quinta-feira, 28 de março de 2024
Provérbio provado num verso branco - CXLIII
Provérbio provado rimado - MCCLXXXV
A Andreia fez birrinha
E a seguir meteu baixa
Pois descarrilou sozinha
Já não dá uma prá caixa
Vê-se que naquela cabeça
Fundiu-se um raro fusível
E mesmo que até não pareça
Deixou de ser imprescindível
O hábito maior da Júlia
É fingir que anda ocupada
No meio da simples tertúlia
Confessa-se assoberbada
Que a a Júlia sabe ser rata
Tem artes de assim iludir
E por ser mulher insensata
Quer à sombra dos louros dormir
Provérbio provado rimado - MCCLXXXIV
Os amores da azeitona
São como o milho miúdo
Acabada a maratona
Lá vai amor e vai tudo
Lá vai amor e vai tudo
Que esse ardor repentino
Não pára e é também surdo
Ao que lhe indica o destino
Ao que lhe indica o destino
Não presta o amor atenção
Por ser pouco cristalino
Abstém-se de reacção
Abstém-se de reacção
O amor amedrontado
Pois teme que a excitação
Pertença só ao passado
Pertença só ao passado
A satisfação mais plena
E que agora enlutado
De si mesmo tenha pena
De si mesmo tenha pena
Por ter redundado em fracasso
Por ser uma história pequena
À qual faltou um abraço
À qual faltou um abraço
No momento da despedida
E assim cortou-se o laço
Cada um foi à sua vida
Provérbio provado rimado - MCCLXXXIII
Se receias ficar de fora
Ou estar desactualizado
Dá-lhe com empenho agora
Ou serás ultrapassado
É fácil que sem perceberes
Te queiram defecar em cima
Concentra-te assim em saberes
Como endireitar sem a lima
Põe de lado essa postura
Que vê em qualquer indivíduo
Sempre a bondade mais pura
Até que seja preterido
Que neste país de doutores
Ninguém quer trabalho braçal
Preferem colher dissabores
Pesando a balança fiscal
É um desnível aceite
Que haja senhores e vassalos
Desde que nenhum aproveite
Para aos outros pisar os calos
quarta-feira, 27 de março de 2024
Provérbio provado rimado - MCCLXXXII
A Rita foi diagnosticada
Com défice de atenção
Entretanto era medicada
Sem se vislumbrar solução
Quando descobriu o que era
A Rita experimentou um alívio
Por não ficar mais à espera
De esquecer qualquer convívio
Pois dantes o que lhe diziam
Não lhe ficava no ouvido
As lembranças adormeciam
Como num baú corroído
Apesar de ser uma doença
Agora é coisa com nome
Deixou de ser simples crença
Que a existência consome
Porém mais que ser distraída
A Rita perdia a memória
Sem embargo encontrou a medida
Que permite escrever uma história
Por algum esquecimento precoce
Tinha logo de se desculpar
Finalmente a Rita encontrou-se
Já se pode permitir errar
Toda a vida lhe corre melhor
Anda mais satisfeita na rua
Pois o tal problema anterior
Era ser cabeça na lua
(Ilustração: Junkhead)
Provérbio provado rimado - MCCLXXXI
Provérbio provado rimado - MCCLXXX
Eu gosto de pessoas estranhas
Que não me vendem patranhas
As mais negras do seu rebanho
Que o seguem com esforço tamanho
Não se armam em pobres patinhos
Mas tendem a andar sozinhos
Que a mentalidade vigente
Rejeita quem é diferente
O solitário e o perdido
Sentam-se à mesa do esquecido
Tão famintos de empatia
Vibram com a mais ténue energia
Pensam com a própria cabeça
Apesar de haver quem ofereça
Normas gordas e códigos tais
Que não crêem fundamentais
São o tal tipo de pessoa
Cujas convicções e moral
Do resto do rebanho destoa
Por assim ser original
E sempre que surge o pastor
Tentando impor qualquer regra
Procura logo o impostor
Que se assina ovelha negra
Provérbio provado rimado - MCCLXXIX
Quando os que estão no comando
Perdem todo o tipo de vergonha
Mas arregimentam o bando
Para que a tenha na fronha
Não granjeiam assim mais respeito
De quem antes só obedecia
Que sente entretanto no peito
Uma quebra na ex harmonia
Então quem era comandado
Interrompe o vulgar seguidismo
Por opções ter imaginado
Que sobrevivem ao cinismo
Começa de seguida a crescer
Aos olhos dos chefes maiores
