quinta-feira, 30 de abril de 2020
Provérbio provado nos Contos que cabem em casa - I
sexta-feira, 24 de abril de 2020
Provérbio provado inflamado
Há dias em que acordo virada do avesso e não há quem me desdobre a indumentária. Fico particularmente sensível nessas ocasiões: não tenho papas na língua e com os dentes trituro as palavras. Abomino meios termos, emoções mornas e eufemismos: é sempre tudo a ferro e fogo. Claro que depois pago a factura. Com IVA.
Tenho de começar a aprender que
- É grão saber calar e comer
Tenho de começar a aprender que
- É grão saber calar e comer
Provérbio provado beijado
Dava beijos muito lentos e prolongados na perspectiva de que lhe durassem mais os amores.
Começava assim por encostar os seus lábios aos do outro com uma suavidade quase receosa, estudando-lhes a polpa e a eventual disponibilidade. Após este primeiríssimo contacto, que efectuava sustendo a respiração, já podia pressionar um pouco mais e efectuar uma entrega concertada: o lábio superior tendia a quedar-se mais invisível ao passo que o inferior se distendia num prolongamento da separação que mediava o primeiro do segundo beijo.
Depois ousava timidamente a ponta da língua ao encontro da língua parceira e era então que deixava de apenas adivinhar para passar a saborear o sal da boca alheia. Nessa altura, as duas bocas conheciam-se e sucedia-se uma pausa para um sorriso seguido de um beijo mais acentuado.
À medida que o medo se distanciava e se permitia um abandono exponencial, os beijos intensificavam-se com mais língua e mais saliva e misturavam-se com dentes e dedos.
Uma excitação toda corpórea percorria a coluna vertebral, ora do lóbulo da orelha ao sexo já pulsante ora no sentido contrário, querendo escapar a um entumescimento precoce, concentrando-se na anatomia de cada beijo partilhado.
Enquanto esses beijos durassem vívidos, assim se estabeleceria a possibilidade de um amor futuro e seu pretenso desgosto.
- Boca que apetece, coração que padece
Começava assim por encostar os seus lábios aos do outro com uma suavidade quase receosa, estudando-lhes a polpa e a eventual disponibilidade. Após este primeiríssimo contacto, que efectuava sustendo a respiração, já podia pressionar um pouco mais e efectuar uma entrega concertada: o lábio superior tendia a quedar-se mais invisível ao passo que o inferior se distendia num prolongamento da separação que mediava o primeiro do segundo beijo.
Depois ousava timidamente a ponta da língua ao encontro da língua parceira e era então que deixava de apenas adivinhar para passar a saborear o sal da boca alheia. Nessa altura, as duas bocas conheciam-se e sucedia-se uma pausa para um sorriso seguido de um beijo mais acentuado.
À medida que o medo se distanciava e se permitia um abandono exponencial, os beijos intensificavam-se com mais língua e mais saliva e misturavam-se com dentes e dedos.
Uma excitação toda corpórea percorria a coluna vertebral, ora do lóbulo da orelha ao sexo já pulsante ora no sentido contrário, querendo escapar a um entumescimento precoce, concentrando-se na anatomia de cada beijo partilhado.
Enquanto esses beijos durassem vívidos, assim se estabeleceria a possibilidade de um amor futuro e seu pretenso desgosto.
- Boca que apetece, coração que padece
Provérbio provado num estado de alma
Tantas vezes presa por ter cão e presa por não ter, cativa entre a espada e a parede, passo pela vida como cão por vinha vindimada. A resposta não vem na ponta da língua, que depressa e bem não há ninguém. A solução tarda como uma agulha num palheiro. Só enquanto o pau vai e vem folgam as costas e é então que me repito que há mais marés que marinheiros.
- Ai vida, vida, que é mais curta que comprida
- Ai vida, vida, que é mais curta que comprida
Provérbio provado rimado - DCCCXII
Às vezes não damos valor
Tudo nos parece incolor
Tão vulgar e sensaborão
Porque está mesmo ali à mão
Mas contudo a dura realidade
É que a verdadeira felicidade
Precisa de ser interrompida
Para poder ser sentida
Tudo nos parece incolor
Tão vulgar e sensaborão
Porque está mesmo ali à mão
Mas contudo a dura realidade
É que a verdadeira felicidade
Precisa de ser interrompida
Para poder ser sentida
Provérbio provado rimado - DCCCXI
Se a tua mota queres preservar
Não a prendas com correntes de ar
Enfia-lhe as rodas na garagem
Longe dos olhos da gatunagem
Que o motão é a tua griffe
Dá-te um certo ar de patife
Até está na foto de perfil
Para mostrar que andas a mil
No bolóide apareces montado
Com ar de putanheiro encartado
Convencido que muito te admiro
Convidas-me para dar um giro
Não a prendas com correntes de ar
Enfia-lhe as rodas na garagem
Longe dos olhos da gatunagem
Que o motão é a tua griffe
Dá-te um certo ar de patife
Até está na foto de perfil
Para mostrar que andas a mil
No bolóide apareces montado
Com ar de putanheiro encartado
Convencido que muito te admiro
Convidas-me para dar um giro
Provérbio provado rimado - DCCCX
Essa noiva que não casou
Há-de vir a casar não faz mal
Para tia ainda não ficou
Foi poupança de enxoval
Já tinha o vestido comprado
Com rendas e corte de sereia
Em papel de seda é guardado
Que com ele nem parece feia
Ela também conserva o véu
Dá quase a imagem de céu
Não interessa se já não é virgem
Se teve uma noite de vertigem
Os sapatos esperam na caixa
Com seus saltos vertiginosos
Um dia é dar-lhes graxa
E aguentar os calos penosos
Tem certeza que irá desposar
Nem que seja um agricultor
Vai toda a família convidar
Para presenciar seu amor
O copo de água será de arromba
E o DJ tocará quizomba
Muitos meses de preparativos
São precisos para dias festivos
Mas a noiva a ideia acalenta
De casar bem antes dos quarenta
Não desiste porque quem quer festa
Já sabe que lhe sua a testa
Há-de vir a casar não faz mal
Para tia ainda não ficou
Foi poupança de enxoval
Já tinha o vestido comprado
Com rendas e corte de sereia
Em papel de seda é guardado
Que com ele nem parece feia
Ela também conserva o véu
Dá quase a imagem de céu
Não interessa se já não é virgem
Se teve uma noite de vertigem
Os sapatos esperam na caixa
