Provérbios Provados noutras casas:

quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

Provérbio provado rimado - MCDV

Tens oito dedos na mão 

Mas utilizas só dois 

És mestre da contenção 

Poupas os seis para depois 


Ao menos dás-lhes bom uso 

Sempre agarras e fazes 

Não entres em parafuso 

Que esses são bem capazes 


Porém se tens só dois dedos 

E queres os tais oito usar 

Além do que são normais medos 

Vais-te decerto cansar 



Provérbio provado num verso branco - CXLVII

Se a necessidade aguça o engenho 
Não esperes pela estupidez alheia 
Desenha cada degrau à medida do que for 
O teu calcanhar nesse momento 
Sem cair na tentação de avaliar 
Os teus passos antes viajados 
Sem estudar excessivamente 
Quantas pernas te faltam subir 

Todavia não esqueças que avançar 
É muito diferente de progredir 
E que por vezes uma dezena de degraus 
Não passa de um plano raso 
Onde a percepção se confunde 
Com o que é a verdade 
A própria verdade não é mais 
Do que uma vontade de verdade 


Provérbio provado rimado - MCDIV

A ambição potencia a glória 

É o caminho para a vitória 

Mas em cada um tal dimensão 

Não existe em igual proporção 


Quem é muito ambicioso 

De ter fama está desejoso 

E aqueles a quem não agrada 

Estão metidos em bela alhada 


Defeito que é como a fome 

Em que só o faminto consome 

Pois a lei é o seu apetite 

Nem sequer respeita convite 


Dos pobres ela é a riqueza 

Que nenhum indivíduo despreza 

Se a gana de mais possuir 

Não lhe permitir dividir 


É tão alta a tal escadaria 

Onde à glória se ascenderia 

E os que a sobem por ambição 

É por ela que vêm ao chão 



Provérbio provado rimado - MCDIII

O corpo prescinde da alma 

Pedindo-lhe sempre mais calma 

E nesse acto de recusa 

A alma o cansaço acusa 


Nessa vã dicotomia 

Um deles mais se afligia 

Ou está o corpo escondido 

Ou perde a alma o sentido 


O homem é assim inimigo 

De si próprio como um castigo 

Quando o que pretende é paz 

Enfrenta essa guerra tenaz 


Nem corpo nem alma desistem 

Para ter primazia resistem 

Ambos disputam a meta 

Como uma sociedade secreta 


Será que conhece alguém 

As fronteiras que a alma tem 

Pois ela comanda o destino 

De que o corpo é peregrino 


Se a alma limpa o corpo 

Ficando exausto de borco 

É também limpa pelo amor 

Que a purifica em redor 



quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

Provérbio provado rimado - MCDII

Se sequer Deus nos conhece

Ninguém é como parece 

Cada um tem veia escondida 

Que é seu segredo de vida 


Na artéria mais sofredora 

Reza tal fé duradoura 

De que nem Deus desconfia 

É a auto-sabedoria 


Colocar só no ego o pendor 

Tal como se faz no amor 

É atitude desastrosa 

E de progressão ruinosa 


Há-de chegar uma altura 

De andar mais à procura 

Do que no sangue faz falta 

E que ao coração exalta 


Que um homem sempre precisa 

De quem lhe empreste a camisa 

De outros a quem se unir 

Que também o vejam sorrir 


Que quando o sorriso devolvem 

Essa tal fé lhe renovem 

De amigos que o acompanhem 

Em afecto não se acanhem 


Que o ajudem no caminho 

Não se é feliz sozinho 

É mais útil a partilha 

Nenhum homem é uma ilha 



terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Provérbio provado rimado - MCDI