Quer de sua justiça dizer
Ensinar àqueles professores
Não quer ser mais pau mandado
Quer participar na estrutura
Mas o seu esforço é rejeitado
Por nunca ser boa altura
Vai dizer de vez o que acha
Para ver se muda o clima
Porque quanto mais se agacha
Mais lhe põem o pé em cima
terça-feira, 26 de março de 2024
Provérbio provado rimado - MCCLXXVIII
Repetes o teu próprio nome
Como um galaró emproado
Ages como se o presidente
Te tivesse já condecorado
Quando abres essa goela
Tantas vaidades cacarejas
Prescindo de qualquer parcela
Do teu quinhão de invejas
Vaidoso e deveras pedante
Egoísta mais que os egoístas
Como te julgas importante
Adoras poder dar nas vistas
Provérbio provado rimado - MCCLXXVII
Conheço o teu terreno
Minado de más intenções
Por isso dispenso o veneno
Tempero dessas refeições
Estou careca e sei de gingeira
Como tu descascas a fruta
Como dás a dentada primeira
Com requintes de filho da puta
Quando me dei conta disso
Ainda pesei na balança
Se pensas apenas com o piço
Ou se podia ter esperança
Contudo não quis insistir
Esperando uma consideração
Cuja ausência me fez desistir
E atirei a toalha ao chão
Provérbio provado rimado - MCCLXXVI
Não adianta gastar o latim
Se tu nem reparas em mim
Tão cheio do teu próprio ar
Mais não fazes do que te gabar
Vai andando que já vais tarde
Fecha a porta sem muito alarde
Que ela é serventia da casa
E nem foste um golpe de asa
Provérbio provado num verso branco - CXLII
ESTE VERSO
Este verso não se evidencia nos corredores
Este verso não se enquadra no descuido aparente
Empalidece na presença de um microfone aberto
É sempre e desde sempre um diálogo aborrecido
Entre o mesmo umbigo e o mesmo espelho
E mal logra a sua própria evasão já não se pode agarrar
Este verso não recebe diploma de participação
Este verso não é popular nem sequer é feminista
O indivíduo que aqui escreve bem podia ser um homem
Com a agravante de macho egocêntrico com um falo irado
Este verso não é melhor nem pior por ser feminino
Este verso não é panfletário nem o lamenta
Este verso não dá voz às vulvas que abortam
Nenhum poema consegue compensar essa imensa solidão
A morte tamanha da possibilidade mais inteira
Daquele corpo de mulher que sobrevive
Depois de toda a vida que não lhe nasceu
Este verso não risca bandeirinhas ao acaso
Este verso não divulga em que camas tremeu de prazer
Feitas as contas e acabado o baile
Noves fora nada roda bota fora
Sabe que o sexo mais generoso não reinvidica
Tanto mais se entrega quanto o outro mais se entrega
Tesão sem efeito é um conceito tão rápido como um calafrio
Este verso não jogou às escondidas com a polícia política
Este verso não ergueu cravos no Largo do Carmo
Mas é tão digno filho da revolução como quem entoou O povo unido
E sempre pôde dizer de sua cega justiça
Conforme a triagem que a circunstância lhe apontou
Não é por acaso que os pratos da balança são redondos
As únicas torturas sofridas foram auto-infligidas
Que a auto-censura tem uma caixa de lápis de cor
Capaz de transformar palavras inócuas em frases tracejadas
Este verso já chorou por Odessa
Este verso já chorou por Gaza
Não faz no entanto a aclamada poesia social
Cantando os hinos fronteiriços com propriedade vocal
Nem levanta as bandeiras rasgadas dessas populações
Para granjear aplausos num Ocidente em paz
Este verso não é melhor do que outros versos
Na verdade este verso não é pior do que tantos outros versos
Este verso reconhece a própria voz e com isso se sente verso
domingo, 17 de março de 2024
Provérbio provado apartado
Se te lembras, a Matemática nunca foi o meu forte. Errei sempre as somas e as multiplicações. Só a dividir obtinha uma nota positiva - isto pensava, porém não consultei a pauta. Tinha um problema com as contas e um excesso com as palavras. E tu eras o oposto, não eras? Todo dado aos números e poupado nos elogios.