Com seus saltos vertiginosos
Um dia é dar-lhes graxa
E aguentar os calos penosos
Tem certeza que irá desposar
Nem que seja um agricultor
Vai toda a família convidar
Para presenciar seu amor
O copo de água será de arromba
E o DJ tocará quizomba
Muitos meses de preparativos
São precisos para dias festivos
Mas a noiva a ideia acalenta
De casar bem antes dos quarenta
Não desiste porque quem quer festa
Já sabe que lhe sua a testa
Provérbio provado rimado - DCCCIX
Quando algo é para não avançar
Faz-se inquérito parlamentar
Se ontem faltava argumento
Amanhã mais um adiamento
Ficam a protelar o assunto
Até que caia algum defunto
É sempre interposto recurso
Por quem faz figura de urso
Um dia chega enfim o debate
É ver bancadas em combate
Ferve bem o insulto velado
E está o caldo entornado
Quem em casa tenta perceber
Aonde aquela coisa vai ter
Perde rápido a paciência
Para tanta condescendência
Faz-se inquérito parlamentar
Se ontem faltava argumento
Amanhã mais um adiamento
Ficam a protelar o assunto
Até que caia algum defunto
É sempre interposto recurso
Por quem faz figura de urso
Um dia chega enfim o debate
É ver bancadas em combate
Ferve bem o insulto velado
E está o caldo entornado
Quem em casa tenta perceber
Aonde aquela coisa vai ter
Perde rápido a paciência
Para tanta condescendência
(Ilustração: @catarinaqualquercoisa
Provérbio provado rimado - DCCCVIII
Esse sapo que tinhas beijado
Não deu em príncipe encantado
Era alto e bem parecido
E tinha o cabelo comprido
Índio dos tempos modernos
Prometia prazeres eternos
Mas o beijo foi furioso
Parecia estar rancoroso
Tinha demasiada saliva
De seguida ficaste esquiva
Só te apetecia fugir
E do seu lado sair
Mas dali não havia transporte
Aquele Uber foi uma sorte
Ele andava na escola da vida
Só que foi uma noite perdida
Mais um sapo decepcionante
Que parecia até interessante
Deste com os burros na água
E agora aguenta essa mágoa
Não deu em príncipe encantado
Era alto e bem parecido
E tinha o cabelo comprido
Índio dos tempos modernos
Prometia prazeres eternos
Mas o beijo foi furioso
Parecia estar rancoroso
Tinha demasiada saliva
De seguida ficaste esquiva
Só te apetecia fugir
E do seu lado sair
Mas dali não havia transporte
Aquele Uber foi uma sorte
Ele andava na escola da vida
Só que foi uma noite perdida
Mais um sapo decepcionante
Que parecia até interessante
Deste com os burros na água
E agora aguenta essa mágoa
Provérbio provado num verso branco - LXXXI
Ofereço-me tanto com tanto tamanho
Numa embriaguez dos sentidos e desmesurada intensidade
Eu um néctar dos deuses em promoção
Devolvendo aos mortais o gosto das boas lembranças
Construindo memórias para usufruto de maus fígados
Dando pérolas a porcos que chafurdam no curral
Numa embriaguez dos sentidos e desmesurada intensidade
Eu um néctar dos deuses em promoção
Devolvendo aos mortais o gosto das boas lembranças
Construindo memórias para usufruto de maus fígados
Dando pérolas a porcos que chafurdam no curral
Provérbio provado rimado - DCCCVII
Era um bando de garotos
Que unido era insolente
Lançavam ao ar perdigotos
Gozavam com toda a gente
Um pombo pousou num beiral
Num dia de muita aragem
E depois do voo em espiral
Largou parte da plumagem
Os miúdos que se dedicavam
A zombar com uma morena
Em baixo logo apanhavam
Dizendo então Temos pena
Que unido era insolente
Lançavam ao ar perdigotos
Gozavam com toda a gente
Um pombo pousou num beiral
Num dia de muita aragem
E depois do voo em espiral
Largou parte da plumagem
Os miúdos que se dedicavam
A zombar com uma morena
Em baixo logo apanhavam
Dizendo então Temos pena
quinta-feira, 23 de abril de 2020
Provérbio provado rimado - DCCCVI
Somente escuto o mar
Na palma da minha mão
Apenas sinto o teu olhar
Na caixa do coração
Nessa caixinha ressoa
Um alegre batimento
Que transmite coisa boa
É belo esse sentimento
Pudera que a amizade
Fosse assim desinteressada
Mas na louca realidade
É muita vez despudorada
É mais que uma coincidência
Ter-te aqui por vizinho
Adivinho a tua existência
Se escreves de noite sozinho
Quando um dia carecer
De ajuda da tua parte
Pressinto que então vou poder
Pedir-ta sem chatear-te
Hás-de compreender e ouvir
Pois no aperto e no perigo
Quererás ver-me sorrir
Assim se conhece um amigo
Na palma da minha mão
Apenas sinto o teu olhar
Na caixa do coração
Nessa caixinha ressoa
Um alegre batimento
Que transmite coisa boa
É belo esse sentimento
Pudera que a amizade
Fosse assim desinteressada
Mas na louca realidade
É muita vez despudorada
É mais que uma coincidência
Ter-te aqui por vizinho
Adivinho a tua existência
Se escreves de noite sozinho
Quando um dia carecer
De ajuda da tua parte
Pressinto que então vou poder
Pedir-ta sem chatear-te
Hás-de compreender e ouvir
Pois no aperto e no perigo
Quererás ver-me sorrir
Assim se conhece um amigo
Provérbio provado adiado
Foi de repente que deixei de acender, como um isqueiro que cai na sanita e depois já não dá chama.
Não se sabe por quanto tempo o lume se esvai, mas convém que não se desista abrupta e irremediavelmente, deitando-o no lixo do que deixou de ter serventia, importa que se lhe dê uma hipótese de reserva: uma gaveta menos utilizada ou um bolso de casaco da próxima estação. Qualquer dia, talvez mais cedo que tarde, essa água estagnada evapora-se dos rolamentos e a faísca volta a brilhar a um vulgar gesto da mão.
Nisto pensei depois de ter puxado o autoclismo e ter conseguido resgatar o isqueiro naufragado: na obrigação de me dar segundas e terceiras e quartas oportunidades, todas as que forem necessárias. Engraçado como a vã poesia do quotidiano nos ensina a toda a hora que
- Saber esperar é uma virtude
Não se sabe por quanto tempo o lume se esvai, mas convém que não se desista abrupta e irremediavelmente, deitando-o no lixo do que deixou de ter serventia, importa que se lhe dê uma hipótese de reserva: uma gaveta menos utilizada ou um bolso de casaco da próxima estação. Qualquer dia, talvez mais cedo que tarde, essa água estagnada evapora-se dos rolamentos e a faísca volta a brilhar a um vulgar gesto da mão.
