Não tinham tido filhos. Durante cerca de dez anos - por motivos profissionais, económicos, de lazer ou apenas e só por um certo egoísmo de parte a parte - evitaram escrupulosamente essa hipótese.
Mas depois, num Verão particularmente abafado, a Raquel dera para ficar pensativa e ele não conseguira arrancá-la daquele estado quase vegetativo. Fora terrível: durante dias e dias, ela parecia alheia a tudo. Então, certa noite, disse:
- Quero um filho!
Duarte hesitara um pouco, enquanto ela persistia:
- Precisamos de ter um filho!
Pararam de evitar a gravidez e desataram a tentar conceber de todas as formas e feitios. Após terem aguardado seis meses e, apesar de tanto treino, nada acontecesse, decidiram consultar um médico. Ambos foram completamente examinados e, no fim, o especialista pediu para conversar a sós com a Raquel. Duarte esperava nervoso do lado de fora do consultório. Quando finalmente ela saiu, olhou-o de um modo estranho.
- O que tens?, o que é que ele disse?
- Que não podemos ter filhos.
- Não podemos? É alguma coisa contigo, querida?
- Comigo não. O médico disse que és estéril...
Tal fora um golpe tremendo para Duarte: ferira-o onde o homem é mais sensível. Todas as atenções lisonjeiras que recebera enquanto jovem haviam-lhe exacerbado a vaidade sexual; agora nunca mais voltaria ao normal.
No caminho para casa sentiu-se envergonhado e permaneceu em silêncio. Até que enfim, com voz rouca, disse:
- Raquel?
- O que é?
- Não deixes que ninguém saiba disto, ok?
- Não sejas tolo, Duarte, isto não é motivo para se ter vergonha. Além disso, não é preciso espalhar.
- Pois, exacto.
Entretanto, as suas relações foram-se alterando com a descoberta. Riam-se ao pensar no trabalho todo que tinham tido naqueles dez anos para evitar algo que jamais poderia acontecer. Mas na realidade a piada era para Duarte e, por causa disso, era bem duro para ele aceitá-la.
Por algum tempo, o trauma psicológico permaneceu tão agudo que tinha dificuldade na intimidade com Raquel. Todavia, ela acabou por compreender e aceitar a situação melhor do que o Duarte e foi reconquistando-o ternamente; pouco a pouco, a humilhação desapareceu e as coisas tornaram-se quase como dantes. Não era do feitio de Duarte alimentar velhas feridas e se Raquel ainda conservava o seu desapontamento nunca mais o tinha revelado.
Para quem os visse de fora, eram um casal normalíssimo e porventura feliz que não tinha tido filhos por opção.
- Quem está no convento é que sabe o que lá vai dentro
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