a compasso os ferrinhos, a concertina, o cavaquinho, a gaita de beiços e duas guitarras desafinadas.
Dispondo-se em cena os actores lá arrancou a procissão, dispersa numa amálgama de santíssimos, estandartes mal engalanados e rezas desafinadas. Foi por ali fora dar três voltas à capelinha do monte e regressou.
Tivéssemos ido também, atentos e sóbrios, e talvez pensássemos que é este culto meio acabrunhado, porém superficial. O que iria na cabeça dos que, com olhos baixos, carregavam estatuetas com a tinta meio comida às quais se loam orações? Em que pensariam enquanto percorriam aquele caminho soprando cantorias, e por dentro palavras há muito ansiosas por partir? Fazer luto ou de conta que ainda há esperança? Talvez alguns desconfiassem que este Deus não é afinal magnânimo, nem sequer omnisciente, ou teria evitado uma data de tretas. Ou é castigador, o que não abona muito a seu favor. Ou então dorme demais e se calhar é um pouquito inseguro.

- Deus é grande e o mato é maior

1 comentário:

Unknown disse...

Bem pensado para esta época de festas. A tradição manda e o povo cumpre, mesmo com alguns credos duvidosos. Beijinho!