Nisto pensei depois de ter puxado o autoclismo e ter conseguido resgatar o isqueiro naufragado: na obrigação de me dar segundas e terceiras e quartas oportunidades, todas as que forem necessárias. Engraçado como a vã poesia do quotidiano nos ensina a toda a hora que
- Saber esperar é uma virtude
quarta-feira, 22 de abril de 2020
Provérbio em tempo de Covid
Nesta época de confinamento social, há que puxar a brasa à nossa sardinha e tornar o provérbio e a expressão idiomática virais, ao invés do estuporado do Corona.
Meus amigos, Deus dá as nozes mas não as parte, vejam lá há quantos anos anda a virar frangos e nós cá em baixo ó tio ó tio!
Já não basta termos de estar sempre a pau, à coca nas filas do supermercado, não vá um espirro mais musculado invadir os nossos centímetros sagrados de pessoa por hora saudável; resta-nos permanecer em cima do acontecimento mas não em cima do joelho, que atitude de desleixo é chão que já deu uvas. Como tal, é preciso cuidadinho não vá pôr-se o pé em ramo verde e depois é uma grande argolada!
Mais vale então prevenir que remediar e cortar o mal pela raiz: é que depois do mal feito todos o tinham previsto e não se pretende ninguém encostado prematuramente às boxes. Por isso, já sabem que é cada tiro cada melro, cada cavadela sua minhoca: sair sempre de máscara e luvas enquanto vigorar a regulamentação.
Mais dia menos dia estaremos a rir a bandeiras despregadas e a tirar a barriga de misérias!
- Deus dá as nozes mas não as parte
(escrito em Abril de 2020)
Meus amigos, Deus dá as nozes mas não as parte, vejam lá há quantos anos anda a virar frangos e nós cá em baixo ó tio ó tio!
Já não basta termos de estar sempre a pau, à coca nas filas do supermercado, não vá um espirro mais musculado invadir os nossos centímetros sagrados de pessoa por hora saudável; resta-nos permanecer em cima do acontecimento mas não em cima do joelho, que atitude de desleixo é chão que já deu uvas. Como tal, é preciso cuidadinho não vá pôr-se o pé em ramo verde e depois é uma grande argolada!
Mais vale então prevenir que remediar e cortar o mal pela raiz: é que depois do mal feito todos o tinham previsto e não se pretende ninguém encostado prematuramente às boxes. Por isso, já sabem que é cada tiro cada melro, cada cavadela sua minhoca: sair sempre de máscara e luvas enquanto vigorar a regulamentação.
Mais dia menos dia estaremos a rir a bandeiras despregadas e a tirar a barriga de misérias!
- Deus dá as nozes mas não as parte
(escrito em Abril de 2020)
Provérbio provado rimado - DCCCV
Não me lastimes Albino
Dispenso a tua pena
Que a minha escreve rimas
Impróprias para cinema
Estou-me de alto cagando
Para o teu polegar à direita
As ideias pré concebidas
Dessa mente pouco escorreita
Quem como tu calcorreia
E critica por criticar
Não sente nenhum odor
Na pressa de circular
Sabes que a minha corola
Algum perfume exala
Sempre que cospe uns versos
Mas também quando se cala
Às vezes faz que é tola
E finge não compreender
Mas fica no ar destilando
Depois de desaparecer
Até nas flores se encontra
Essa diferença da sorte
Umas enfeitam a vida
Outras enfeitam a morte
Dispenso a tua pena
Que a minha escreve rimas
Impróprias para cinema
Estou-me de alto cagando
Para o teu polegar à direita
As ideias pré concebidas
Dessa mente pouco escorreita
Quem como tu calcorreia
E critica por criticar
Não sente nenhum odor
Na pressa de circular
Sabes que a minha corola
Algum perfume exala
Sempre que cospe uns versos
Mas também quando se cala
Às vezes faz que é tola
E finge não compreender
Mas fica no ar destilando
Depois de desaparecer
Até nas flores se encontra
Essa diferença da sorte
Umas enfeitam a vida
Outras enfeitam a morte
Provérbio provado rimado - DCCCIV
Sapatos rotos com certeza
Podem pisar beata acesa
Também hão-de água meter
Nos dias em que está a chover
Ainda me constipo a sério
Ai senhores mas que despautério
Eu mais pareço um pedinte
Nem a minha mãe me desminte
Tenho de ir ao sapateiro
Assim que tenha dinheiro
Convém que não me borrife
Ou então estou feito ao bife
Podem pisar beata acesa
Também hão-de água meter
Nos dias em que está a chover
Ainda me constipo a sério
Ai senhores mas que despautério
Eu mais pareço um pedinte
Nem a minha mãe me desminte
Tenho de ir ao sapateiro
Assim que tenha dinheiro
Convém que não me borrife
Ou então estou feito ao bife
Provérbio provado rimado - DCCCIII
Se não sabes do que estás necessitado
Passa uma tarde no hipermercado
Lá irás encontrar facilmente
Qualquer coisa em que ferrar o dente
Amendoins fritos com mel e sal
É petisco que não há outro igual
Tu passarás horas a roê-los
Ser-te-á difícil esquecê-los
Bombons de todas as cores e feitios
Saborosos de até dar arrepios
Atacarás várias caixas sem medos
E no final lamberás os dedos
Depois de te teres alambazado
E enfim alguns corredores evitado
Vem-te o cheiro do pão quentinho
Tens pena de seres tão fraquinho
Uns quilos depois na balança
Portaste-te como uma criança
Pões no carrinho uma salada
Que será com maionese temperada
Passa uma tarde no hipermercado
Lá irás encontrar facilmente
Qualquer coisa em que ferrar o dente
Amendoins fritos com mel e sal
É petisco que não há outro igual
Tu passarás horas a roê-los
Ser-te-á difícil esquecê-los
Bombons de todas as cores e feitios
Saborosos de até dar arrepios
Atacarás várias caixas sem medos
E no final lamberás os dedos
Depois de te teres alambazado
E enfim alguns corredores evitado
Vem-te o cheiro do pão quentinho
Tens pena de seres tão fraquinho
Uns quilos depois na balança
Portaste-te como uma criança
Pões no carrinho uma salada