Pensar nisso agora não muda nada, o arrependimento não muda o passado. E o esquecimento aprende-se rápido.
Sabes?, se calhar não sabes..., deixei de sentir a tua falta. De vez em quando uma lágrima, uma só, ainda cai como num luto antigo. Uma só lágrima se acaso uma música que ouvíamos juntos ou se te pressinto ao virar da esquina e fujo dali. Mas não se assemelha a um pranto cara abaixo, daqueles que alcançam o pescoço. Nem chega a ser uma tristeza sem nome nem coragem.
Não, não tenho saudades, podes acreditar na sua ausência. É isso: uma ausência, um vazio dorido numa superfície suja, percebes?
Já nem sequer me lembro se te amei, mas recordo bem o nome carinhoso com que nos tratávamos, bebé.
- Longe da vista, longe do coração
sábado, 16 de março de 2024
Provérbio provado num verso branco - CXLI
Daqui ao futuro já meio caminho andado
Uma boa parcela de esforço realizada
Se há progresso inicial aumentam as hipóteses
De ser alcance e não apenas desejo
Mas ninguém pode amparar a eternidade
Entre os braços como num embalo criador
Todas as promessas são por natureza vadias
O infinito não mora na impossibilidade
Desde que possa ser cada dia onde se existe
O futuro nunca compensa antes de tempo
Nunca compensa em face da expectativa
Para sempre é sempre por um triz
Provérbio provado rimado - MCCLXXV
Meu filho o mundo é redondo
Mas os cantos estão ocupados
Por gente que passa com estrondo
São uns idiotas chapados
Eles têm por característica
No que dizem só acreditar
Mas se vamos crer na estatística
O melhor é mesmo ignorar
Pois as pérolas que proferem
Nada de novo acrescentam
E apenas aos donos conferem
Toda a parvoíce que ostentam
terça-feira, 12 de março de 2024
Provérbio provado num verso branco - CXL
A grande maioria dos frutos
Prefere amadurecer nos ramos mais altos
Os frutos tingidos são balões
Apontando na direcção dos céus
Mas há os que não nascem nas árvores
Frutos que se apanham do chão
Há frutos em que se pode tropeçar
Na magnitude dos seus caroços
No entanto o fito está na polpa
Está nos olhos que se erguem
O desejo mora sempre mais acima
E quem quer bolota tem de trepar
Provérbio provado num verso branco - CXXXIX
Se escuto o ouvido interno
É hora de dar voz ao instinto
É importante que em toda a parte
As gavetas estejam bem arrumadas
É certo que a gente tem uma medida
Exacta e certa para cada coisa
A distância que atribuo ao meu polegar
Pode corresponder a três passos teus
Analisa bem os números na régua
Um polegar é igual a três passos
Deseja pouco nem mais nem menos
De rio pequeno não esperes grande peixe
Provérbio provado rimado - MCCLXXIII
Quem confunde áurea com aura
A Tieta com a Escrava Isaura
E põe ésse nos seus devaneios
Estraga o português sem rodeios
A aderência e a adesão
Fazem-lhe imensa confusão
Muito abusa da redundância
E ao caso não dá importância
Maltrata o verbo haver
Depois há-de no Hades arder
E sempre que diz derivado
Devia ser logo avisado
Aconselho que volte à escola
E que meta a língua na tola
Pois pra ele muito falar
É sinónimo de pouco acertar
sexta-feira, 8 de março de 2024
Provérbio provado rimado - MCCLXXII
O Jota só quer poleiro
Andar a exibir os galões
Bate o tacão altaneiro
Para não dar encontrões
Está sempre bem penteado
Tão asseado é o Jota
De fato bem engomado
Dá-se ares de janota
O seu desejo é crescer
E almeja tal ascenção
Não quer o poleiro perder
Pra não rastejar junto ao chão
Provérbio provado desgovernado
Pronto, estavam assinados os papéis. Estado civil: divorciada. Custou um bocadinho; pronto, custou bem mais do que um bocadinho, mas agora aquela porta estava definitivamente encerrada. Podia deitar fora as chaves e descer as escadas sem olhar para trás.
