terça-feira, 31 de dezembro de 2024
Provérbio provado rimado - MCCCXCV
Provérbio provado rimado - MCCCXCIV
Perde qualquer requisito
Quem tem sede no deserto
Pode redundar em conflito
Escondê-la ali por perto
Se houvesse chuva a sério
Com ela faria um banquete
Mas é somente um mistério
O que essa miragem promete
Imagine-se a sorte então
De ter quando a sede apertar
Alguma torneira à mão
Que apenas basta rodar
Pois quem tem sede demais
Não escolhe a água que bebe
As fontes são todas iguais
Em qualquer copo a recebe
Provérbio provado rimado - MCCCXCIII
A amizade desaparece
Quando a dúvida aparece
Logo o elo se põe em causa
E é necessária uma pausa
Se o desconforto se instala
Assim a confiança se abala
Fica somente um mal estar
Tão difícil de ultrapassar
O silêncio tem tanto ruído
Depois de haver ocorrido
Algo que a dúvida lançou
E uma boa amizade estragou
Provérbio provado rimado - MCCCXCII
O essencial do amor
Não se deve nomear
Ou este perde o fulgor
Começa logo a acabar
Então o lugar mais calado
É a sua melhor morada
Para não ficar assustado
Com as mãos cheias de nada
A troca mútua da vontade
Essa que constrói os instantes
É a terra da intimidade
Onde habitam os amantes
A natureza desse afecto
Não se poderá emendar
Mesmo que seja incompleto
Acaba por extravasar
Desbravar o conceito amoroso
É igual a não o desbravar
Pois nem sempre é generoso
Preferindo esconder do que dar
É coisa tão contraditória
Isso a que chamam amor
Porque no fim da história
Quem foge é vencedor
segunda-feira, 30 de dezembro de 2024
Provérbio provado rimado - MCCCXCI
Separar a água do vinho
É bem mais fácil de fazer
Do que o falso e mesquinho
Vir-se a arrepender
E se por acaso cai nessa
Não será caso de perigo
Pois o arrependimento cessa
Quando esquece o castigo
Provérbio provado rimado - MCCCXC
Vejam que na realidade
Somos robôs tal e qual
E só um quarto da verdade
Achamos que é substancial
Parecemos só marionetas
Por alheias mãos manobradas
Não valem desculpas ou tretas
Somos tão bem comportadas
Bonecos rudes e toscos
Passamos a vida a fingir
Os outros são vidros foscos
À espera de se evadir
Tantas vezes ficamos perdidos
Comungando da mesma emoção
Afinal todos tão parecidos
Macaquinhos de imitação
domingo, 29 de dezembro de 2024
Provérbio provado rimado - MCCCLXXXIX
Um amor que não deu certo
É bom que não fique por perto
Já viveu e deixou de viver
Só serve para se escrever
Por causa do que o medo imagina
Perdê-lo era a certa sina
Por causa de se esperar tanto
Perdê-lo não devia ser espanto
E quanto maior ele existiu
Menos facilmente resistiu
Pois é dito que um grande amor
Corresponde a grande labor
Provérbio provado rimado - MCCCLXXXVIII
Provérbio provado rimado - MCCCLXXXVII
Transmite um toque de seda
A língua de quem bajula
Enquanto a si mesmo se anula
Nem vê que somente arremeda
Se o alvo se encontra presente
Da boca sai-lhe uma flor
Mas maldiz em todo o esplendor
Quando este está ausente
Porque qualquer peta enfeita
Na boca de quem é mentiroso
O certo se faz duvidoso
E até a verdade é suspeita
Provérbio provado rimado - MCCCLXXXVI
Quando a Rita se apresenta
O seu valor todo ostenta
E parece a pessoa melhor
Que anda aqui em redor
Que a Rita possui argumentos
E sabe bem fingir sentimentos
Põe as gentes no coração
Para obter uma compensação
Aos domingos e dias santos
Deslizando pelos recantos
Ela papa a hóstia na missa
Fazendo papel de submissa
Ela ajuda os pobrezinhos
Que se crêem menos sozinhos
E esse acto dá-lhe a ilusão
Que lhe devem uma obrigação
Precisa de a tal recorrer
Para a ruindade esconder
Para se sentir mais bondosa
Em se conhecendo horrorosa
Espera sempre a paga do favor
Que não é de borla o fervor
Mas sabe-lhe contudo a pouco
Por ser santinha do pau oco
Provérbio provado rimado - MCCCLXXXV
Antes que bata as botas
Hei-de assumir as derrotas
Como espinhas na minha garganta
Sem saber se isso adianta
Vou cuspi-las uma a uma
Até não restar mais nenhuma
Que afinal a minha intenção
Corrobora essa situação
E tão perto de me finar
Já não valerá recuar
Nem terços à Virgem Maria
Farão tal hora tardia
É assim que aceito tranquila
Ocupando a vez nessa fila
Onde terminará uma etapa
Já que à morte ninguém escapa
Provérbio provado rimado - MCCCLXXXIV
Os excelsos senhores deputados
Esperam sempre quaisquer ofertas
E encontram as portas abertas
Quando são solicitados
A quem dá uma presa inteira
Quando muito o presunto devolvem
Fingindo que assim se envolvem
Numa posição verdadeira
Na garagem guardado o triciclo
Enquanto uma bomba conduzem
Ideias peregrinas produzem
Dormitando no hemiciclo