Que será com maionese temperada
Provérbio provado rimado - DCCCII
O Pedro gosta de corrida
Mas foge da Margarida
De tropeçar tem receio
Ou de desistir a meio
Quando está perto da meta
Já vê o final da recta
Quer o troço concluir
Mas o pior está para vir
Que o rabo é o pior de esfolar
É difícil assim terminar
E é usada esta expressão
Quando se abeira a conclusão
Mas foge da Margarida
De tropeçar tem receio
Ou de desistir a meio
Quando está perto da meta
Já vê o final da recta
Quer o troço concluir
Mas o pior está para vir
Que o rabo é o pior de esfolar
É difícil assim terminar
E é usada esta expressão
Quando se abeira a conclusão
Provérbio provado rimado - DCCCI
Quando vistas à distância
Parecem-te as pessoas
Por princípio todas boas
E com a sua importância
O problema normalmente
É uma maior nitidez
Que surge quando as vês
Assim mesmo de frente
É essa proximidade
Assaz vizinha e crua
Que expõe a pessoa nua
Revela a sua verdade
Mas é tão preferível
Ainda que seja amarga
A verdade tem uma carga
Que é sempre infalível
Mesmo dura mais vale
Do que uma mentira doce
Que por mais bela que fosse
O próximo apunhale
Parecem-te as pessoas
Por princípio todas boas
E com a sua importância
O problema normalmente
É uma maior nitidez
Que surge quando as vês
Assim mesmo de frente
É essa proximidade
Assaz vizinha e crua
Que expõe a pessoa nua
Revela a sua verdade
Mas é tão preferível
Ainda que seja amarga
A verdade tem uma carga
Que é sempre infalível
Mesmo dura mais vale
Do que uma mentira doce
Que por mais bela que fosse
O próximo apunhale
Provérbio provado num verso branco - LXXX
Começa por ser uma nota dissonante
Uma pequenina colcheia errada na partitura
Mal se dá por aquele pi agudo
Aqueloutro toc abafado passa despercebido
Mas logo um pi pi pi capaz de estilhaçar uma vidraça
Um toc toc toc como passos de gigante no soalho
E instala-se um temor maior que toda a música
O medo é do tamanho que o fazemos
A impaciência é má conselheira
A partir daí o ouvido só canta caminhos imperfeitos
Parar não é morrer: é dizer à almofada Até amanhã
Uma pequenina colcheia errada na partitura
Mal se dá por aquele pi agudo
Aqueloutro toc abafado passa despercebido
Mas logo um pi pi pi capaz de estilhaçar uma vidraça
Um toc toc toc como passos de gigante no soalho
E instala-se um temor maior que toda a música
O medo é do tamanho que o fazemos
A impaciência é má conselheira
A partir daí o ouvido só canta caminhos imperfeitos
Parar não é morrer: é dizer à almofada Até amanhã
Provérbio provado rimado - DCCC
O sexo é coisa boa
Mas inconstante e fugaz
Pois quando é feito à toa
É algo que não me compraz
Torna-se fortuito e vulgar
Mecânico e repetitivo
E mesmo se consigo arfar
Só quero ver se me esquivo
Já perdeu toda a graça
Recordo que o bem comido
Necessita de chalaça
E quer-se bem divertido
Mas inconstante e fugaz
Pois quando é feito à toa
É algo que não me compraz
Torna-se fortuito e vulgar
Mecânico e repetitivo
E mesmo se consigo arfar
Só quero ver se me esquivo
Já perdeu toda a graça
Recordo que o bem comido
Necessita de chalaça
E quer-se bem divertido
Provérbio provado rimado - DCCXCIX
Por cima tudo são rendas
Por baixo nem fraldas tem
Por mais que lhe façam emendas
Já não engana ninguém
Por fora é bela viola
Por dentro pão bolorento
Por mais ensinada na escola
Já não consegue sustento
Por baixo nem fraldas tem
Por mais que lhe façam emendas
Já não engana ninguém
Por fora é bela viola
Por dentro pão bolorento
Por mais ensinada na escola
Já não consegue sustento
Provérbio provado rimado - DCCXCVIII
Eu cá sou tão comodista
Que até calha ser honesto
Sou um gajo minimalista
Convencido do muito que presto
Eu não acumulo riqueza
Nem sou porventura vaidoso
Tenho o suficiente à mesa
Que me é assaz proveitoso
Um tipo simples portanto
Sei apreciar o valor
Que faz parte do encanto
E dá à vida mais cor
Assim dou mais que recebo
Em troca não peço nada
Mesmo se às vezes percebo
Que dei com a pessoa errada
Mas não sou nenhum santinho
Também meto o pé na argola
Então vou para o meu cantinho
Quando a tristeza me assola
Que até calha ser honesto
Sou um gajo minimalista
Convencido do muito que presto
Eu não acumulo riqueza
Nem sou porventura vaidoso
Tenho o suficiente à mesa
Que me é assaz proveitoso
Um tipo simples portanto
Sei apreciar o valor
Que faz parte do encanto
E dá à vida mais cor
Assim dou mais que recebo
Em troca não peço nada
Mesmo se às vezes percebo
Que dei com a pessoa errada
Mas não sou nenhum santinho
Também meto o pé na argola
Então vou para o meu cantinho
Quando a tristeza me assola
Provérbio provado enfartado
- Comer do bom e do barato nem cá no Crato, mas abala daí, ó Fortunato, que alá na minha a minha Maria já nã se arrelia s' à hora de comer sempre o Diabo traz mais um.
O postigo está aberto, a mostrar que até barriga de almece é bem-vindo e, mal passa a soleira o Fortunato, dá-lhe a salvação Chica Rebelo:
- Bons olhos se vejam, c'padre, 'tá de boa catadura? Ande lá, c' a hora de comer é a mais pequena, nã é pois?
- Nã s' apoquenti, c'madre Maria qu' eu já bati o almoce. Venho só a fazer c'panhia aqui ao c'padre...
Francisca, que não é nem nunca foi Maria de identidade, responde-lhe:
- Pois, atão c'padre Fortunato
- Quem não come por ter comido, o mal não é de perigo
O postigo está aberto, a mostrar que até barriga de almece é bem-vindo e, mal passa a soleira o Fortunato, dá-lhe a salvação Chica Rebelo:
- Bons olhos se vejam, c'padre, 'tá de boa catadura? Ande lá, c' a hora de comer é a mais pequena, nã é pois?
- Nã s' apoquenti, c'madre Maria qu' eu já bati o almoce. Venho só a fazer c'panhia aqui ao c'padre...