Uma amiga, recentemente emigrada, falou-lhe nas aplicações de encontros. O ar do tempo. Levada pela curiosidade criou um perfil. Três ou quatro fotografias discretas, um texto de apresentação elucidativo mas não demasiado longo.
Já conhecia grande parte dos motéis dos subúrbios. A hora de almoço era um corropio. Alguns nem tiravam a aliança. A excitação inicial e o prazer obtido foram perdendo qualidade. A ginástica das agendas cansava-a e continuava a sentir-se só.
- Quem se governa com a picha alheia nunca se governa quando quer
Provérbio provado rimado - MCCLXXI
Disseram-lhe Vem por aqui
E logo declinou o poeta
Não nego tudo o que vivi
Mas não sou nenhum profeta
Ele passou parte da vida
No meio de um vendaval
Que nos versos foi vertida
Com um toque especial
Sentiu-se sempre infinito
Sem princípio e sem fim
Nunca um menino bonito
Com diplomas e jardim
Deus e o Diabo o fizeram
Foi um trabalho completo
Que outros apareceram
Sem tal espírito insurrecto
Ele nunca se acomodou
Gritando aos quatro ventos
Que o átomo que o animou
Lhe ferveu os pensamentos
Pediu sempre por favor
Cuidado com as intenções
Que disfarçadas de amor
Poluem tanto as emoções
Cheio de força e de tusa
Deixou brilhantes poemas
Que integram a alma lusa
E seus principais dilemas
Mas na pátria os artistas
Pouco são reconhecidos
Que ditam os economistas
Que não sejam enaltecidos
Nomeando o José Régio
Presto-lhe esta homenagem
Não é nenhum sacrilégio
Pois tal foi sua coragem
E imaginando que me lê
Quero entregar um presente
Ó José diz-me porquê
Ninguém te fica indiferente
Após fazer a questão
Ofereço-lhe um ditado
Se esperas consideração
É melhor esperares sentado
quinta-feira, 7 de março de 2024
Provérbio provado desnorteado
Ao fim de alguns meses a rondar cardumes sem que se aferissem nas redes mais peixes, os colegas pescadores do Amor do Sado alcunharam-no de Zé Vadio.
Não é que o Zé chegasse atrasado à faina, embora as olheiras denunciassem falta de sono. Também não é que fosse mandrião, pois largava -se ao trabalho com desenvoltura.
O problema do José Domingues era notoriamente uma lacuna na capacidade de concentração. Não se ocupava da mesma tarefa mais do que um minuto seguido, deambulando amiúde pelo convés com uma expressão ausente. Largava o impermeável e as galochas em qualquer buraco e depois acabava por andar a malta toda em busca dos seus paramentos. Punha sal no café e açúcar no arroz. O Zé Vadio era mais do que apenas distraído: era a desgraça total.
Tinha o hábito de debruçar o tronco na borda do barco anunciando alto e bom som: Até lhes vejo as espinhas! E então corria da proa à ré com o indicador molhado de saliva para sentir o vento. Para o Zé nunca estava de feição: a nortada fazia os peixes afundar, o suão mudava-lhes a rota. O vento tinha as costas largas. Tão largas como o mar e o horizonte.
- Quem navega sem destino nenhum vento é favorável
Provérbio provado rimado - MCCLXX
Quem fica de faces coradas
Com as coisas comentadas
Ou de repente tem tosse
E age como se nada fosse
Se também engole em seco
Ao pé de qualquer badameco
Que lhe prega um raspanete
É porque enfiou o barrete
Provérbio provado rimado - MCCLXIX
Mandaste-me mais para sul
De Braga por ali abaixo
E eu fiquei logo azul
Com grande cara de tacho
Foi igual a me mandares
Direitinha àquela parte
E nesse momento virares
O bico ao prego com arte
Outrora pra ti bestial
Tornei-me na besta maior
Que o teu desprezo foi tal
Na voz senti-te o rancor
Fiquei um bocado ofendida
Mas depois chegou o perdão
A mais bela coisa da vida
É poder demonstrar compaixão
Provérbio provado rimado - MCCLXVIII
O Tó sempre foi ocioso
Até quando andava na escola
Era um menino preguiçoso
Indolente e até mandriola
E quando se tornou adulto
O Tó repetiu a façanha
A mãe concedeu-lhe indulto
Por não perceber que era manha
Ele andava na boa-vida
Trabalhando só o necessário
Com essa pose descontraída
Fazia de qualquer um otário
Por ser assim calaceiro
Pendurava -se nos colegas
Sempre tranquilo e ronceiro
Ele era só bocas e negas
Até que um dia o gerente
Que era um bocado totó
Surpreendeu toda a gente
Dando uma promoção ao Tó
E ao primeiro inquiridor
Que chamou ao Tó calão
Disse Se queres bom mandador
Escolhe sim o mais mandrião
quarta-feira, 6 de março de 2024
Provérbio provado determinado
Provérbio provado rimado - MCCLXVII
O que é o jantar mamã?