Eu quero tanto agradar-te 

Que construo os alicerces 

Para que possa abraçar-te

E ver se assim estremeces 


Bem atiro o barro à parede 

E também lanço a escada 

Para ver se me vens à rede 

Mas o que encontro é nada 


Com a mão cheia de ar 

E os dedos todos vazios 

Não me adianta chorar 

Por ficar a ver navios 



Provérbio provado rimado - MCD

Agradar a si mesmo é orgulho 

Agradar aos demais é vaidade 

Que essa arte é engulho 

De quem enganar tem vontade 


Jamais falar do seu ser 

Mas só do outro à frente 

Para assim poder aparecer 

Como agradador competente 


Essa forma de engraxar 

De expediente não passa 

Para todos ludibriar 

Com um arzinho de graça 


E ao cometer um agravo 

Percebendo que é má altura 

Há que dar uma no cravo 

E logo outra na ferradura 



sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

Provérbio provado rimado - MCCCXCIX

Descartaste-me sem pinta 
Foste muito pouco elegante 
E até pareceu uma finta 
De quem não era importante 

Mandaste o meu corpo pró lixo 
Mataste-me de vez a fronha 
Para ti morreu o bicho 
E acabou-se a peçonha 


Provérbio provado rimado - MCCCXCVIII

Tem cuidado com o adulador 
Nele qualquer estima é ausente 
Não dirige a ninguém amor 
Nem ao seu próprio servente 

Pode até amigo parecer 
Como um lobo na alcateia 
Mas vai o cão constranger 
Numa perseguição muito feia 

Vestindo pele de cordeiro 
Tenta mostrar-se amigável 
Mas na rixa é o primeiro 
Com uma postura execrável 

Por isso presta atenção 
Não acolhas o lobo faminto 
Prefere a guarda do cão 
Que esse não será extinto 


Provérbio provado rimado - MCCCXCVII

Um acordo sem simpatia 

Com alguém que dá alergia 

Cria uma relação antipática 

Com tudo para ser traumática 


Pois não vale a pena forçar 

Que dois formem um par 

Tal como marido e mulher 

Sem qualquer opção de escolher 


Como um casamento arranjado 

Que foi por outrem combinado 

Assinam na cruz os nubentes 

Com expressões descontentes 


São a conviver obrigados 

Apesar de tão contrariados 

E o senso comum extravasam 

Quando os santos não casam 



Provérbio provado rimado - MCCCXCVI

Quando começas a falar 

O meu instinto é desligar 

Eu digo que estou de acordo 

Mas só vagamente o recordo 


Vejo os teus lábios mexer 

Nada sou capaz de reter 

Tal como um desenho animado 

Todo o discurso é escusado 


Não tenho a menor intenção 

De levar em consideração 

Um grama do que proferes 

Ou as opções que escolheres 


Eu largo-te à tua sorte 

E tal como dizem no Norte 

Cago de alto para ti 

Olha já nem estou aqui 



Provérbio provado de um advogado culpado

Acabados os anos suados em cima das alíneas do Direito Constitucional e as remelas nos olhos à conta dos vários Códigos que propunham as leis, o Raul ainda teve de estudar mais um par de meses para o exame da Ordem. Nunca pensou, quando em menino jurou que se havia de tornar num advogado a sério, que choraria lágrimas tão amargas durante o curso: toda a aprendizagem trouxera dificuldade e não prazer, como suposera.

Coração ao alto e figas atrás das costas, o Raul obteve uma média que lhe assegurou um patrono dentro da média que lhe pagava um salário mediano. Ao fim de pouco tempo de labor, percebeu que um advogado honesto de pouco servia quando os clientes precisavam era de um advogado desonesto.

 O que importava era o sucesso de cada processo, já que a consciência abraçava a almofada mas não punha comida na mesa. Aprendeu a mostrar sempre uma fisionomia cheia de esperança a todos os clientes que lhe caiam no colo, apoiada num eventual contorno da lei. Se havia até leis que sobreviviam das próprias excepções... No meio de mesuras e apertos de mão, o segredo era apresentar-se como a escolha mais acertada para cada caso.