Francisca, que não é nem nunca foi Maria de identidade, responde-lhe:
- Pois, atão c'padre Fortunato
- Quem não come por ter comido, o mal não é de perigo
sexta-feira, 17 de abril de 2020
Provérbio provado rimado - DCCXCVII
Quero aprender a menorizar o que sou
No gesto sem cor que de cor se finou
Desejo-me simples e insignificante
Crendo que não sou tão importante
Quero deixar de olhar o umbigo
Não estar sempre com medo do perigo
Ter assim muito mais humildade
Aceitando serena a realidade
Quero navegar na onda à deriva
Ser menos ardente e apreensiva
Perceber que o mundo não abarco
E que estamos todos no mesmo barco
No gesto sem cor que de cor se finou
Desejo-me simples e insignificante
Crendo que não sou tão importante
Quero deixar de olhar o umbigo
Não estar sempre com medo do perigo
Ter assim muito mais humildade
Aceitando serena a realidade
Quero navegar na onda à deriva
Ser menos ardente e apreensiva
Perceber que o mundo não abarco
E que estamos todos no mesmo barco
Provérbio provado rimado - DCCXCVI
Risco ao meio é um uso
De cabeça de parafuso
Ficas com ar de totó
Tão pateta que até dá dó
Só às mulheres fica bem
E não é a todas porém
Se o cabelo for oleoso
Dá um aspecto andrajoso
É só uma opinião
Que carece de validação
É uma ideia mandada
Como uma posta de pescada
De cabeça de parafuso
Ficas com ar de totó
Tão pateta que até dá dó
Só às mulheres fica bem
E não é a todas porém
Se o cabelo for oleoso
Dá um aspecto andrajoso
É só uma opinião
Que carece de validação
É uma ideia mandada
Como uma posta de pescada
Provérbio provado mal alimentado
O Alberto já dobrara os cinquenta e fora toda a vida o que a sociedade considera um falhado, pois nunca conquistara nada a que os mortais atribuem valor: não tinha casa própria, não conduzia um carro a que chamar seu e nem sequer tinha um amigo de quatro patas.
Alberto andava à babugem, que é como quem diz vivia da caridade alheia. Era por isso que punha num pedestal todos os que davam sem necessidade de cobrar ou receber pelo que deram.
No entanto, não era lambão: anos de muita fominha haviam-lhe encolhido o estômago, o Alberto ficava satisfeito com uma qualquer pequena porção de alimento. Tinha sempre em mente o ditado que ouvira em criança:
- Governa a tua boca conforme a tua bolsa
Alberto andava à babugem, que é como quem diz vivia da caridade alheia. Era por isso que punha num pedestal todos os que davam sem necessidade de cobrar ou receber pelo que deram.
No entanto, não era lambão: anos de muita fominha haviam-lhe encolhido o estômago, o Alberto ficava satisfeito com uma qualquer pequena porção de alimento. Tinha sempre em mente o ditado que ouvira em criança:
- Governa a tua boca conforme a tua bolsa
Provérbio provado num verso branco - LXXIX
Ainda agora me acerquei da cadeira de braços
Que os teus braços parecem estender-me
Sentei-me a medo pronta a levantar-me de um salto
Mantendo a devida distância da mesa já posta
Onde o prato é vazio e não te provei até este momento
Observo os teus lábios pressentindo-lhes o sabor
Enquanto tu me adivinhas os pensamentos
Mas não me apresentes já a conta com o devido imposto
Que não posso ainda calcular o teu valor acrescentado
É de regra pagar apenas no fim do repasto
Vamos só pôr a possibilidade do amor em pratos limpos
Que os teus braços parecem estender-me
Sentei-me a medo pronta a levantar-me de um salto
Mantendo a devida distância da mesa já posta
Onde o prato é vazio e não te provei até este momento
Observo os teus lábios pressentindo-lhes o sabor
Enquanto tu me adivinhas os pensamentos
Mas não me apresentes já a conta com o devido imposto
Que não posso ainda calcular o teu valor acrescentado
É de regra pagar apenas no fim do repasto
Vamos só pôr a possibilidade do amor em pratos limpos
Provérbio provado rimado - DCCXCV
Há raiva que não a do cão
Que põe a boca a espumar
Não obriga a vacinação
Mas consegue fazer-nos zangar
Apetece é praguejar feio
Mandar as personagens pastar
Se nos encontramos no meio
De uma situação a estalar
Quase desatamos ao estalo
Sem sequer até dez contar
E na quinta pata do cavalo
Dizemos p'rá pessoa ir mamar
Que põe a boca a espumar
Não obriga a vacinação
Mas consegue fazer-nos zangar
Apetece é praguejar feio
Mandar as personagens pastar
Se nos encontramos no meio
De uma situação a estalar
Quase desatamos ao estalo
Sem sequer até dez contar
E na quinta pata do cavalo
Dizemos p'rá pessoa ir mamar
quarta-feira, 15 de abril de 2020
Provérbio provado rimado - DCCXCIV
O Pedro é um bom rapaz
Simpático e loquaz
E até gosta da minha voz
Mas comigo não esteve a sós
Tenho um pressentimento
De que será um bom momento
Que nos iremos entender
E quem sabe estabelecer
Uma relação amigável
Só não sei se durável
Não vou mergulhar de cabeça
Pois talvez ele não mereça
Estou um bocado queimada
E já não sou deslumbrada
Por isso vou com calminha
Sei como é estar sozinha
Simpático e loquaz
E até gosta da minha voz
Mas comigo não esteve a sós
Tenho um pressentimento
De que será um bom momento
Que nos iremos entender
E quem sabe estabelecer
Uma relação amigável
Só não sei se durável
Não vou mergulhar de cabeça
Pois talvez ele não mereça
Estou um bocado queimada
E já não sou deslumbrada
Por isso vou com calminha
Sei como é estar sozinha
Provérbio provado num verso branco - LXXVIII
Pessoas que desprezam pessoas são pessoas desprezíveis
Transportam-se desdenhosas com total desconsideração pelo semelhante
Pessoas assim não reconhecem sequer o semelhante
Tudo nelas transpira desapreço descaso frieza
Pagar com o mesmo vilipendioso metal não é necessário
A natureza encarrega-se do emolumento
A fruta podre cai sozinha
Transportam-se desdenhosas com total desconsideração pelo semelhante
Pessoas assim não reconhecem sequer o semelhante
Tudo nelas transpira desapreço descaso frieza
Pagar com o mesmo vilipendioso metal não é necessário
A natureza encarrega-se do emolumento
A fruta podre cai sozinha
Provérbio provado silenciado
A bela Helena considerava que a virtude mais sobreestimada era a humildade e, ainda no outro dia, tivera uma longa discussão - se bem que pausada - com o primo Pedro sobre a questão que, por sua vez, cuidava ser a coragem a ocupar esse estatuto.