São línguas de perguntador
Mais a tua se lá for
Até ao raiar da manhã
E amanhã o almoço?
Pergunta curioso o petiz
E logo a mamã lhe diz
Que são cascas de tremoço
E então depois a merenda?
Pois se nada te agradar
Serão bordas de alguidar
Que te ofereço de prenda
Mas o gaiato insiste
O que teremos á ceia?
Vão ser morrões de candeia
A ver se ele desiste
Provérbio provado num verso branco - CXXXVIII
Antes do voo prepara as asas
Para que aguentem o céu o sol e o breu
Sem estremecer ao ponto de falhar
Que irão decerto abanar nas curvas
É próprio de qualquer linha que tenhas de transpor
Se é que tens um destino se é que tens um lugar
É a infinitude de possibilidades que te congela antes da partida
Tudo o que pode correr realmente mal é demasiado possível
E essa ligadura em que te embrulhaste
Tolhe-te mais os movimentos do que te sara as feridas
Engole o veio de saliva que te inunda de receio
Gigante como um princípio que te empata qualquer princípio
Que ilustra o precipício que ainda não se prefigura lá à frente
Não adianta que rezes se não for de optimismo a oração
A ansiedade do início é grande e forte
Mas aguenta também a ansiedade intermédia
E principalmente a ansiedade que traz a repetição
À segunda e à terceira vez não é mais fácil
Existe um peso certo que equilibra os pratos da balança
Para que entre o receio e a esperança o medo não engorde demais
O medo da desgraça é bem pior que a própria desgraça
Provérbio provado rimado - MCCLXVI
O Marco parece antipático
Por ser de tal forma apático
Demonstra grande indiferença
Por qualquer tipo de crença
Os olhos reviram-se tanto
Mas não é que seja espanto
O que acontece é conforme
A medida do seu tédio enorme
Nada do que o rodeia
O entusiasma ou refreia
O Marco não é acessível
A tudo ele é impassível
A fim de evitar o confronto
O Marco jamais está pronto
Para defender uma ideia
Que outras desencadeia
Não vale a pena por isso
Armar grande reboliço
Pois com o Marco ó caneco
É estar a falar pró boneco
Provérbio provado rimado - MCCLXV
Dos actos irreflectidos
Não esperes uma progressão
São gestos descontraídos
Feitos sem grande intenção
Assim como quem não quer
O que lhe põem à frente
Pois dá trabalho escolher
O que lhe é indiferente
Essa atitude blasé
Não cria nenhuma mudança
E não percebo porquê
Será no fundo cagança?
Palavras da boca pra fora
Membros rígidos e tensos
Só apetece ir embora
Não batalhar por consensos
Que as lágrimas de sermão
E a chuva de trovoada
Quando caem na terra do chão
Normalmente não valem nada
Provérbio provado acelerado
Não sei porque é que não levas em conta os meus conselhos, Juliana; sou o teu pai e se desejo algum mal para ti que venha para mim, filha. Devias ouvir mais o que te digo: ando há muitos anos a bater mato e tenho mais experiência do que tu.
Sabes qual é o segredo, minha filha? É nunca desistir, continuar sempre em frente. Em cinquenta anos de trabalho nunca faltei: ia constipado, ia com febre, mas ia sempre!
A tua mãe nunca compreendeu esta minha forma de ser. Principalmente quando eu não alinhei naquelas sessões de terapia de casal, era só o que me faltava! Então ela chegava do psicólogo com a cabeça cheia das tretas que ele lhe impingia... Acusava-me de praticar a chamada fuga para a frente; ou seja, o que ela queria dizer era que eu andava a empurrar com a barriga, como se não soubesse o que andava a fazer.