No final das sedes, o juiz acabava por pender para o lado que demonstrava possuir o melhor advogado: o mais pertinente e coerente, mas também o mais incisivo. O advogado que escolheria para si próprio se acaso fosse réu. Que o defenderia até ao limiar da mentira, de tal forma que esta surgia com as mesmas roupas que a verdade envergava. Diz-me quem te defende, dir-te-ei como te safas, assim era na barra do tribunal. 

O Raul conseguia engraxar com inteligência tanto os magistrados como os seus inocentes clientes. Inocentes até prova em contrário. E a prova em contrário tinha sempre um centímetro de dúvida por onde puxar.

Como não estava acima da lei, ao fim de alguns anos na profissão, teve o Fisco no seu encalço. A evasão fiscal revelara-se demasiado tentadora e mais ligeira a cada nova tentativa. Mesmo ajuizando por si mesmo que era um acto moralmente reprovável e punível por lei, o Raul não deu parte de fraco e alinhavou um requerimento de recurso.


- Ninguém é bom juiz nem mau advogado em causa própria 

quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Provérbio provado de um nariz incomodado

Fosse por força da intolerante modernidade sempre com os nervos à flor da pele, fosse por causa do sentido de humor que vai decrescendo com a idade e a quantidade de cordas roídas; fosse como fosse, os seus santos não casavam e a Lígia e o Sérgio mal se podiam ver. Na verdade, era mais a Lígia que não suportava a presença do colega, mas, como a antipatia com antipatia se paga, ele começou a retribuir a carcaça.

Viam-se forçados a conviver, as secretárias lado a lado, durante o terço de vida que o emprego lhes tomava. O trabalho é uma fatalidade, é certo, mas para estes dois esta adversidade enfastiava mais do que o tempo a passar com os seus números circulares.

É engraçado como se detestavam tanto tendo no entanto uma característica comum: ambos precisavam de adulação avulsa na forma de atenção do sexo oposto. Mas essa necessidade de admiração não era tão aleatória como parecia: que viesse, que viesse em barda, mas nunca da secretária ao lado.

Nem se pode dizer que tivessem vivido uma primeira impressão mútua e toscamente agradável, como o são muitas vezes as primeiras miradas antes das decepções rasgarem terreno. Nem os olhos claros do Sérgio, lisos como um lago, impassíveis e de aparentemente impossíveis ricochetes, convenceram a Lígia de que estava na presença de um humano com hipótese de alguma vez lhe vir a agradar.

Talvez toda essa antipatia lhe viesse do nariz. É que o Sérgio cheirava tremendamente mal, parecendo transportar um cesto grande de cebolas por dentro da roupa. O pior é que o próprio Sérgio parecia carecer de olfacto. Ou pior ainda - porque há sempre um pior, principalmente quando o mesmo podia ser pior - o Sérgio gostava do odor a macho que exalava, não tendo noção que incomodava, e muito!, a sua vizinha de secretária.

A Lígia bem abria as janelas de par em par, bem inventava paragens noutros pontos da sala de trabalho para tirar dúvidas, bem dizia para o colega de forma indirecta Hoje está aqui um cheiro que não se aguenta! Era debalde, ele não acusava o toque e aquele cheiro a bode suado não deixava de a incomodar sobremaneira.

Era tal a impressão produzida nos seus órgãos receptores pelas partículas olfactivas que emanavam do corpo do vizinho que, por vezes, no tempo dos sovacos veranis mais quentes, um vómito lhe ameaçava a laringe. O fedor era de tão e tamanha insistência que, ainda o Sérgio não tinha virado a esquina de manhã, já a sua presença se fazia anunciar e, do mesmo modo, perdurava durante largos minutos após ter transportado o corpanzil na direcção da poluição atmosférica de outras paragens.

Desconhecia-se a causa do odor importuno. E lançavam-se hipóteses: que talvez o colega não apreciasse a água corrente ou que, em apreciando, não colocava a roupa suada a lavar e a vestia impregnada de ontens. O que era certo é que deixava rasto, parecendo não se aperceber ou então tolerar a contaminação em redor.



- Cada qual aprecia o cheiro do seu monturo