Ainda a procissão ia no adro, acercou-se a pragmática Benvinda, amiga da família, que, embora não se sentindo fazer jus ao nome naquela contenda, ainda aventou que qualquer virtude é sempre coisa de reverenciar. Os dois primos fulminaram-na com o olhar e Benvinda pensou imediatamente de si para si:
- Antes calar que com doidos altercar
Ainda a procissão ia no adro, acercou-se a pragmática Benvinda, amiga da família, que, embora não se sentindo fazer jus ao nome naquela contenda, ainda aventou que qualquer virtude é sempre coisa de reverenciar. Os dois primos fulminaram-na com o olhar e Benvinda pensou imediatamente de si para si:
- Antes calar que com doidos altercar
Provérbio provado fraseado
A Maria adorava longas conversas e era perfeitamente capaz de estar a falar desde que acordava até ao momento em que a sua cabeça extenuada tombava na almofada. A oratória era música para os ouvidos da Maria e um bom argumento superior ao acorde perfeito.
Era esta a principal razão de o isolamento social lhe estar a ser particularmente penoso. Porque a Maria apreciava a expressividade, o gesto e o toque que acompanhavam as palavras e o telefone apenas lhe permitia escutar as vozes do lado de lá.
Foi então que para preencher as horas de silêncio, a Maria começou a discursar para o espelho, a falar com as brancas paredes e a pedir conselhos aos seus botões que abotoava e desabotoava num frenesi fraseado.
- Bem prega Maria em casa vazia
Era esta a principal razão de o isolamento social lhe estar a ser particularmente penoso. Porque a Maria apreciava a expressividade, o gesto e o toque que acompanhavam as palavras e o telefone apenas lhe permitia escutar as vozes do lado de lá.
Foi então que para preencher as horas de silêncio, a Maria começou a discursar para o espelho, a falar com as brancas paredes e a pedir conselhos aos seus botões que abotoava e desabotoava num frenesi fraseado.
- Bem prega Maria em casa vazia
Provérbio provado rimado - DCCXCIII
Para ver uma beata roliça
Dá-lhe hóstias e vinho da missa
Mas não dês só missa e pimento
Que isso é um fraco alimento
Dá-lhe hóstias e vinho da missa
Mas não dês só missa e pimento
Que isso é um fraco alimento
terça-feira, 14 de abril de 2020
Provérbio provado como os demais enterrado
Tenho alguns predicados. Um poucochinho de amor próprio é um deles, já que penso ser necessária sempre a devida insegurança. Por isso, detesto a soberba nos sujeitos, principalmente os que dão respostas banais. É esperado que tamanho excesso de confiança em si mesmos venha acompanhado de uma originalidade que seja o interruptor para uma conversa superlativa. Só que não. Normalmente a presunção é fruto de uma erudição colada a cuspo e clichés ouvidos aqui e acolá. Apetece mesmo atirar-lhes com certa frase feita de pendor moralista, mas não vale a pena ser mais papista que o Papa.
- A terra cobrirá o teu orgulho
- A terra cobrirá o teu orgulho
Provérbio provado rimado - DCCXCII
Vive a vida devagar
Assim te podes esmerar
E faz tudo com cuidado
Para não seres apressado
O apressado come cru
Não ouviste dizer tu?
Não vás com pressa não
É a inimiga da perfeição
Assim te podes esmerar
E faz tudo com cuidado
Para não seres apressado
O apressado come cru
Não ouviste dizer tu?
Não vás com pressa não
É a inimiga da perfeição
Provérbio provado só em casa descansado
O Severino podia gabar-se de já ter estado nos cinco continentes. De facto, conhecia cinquenta países e ia a caminho do quinquagésimo primeiro, pois deslocar-se-ia à Geórgia no início do mês seguinte em trabalho. Nem sempre fazia estas viagens por obrigação laboral, muitas vezes também tirava umas semanas para ir descobrir mais uma ou duas terras longínquas.
Caramba! - assim se manifestava o Severino -, se me farto de trabalhar também tenho de aproveitar, não é?
Só que secretamente detestava quartos de hotel e para ele não havia nada como a sua caminha e a sua banheira. Nunca conseguia dormir convenientemente fora de casa: a ideia de felicidade plena do Severino, quando regressado ao lar doce lar, era esparramar-se nos seus lençóis e derramar-se num sono descansado, profundamente silencioso - uma experiência de quase morte de onde pudesse acordar completamente revigorado. Espreguiçava-se demoradamente e seguia para dali para uma das suas maiores extravagâncias: um banho de imersão tão demorado que chegava a demorar várias horas e que podia incluir um prato de comida, uma garrafa de vinho e um ou vários livros, consoante a disposição.
Depois de todos estes rituais de repouso e purificação, Severino estava então pronto para planificar a próxima viagem.
- O bom da viagem é quando se chega a casa
Caramba! - assim se manifestava o Severino -, se me farto de trabalhar também tenho de aproveitar, não é?
Só que secretamente detestava quartos de hotel e para ele não havia nada como a sua caminha e a sua banheira. Nunca conseguia dormir convenientemente fora de casa: a ideia de felicidade plena do Severino, quando regressado ao lar doce lar, era esparramar-se nos seus lençóis e derramar-se num sono descansado, profundamente silencioso - uma experiência de quase morte de onde pudesse acordar completamente revigorado. Espreguiçava-se demoradamente e seguia para dali para uma das suas maiores extravagâncias: um banho de imersão tão demorado que chegava a demorar várias horas e que podia incluir um prato de comida, uma garrafa de vinho e um ou vários livros, consoante a disposição.
Depois de todos estes rituais de repouso e purificação, Severino estava então pronto para planificar a próxima viagem.
- O bom da viagem é quando se chega a casa
Provérbio provado rimado - DCCXCI
Faz por não prometer
A lua e as estrelas
Se quando a noite descer
Não tens nenhuma delas
Não garantas a ninguém
Fortuna determinada
Pois quem bois não tem
Não promete carrada
A lua e as estrelas
Se quando a noite descer
Não tens nenhuma delas
Não garantas a ninguém
Fortuna determinada
Pois quem bois não tem
Não promete carrada
segunda-feira, 13 de abril de 2020
Provérbio provado rimado - DCCXC
Qual é a diferença
Entre amor e paixão?
Meus senhores com licença
Venho dar uma lição
Um deles é uma doença
Que ataca o coração
De querer sempre a presença
Do amado no colchão
É um sentir-se pertença
De alguém a sensação
E ao mesmo tempo uma crença
De se ser carne para canhão
Entre amor e paixão?
Meus senhores com licença
Venho dar uma lição
Um deles é uma doença
Que ataca o coração
De querer sempre a presença
Do amado no colchão
É um sentir-se pertença
De alguém a sensação
E ao mesmo tempo uma crença
De se ser carne para canhão
domingo, 12 de abril de 2020
Provérbio provado num verso branco - LXXVII
Para saber se é o amor que bate à porta
É preciso deixar que o outro se insinue
Forçoso espantar o medo de errar
Ou então deixar apenas perguntas no ar
E se eu tivesse E se eu talvez E se?