Já viste a desconsideração, Juliana? Eu que nunca lhe deixei faltar nada e ela, de repente, de um dia para o outro, só me encontrava defeitos. Pois bem, dei-lhe o divórcio como ela quis! Nem pestanejei. Assinei os papéis e lavei dali as minhas mãos.
Por isso te repito, filha, é continuar sempre em frente, aguentar os embates, dar luta até ao fim.
- Andar para trás é ensinar o caminho ao Diabo
Provérbio provado num verso branco - CXXXVII
As palavras que de noite nos embalam
Estarão já mortas pela manhã
O sono esvazia as frases do presente
Enquanto o sol faz acordar um novo vocabulário
Às vezes repetimos os discursos
Para que os dias se aproximem e nos vistam
Nessa busca do tamanho certo
Quanto mais é a linguagem mais familiar
O conforto aumenta e é menor o temor
Mas as palavras da noite não são para a manhã
Têm cores diferentes e até ruídos
Andam mais ou menos despidas
Porque as pessoas são as circunstâncias
E as palavras as suas condicionantes
Provérbio provado rimado - MCCLXIV
terça-feira, 5 de março de 2024
Provérbio provado rimado - MCCLXIII
O José é tão inteligente
Interessante é dizer pouco
Decerto é um homem diferente
Tem um sorriso meio louco
Quando me escreve uma frase
Não dá erros de ortografia
Sabe compor bem a sintaxe
Nem por isso tem a mania
Tem a máxima pontuação
No que ao sex appeal diz respeito
Capaz de despertar a tesão
Ou mais umas batidas no peito
Ele sabe que sou atrevida
Tirou-me logo o retrato
Apesar de meiga e querida
Parecer que não parto um prato
Queria fazer-lhe um convite
Que extravasa o atrevimento
Mas não sei se ele permite
Ou se está assim a contento
Um café ou o chá das cinco
Para não partir em abuso
Não demonstrarei muito afinco
São as fracas armas que uso
Depois destes versos ele ler
Eu ficarei na expectativa
Espero não me arrepender
Preferir ter sido evasiva
Provérbio provado rimado - MCCLXII
Nem tudo o que luz é ouro
Nem tudo o que é feio é mau
Quem não tiver o que fazer
Que faça colheres de pau
Pois o brilho pode enganar
E fazer parecer melhor
É uma lente de aumentar
Que até confunde o amor
O que é feio pode ser bom
Para lá da primeira impressão
É preciso é escutar o tom
Que nos toca ao coração
E se nada disto comove
Sobra sempre outro entretém
A quem a expressão não demove
Que faça colheres também
Provérbio provado rimado - MCCLXI
Eu já comi muito milho
Debaixo do espantalho
Mas arranjei um sarilho
Que me deu muito trabalho
Comi ainda o pãozinho
Que o diabo amassou
Aguentei tanto sozinho
Nenhuma pessoa ajudou
A vida toda na trave
Tantos frangos virei
E o que houve de grave
A ninguém assim contei
Provérbio provado do relógio comprado
Quando terminou a instrução primária o avô quis oferecer-lhe um relógio como fizera a todos os netos. Veio de lá o Sr. Silvestre, numa tarde muito quente de Julho, na sua carrinha de caixeiro viajante relojoeiro e ourives.
Que deixasse a menina escolher o modelo que mais lhe agradasse, disse o avô ao Sr. Silvestre. Porque este relógio lhe havia de fazer companhia no pulso por muitos e longos anos. A Mariana experimentou um, experimentou dois e ao terceiro lá se decidiu: era aquele! Um relógio discreto com a braçadeira preta e o mostrador quadrado.
Então era hora de lhe dar corda. O Sr. Silvestre deu os primeiros safanões ao mecanismo, mostrando orgulhoso os ponteiros a rodar e pedindo silêncio aos primeiros tiquetaques. Bastaria repetir o gesto de rodar a coroa no sentido horário uma vez por dia e teria ali um parceiro para toda a vida.