Quando chega a sua altura
Assinalam armas e brasões
E anunciam ordens de razões
Só assim botam faladura
Com tal figura de retórica
Enumeram de dedo estendido
Com um semblante atrevido
E uma pose categórica
De fato engomado e gravata
Aparentam bom comportamento
Mas acaba por vir um momento
Em que arrogam cheios de bravata
Uma vez encerrado o plenário
As patacas são distribuídas
Se terão sido subtraídas
Todos afirmam o contrário
Como tontos bonecos procedem
Com a mão no bolso fechada
Dando por finda a jornada
Com até amanhã se despedem
A eloquência parlamentar
É uma campainha que se toca
Sempre que alguém a convoca
Quando chega a hora de jantar
sábado, 28 de dezembro de 2024
Provérbio provado rimado - MCCCLXXXIII
Quem pensa apenas com os dedos
Sente leve o toque da pele
Por ter na cabeça alguns medos
Que fazem com que protele
Deixa logo assim pouco espaço
Para a fértil imaginação
Prefere evitar um abraço
Suspender o aperto de mão
Tem grave fobia social
A renúncia é seu apanágio
Por temer que se torne viral
A origem de qualquer contágio
Chega a ter quase saudade
Desse tempo de pandemia
Então estava mais à vontade
Com a sua singular mania
Com tal medo perene e excessivo
Vive assim dos demais isolado
Pois estar só é mais positivo
Do que andar mal acompanhado
Provérbio provado rimado - MCCCLXXXII
Quem dá um bolo a um cão
E ao porco pedra preciosa
Já devia saber de antemão
Que não ganha por ser generosa
Pois a gente dá pouco valor
A toda a coisa ofertada
E prefere pingar em suor
Que obtê-la de mão beijada
Provérbio provado rimado - MCCCLXXXI
Casarás se aparecer um marido
Mesmo que já não sejas menina
Deixa estar na loja o vestido
Não o guardes em naftalina
Não é para ninguém vergonha
Ficar parte da vida sem par
Não julgues que é a peçonha
Não teres chegado a casar
Esteja a pêra na pereira
E não caia nem apodreça
Como posta na prateleira
Lá virá quem a mereça
Provérbio provado rimado - MCCCLXXX
É ultra forreta o Tomás
Nem no Natal dá presentes
Ele é de esbanjar incapaz
Para lá dos gastos correntes
Teme tanto a velhice e o fim
E então hipoteca o futuro
Que do cu lhe não caia assim
Que na mão está bem seguro
Provérbio provado rimado - MCCCLXXIX
A Elisa não dobra o pé
Tem sempre tanto que fazer
Não se senta jamais no café
O seu tempo só sabe encolher
Ela é uma alminha apressada
Que não aprecia o momento
E as horas na sua almofada
São para a Elisa um tormento
O tempo que passa a dormir
É na vida tal desperdício
Que gostava de o substituir
Por mais minutos de bulício
A Elisa por este andar
Vai ficar velhinha depressa
Pois é incapaz de abrandar
À inércia total é avessa
sexta-feira, 6 de dezembro de 2024
Provérbio provado rimado - MCCCLXXVIII
Se o que é real não perdoa
Por certo o amor também não
E em o fazendo destoa
Da mais fugaz excitação
Que esta é apenas vulgar
Somente desejo e vontade
Não tem o pendor principal
De acompanhar na verdade
Se há na rua a leveza
De passear de mãos dadas
Há mais que tesão com certeza
Há no amor provas dadas
quarta-feira, 4 de dezembro de 2024
Provérbio provado bem vislumbrado
Desde a infância mais tenra que o Arlindo se gabava de ver muito bem. Tinha uma visão raio-x e argumentava que via as coisas por dentro, afiançando que até vislumbrava para lá dos acontecimentos.
Por isso, onde os restantes não viam nada de nada, já ele tinha mirado tudo e empreendia a viagem de regresso. Inclusive possuía o dom de acertar no futuro: via as situações antes de estas acontecerem, sem nunca lhe entrar areia para os olhos.
Sim, era escusado tentar lorpear o Arlindo: ele não estava disponível para comer gelados com a testa. Via mais alto do que uma girafa das altas. Com mais clareza do que uma coruja à noite. Com mais limpidez do que um polvo nas profundezas do mar.
Durante a mais vulgar das conversas, o Arlindo parava às vezes muito de repente e cofiava o bigode dizendo: Está-me a vir aqui uma imagem...
- A gente olha e outro é que vê
Provérbio provado rimado - MCCCLXXVII
Estou a tornar-me carente
Da tua atenção dependente
Aguardando uma tua resposta
Que me torne mais bem disposta
Tão nociva é esta postura
Pois não tem local nem altura
E é forma de alguma pressão
Por de ti esperar reacção
Quando um sinal eu terei
Que valide o que esperei?
Enquanto isso quem espera
Nesse momento desespera
Provérbio provado rimado - MCCCLXXVI
Na verdade não pode haver
Sempre o melhor de dois mundos
Porque podem então aparecer
Conflitos internos profundos
Pode parecer brincadeira
Ou até uma coisa anormal
Mas não se pode ter sol na eira
E chuva também no nabal