As dúvidas são as de quem só molha o pé à beira-mar
No amor há que furar as ondas
Claro que se pode submergir
Claro que se pode sufocar
Não se afoga no mar o que lá não quer entrar
É preciso deixar que o outro se insinue
Forçoso espantar o medo de errar
Ou então deixar apenas perguntas no ar
E se eu tivesse E se eu talvez E se?
As dúvidas são as de quem só molha o pé à beira-mar
No amor há que furar as ondas
Claro que se pode submergir
Claro que se pode sufocar
Não se afoga no mar o que lá não quer entrar
Provérbio provado rimado - DCCLXXXIX
Se algo quiseres tomar
Que não faça mal à saúde
Mantém-te afastado do bar
Toma só uma atitude
Se queres dar uma de macho
Mas não uma de machista
Com calma sossega o facho
Não finjas que és artista
Se os tens no sítio certo
Onde toda a gente enxerga
Não vale armares-te em esperto
Tem coragem e força na verga
Que não faça mal à saúde
Mantém-te afastado do bar
Toma só uma atitude
Se queres dar uma de macho
Mas não uma de machista
Com calma sossega o facho
Não finjas que és artista
Se os tens no sítio certo
Onde toda a gente enxerga
Não vale armares-te em esperto
Tem coragem e força na verga
Provérbio provado rimado - DCCLXXXVIII
Ai quando existe fartura
Vamos lá embora gastar
É pois um dia de loucura
Todos se esquecem de poupar
É então tamanha a alegria
Que o rico é sempre louco
Só que quando há muito num dia
Às vezes ele é véspera de pouco
Vamos lá embora gastar
É pois um dia de loucura
Todos se esquecem de poupar
É então tamanha a alegria
Que o rico é sempre louco
Só que quando há muito num dia
Às vezes ele é véspera de pouco
Provérbio provado rimado - DCCLXXXVII
À procura sei lá do quê
Cheio de sede e fastio
Que busca Vossa Mercê
Que anda ó tio ó tio?
O tio já se foi deitar
E agora só amanhã
Se há dívidas a cobrar
Acalme lá seu afã
O tio desperta cedinho
Toque-lhe à campainha
Com o dedo mindinho
E repita-lhe a ladainha
Ó tio do meu coração
Vossemecê me acuda
Escute este meu refrão
Preciso da sua ajuda
Ando à procura de algo
Mas o que era já me esqueci
Seja do povo ou fidalgo
Ó tio ajude-me aqui
Cheio de sede e fastio
Que busca Vossa Mercê
Que anda ó tio ó tio?
O tio já se foi deitar
E agora só amanhã
Se há dívidas a cobrar
Acalme lá seu afã
O tio desperta cedinho
Toque-lhe à campainha
Com o dedo mindinho
E repita-lhe a ladainha
Ó tio do meu coração
Vossemecê me acuda
Escute este meu refrão
Preciso da sua ajuda
Ando à procura de algo
Mas o que era já me esqueci
Seja do povo ou fidalgo
Ó tio ajude-me aqui
Provérbio provado psicanalisado
Henriqueta estava habituada a pensar-se até ao osso: raramente faltava à psicoterapia semanal que fazia há mais de metade da sua sofrida vida. A médica não era a vulgar psicóloga apagada e monocórdica, de vez em quando erguia a voz e dizia-lhe umas verdades custosas de escutar. Que, a título de exemplo, nunca cortara devidamente o cordão umbilical ou que havia ficado presa na fase fálica, o terceiro estádio freudiano.
Era um tema recorrente das consultas. Temia - e antecipadamente tremia - o dia em que perderia os pais: era o seu maior medo; imaginava que ver partir um filho pudesse ser uma dor muito maior, muito mais temível e terrível, mas, como já perdera o comboio da maternidade e os pais envelheciam a olhos vistos, esse medo ia engordando, o estupor.
A médica lá lhe ia explicando ser essa a lei da vida e que não valia a pena sofrer por antecipação, pois os pais não partiriam ao mesmo tempo e seria necessário ficar a cuidar da viúva ou viúvo que vivesse mais tempo, já que a Henriqueta não tinha irmãos e a restante família vivia longe. Mas a doente tinha uma propensão tal para o padecimento - e, diga-se, até um certo fascínio pela autocomiseração - que ficava naquela ladainha enquanto durava a hora da consulta. A doutora bem queria abordar outros temas mais prementes, como por exemplo a sua sexualidade fechada a sete chaves, tema que teimava em evitar obstinadamente, mas a Henriqueta virava o ponteiro para a morte dos progenitores e dali não arredava pé.
Até que um dia em que estava com menos paciência, e já fartinha do mesmo assunto que não a deixava progredir com vista a presumíveis melhoras, a psicóloga respirou fundo e disse-lhe: Olha, Henriqueta (sim, porque tantos anos de consultas já tinham inaugurado o tratamento na segunda pessoa), vamos ficar por aqui hoje, pois não estamos a chegar a lado nenhum! E sabes o que te digo? É o teu trabalho para casa hoje, vais pensar bem nisto que te vou dizer:
- Goza a vida que não a levarás contigo
Era um tema recorrente das consultas. Temia - e antecipadamente tremia - o dia em que perderia os pais: era o seu maior medo; imaginava que ver partir um filho pudesse ser uma dor muito maior, muito mais temível e terrível, mas, como já perdera o comboio da maternidade e os pais envelheciam a olhos vistos, esse medo ia engordando, o estupor.
A médica lá lhe ia explicando ser essa a lei da vida e que não valia a pena sofrer por antecipação, pois os pais não partiriam ao mesmo tempo e seria necessário ficar a cuidar da viúva ou viúvo que vivesse mais tempo, já que a Henriqueta não tinha irmãos e a restante família vivia longe. Mas a doente tinha uma propensão tal para o padecimento - e, diga-se, até um certo fascínio pela autocomiseração - que ficava naquela ladainha enquanto durava a hora da consulta. A doutora bem queria abordar outros temas mais prementes, como por exemplo a sua sexualidade fechada a sete chaves, tema que teimava em evitar obstinadamente, mas a Henriqueta virava o ponteiro para a morte dos progenitores e dali não arredava pé.