A Mariana aquiesceu e fez menção de se afastar. O avô, embevecido pela maturidade da netinha, deu um passo para a seguir. De imediato, o Sr. Silvestre mudou de cara e interpelou o avô:
- Ó Sr. Manuel, e então quem me paga? Vá lá que ainda lhe desconto 300 mérreis, que mais não posso tirar...
- Quem trabalha de graça é o relógio
Provérbio provado rimado - MCCLX
domingo, 3 de março de 2024
Provérbio provado rimado - MCCLIX
Como qualquer comum mortal
Também me queixo do passado
Por me ter ao trilho lançado
Cada mágoa descomunal
Felizmente não embruteci
Continuo a ter a ilusão
De que há compensação
Para o que então vivi
Acredito que é a exclusão
Que dá à regra sentido
Não é um tabu invertido
Mas sim uma associação
Pois tudo o que foge da norma
E consegue ser original
Podem tê-lo por marginal
Sempre alguma coisa transforma
E se a melhor companhia
Da regra é a excepção
Não há mulher sem senão
Mas que estranha analogia!
sábado, 2 de março de 2024
Provérbio provado rimado - MCCLVIII
Palavras não enchem barriga
Ouve o que te digo amiga
Porque se com fome estamos
Com a mesma fome ficamos
Provérbio provado rimado - MCCLVII
O que tenho de espontaneidade
Falta-me porém em coragem
Por temer uma contrariedade
Às vezes não faço a viagem
Assim me vejo insegura
Por estar o futuro tão longe
Sou além disso bem pura
Mas não tanto como um monge
Já a boa disposição
É algo que me caracteriza
Mas depende da ocasião
E do que cada um prioriza
Consigo ser muito querida
Todavia também narcisista
Em grupo sou divertida
Ao espelho um pouco egoísta
Diz que a minha inteligência
Está um pouco acima da média
Não desejo qualquer prepotência
De me achar uma enciclopédia
Se me pedem opinião
De certeza serei sincera
Sem pender para a aprovação
Contudo não sendo megera
Resumindo sou tão intensa
Nem toda a gente aguenta
Mas afinal o que compensa
É não jamais violenta
Se a frase me sai agressiva
Desculpem qualquer coisinha
Que não tenho tiques de diva
Nem sou uma mulher mesquinha
Provérbio provado rimado - MCCLVI
sexta-feira, 1 de março de 2024
Provérbio provado rimado - MCCLV
Não há sexo que sempre dure
Nem erecção que não acabe
Mas ainda assim que perdure
Aquilo que a gente sabe
É desporto tão salutar
Que contém esfoliação
Quando a barba por aparar
Pode aliviar a tensão
Que se faça com muita vontade
Até se ficar quase exangue
Se é feito com reciprocidade
Faz ferver bem quente o sangue
Deixa qualquer um mais feliz
Generoso e descontraído
Ao contrário de quem não quis
Nem foder nem ser fodido
Então surge o tal comentário
Que da boca do povo costuma
Sair de tal forma ordinário:
Estás a precisar de dar uma!
Provérbio provado rimado - MCCLIV
Olha que também no trabalho
Se pode construir a amizade
Apesar de tanta falsidade
E das cartas fora do baralho
Para isso há que observar
Para lá do que é evidência
Pois no fundo cada vivência
Tem sempre algo para contar
Pode parecer tempo perdido
Tanto ouvir e querer conhecer
E deixar a conversa estender
Ao invés de estares distraído
Então dá uma oportunidade
Àqueles que mais te ignoram
Pois também decerto já foram
Invisíveis na tempestade
Essa gente com quem tu passas
Quase um terço da tua vida
Merece ser bem acolhida
Cair nas tuas boas graças
Provérbio provado rimado - MCCLIII
A felicidade não depende
Daquilo que cada um quer
E apesar do que assim pretende
Não se pode contudo escolher
Ela é coisa que se realiza
Somente com o que se alcança
Se a pessoa se desmoraliza
Acaba por perder a esperança
É um estado que se multiplica
Quanto mais se puder dividir
Não pela recompensa que fica
Mas por ser tão capaz de unir
Desde que não se seja egoísta
Dá tal sensação de pertença
Que apetece ser comodista
Para sentir a sua presença
Por isso é de aproveitar
Quando surge de supetão
E aprender a valorizar
Tais momentos de descontração