Até que um dia em que estava com menos paciência, e já fartinha do mesmo assunto que não a deixava progredir com vista a presumíveis melhoras, a psicóloga respirou fundo e disse-lhe: Olha, Henriqueta (sim, porque tantos anos de consultas já tinham inaugurado o tratamento na segunda pessoa), vamos ficar por aqui hoje, pois não estamos a chegar a lado nenhum! E sabes o que te digo? É o teu trabalho para casa hoje, vais pensar bem nisto que te vou dizer:
- Goza a vida que não a levarás contigo
Provérbio provado rimado - DCCLXXXVI
De candeias às avessas
Estão patrão e empregado
Um porque perdeu as peças
Outro quer tudo arranjado
Ó Vítor vai sem demora
Ligar ao fornecedor
Diz o patrão que já cora
Furioso e com calor
Não fique zangado chefe
Vou tratar da situação
Receoso que um tabefe
Lhe atire com a mão
Quando chega a noitinha
Já as pazes estão sanadas
Vai cada um à vidinha
Com as candeias apagadas
Estão patrão e empregado
Um porque perdeu as peças
Outro quer tudo arranjado
Ó Vítor vai sem demora
Ligar ao fornecedor
Diz o patrão que já cora
Furioso e com calor
Não fique zangado chefe
Vou tratar da situação
Receoso que um tabefe
Lhe atire com a mão
Quando chega a noitinha
Já as pazes estão sanadas
Vai cada um à vidinha
Com as candeias apagadas
sábado, 11 de abril de 2020
Provérbio provado rimado - DCCLXXXV
O Jorge é um arquitecto
Que parece um tipo correcto
Mas é tímido no entanto
O que até tem o seu encanto
Receio ser muito ousada
Que me ache debochada
E me ponha logo de lado
Sem ficar nunca apaixonado
Talvez faça marcha atrás
Para ver se isso o compraz
Pois é que a amar e a rezar
A ninguém se pode obrigar
Que parece um tipo correcto
Mas é tímido no entanto
O que até tem o seu encanto
Receio ser muito ousada
Que me ache debochada
E me ponha logo de lado
Sem ficar nunca apaixonado
Talvez faça marcha atrás
Para ver se isso o compraz
Pois é que a amar e a rezar
A ninguém se pode obrigar
terça-feira, 7 de abril de 2020
Provérbio provado rimado - DCCLXXXIV
Se para a América queres emigrar
Não é boa ideia ires a nadar
Para não perderes a orientação
Leva mas é a bússola na mão
Não vás fazer como o Colombo
E na terra errada dares um tombo
Então perceberes que ao engano vieste
Acabares por dizer afinal estou a leste
(Ilustração: Rui Louraço
www.instagram.com/condecascais)
Não é boa ideia ires a nadar
Para não perderes a orientação
Leva mas é a bússola na mão
Não vás fazer como o Colombo
E na terra errada dares um tombo
Então perceberes que ao engano vieste
Acabares por dizer afinal estou a leste
(Ilustração: Rui Louraço
www.instagram.com/condecascais)
Provérbio provado rimado - DCCLXXXIII
O Vasco é tão distraído
Que quando o dia começa
Se esquece de o pão ter comido
Tem de alho chocho a cabeça
Calça as meias trocadas
As duas do mesmo pé
E as calças enxovalhadas
Só repara no café
O Vasco tem mesmo ar
De cientista maluco
Um Einstein a vaguear
Nas ruas como bazaruco
Que quando o dia começa
Se esquece de o pão ter comido
Tem de alho chocho a cabeça
Calça as meias trocadas
As duas do mesmo pé
E as calças enxovalhadas
Só repara no café
O Vasco tem mesmo ar
De cientista maluco
Um Einstein a vaguear
Nas ruas como bazaruco
Provérbio provado rimado - DCCLXXXII
Olá Miguel que vendes na feira
Mas não tens eira nem beira
Não tens abelhas e vendes mel
E assim lá vais ganhando papel
Tens um ar muito aporcalhado
Nem na feira apareces lavado
É verdade que não tens abelhas
Mas tens cera nessas orelhas
Quando não tens mais o que fazer
Sentas-te e ouves a barba a crescer
A barba é rija e dá comichão
Ai Miguel tens ar de javardão
Mas não tens eira nem beira
Não tens abelhas e vendes mel
E assim lá vais ganhando papel
Tens um ar muito aporcalhado
Nem na feira apareces lavado
É verdade que não tens abelhas
Mas tens cera nessas orelhas
Quando não tens mais o que fazer
Sentas-te e ouves a barba a crescer
A barba é rija e dá comichão
Ai Miguel tens ar de javardão
Provérbio provado rimado - DCCLXXXI
Quando o Covid passar
Estamos todos na bancarrota
Mas ao menos vamos passear
Eu e tu no nosso Toyota
Com as hormonas a saltitar
Vamos dar uma cambalhota
Numa praia à beira mar
Numa rede ou numa palhota
Hás-de querer-me e desejar
Que seja sempre a tua garota
E eu prometo não protestar
Não serás motivo de chacota
Estamos todos na bancarrota
Mas ao menos vamos passear
Eu e tu no nosso Toyota
Com as hormonas a saltitar
Vamos dar uma cambalhota
Numa praia à beira mar
Numa rede ou numa palhota
Hás-de querer-me e desejar
Que seja sempre a tua garota
E eu prometo não protestar
Não serás motivo de chacota
Provérbio provado num verso branco - LXXVI
Eis como fazer crescer a ansiedade:
Vigiá-la constantemente como se a ameaça de um soluço
Trazê-la debaixo de olho numa atitude persecutória
Farejá-la com suspeitas de iminências escatológicas
Medir-lhe a temperatura e os batimentos cardíacos de minuto a minuto
Assim a ansiedade se agigantará numa sombra maior que a sua condição
Vigiá-la constantemente como se a ameaça de um soluço
Trazê-la debaixo de olho numa atitude persecutória
Farejá-la com suspeitas de iminências escatológicas
Medir-lhe a temperatura e os batimentos cardíacos de minuto a minuto
Assim a ansiedade se agigantará numa sombra maior que a sua condição
Provérbio provado rimado - DCCLXXX
O que é barato sai caro
Mas não se rala o avaro
Que tem os bolsos fechados
E os tostões tão contados
O que é bom custa dinheiro
Que o diga o costureiro
Quando quer fazer bom fato
Não o vende ao desbarato
Numa vez o avarento
Ia ter um casamento
Quis comprar fato completo
Com orçamento discreto
Já se está mesmo a ver
O que lhe foi suceder
O costureiro dessa vez
Disse-lhe vai é ao chinês
Mas não se rala o avaro
Que tem os bolsos fechados
E os tostões tão contados
O que é bom custa dinheiro
Que o diga o costureiro
Quando quer fazer bom fato
Não o vende ao desbarato
Numa vez o avarento
Ia ter um casamento
Quis comprar fato completo
Com orçamento discreto
Já se está mesmo a ver
O que lhe foi suceder
O costureiro dessa vez
Disse-lhe vai é ao chinês
Provérbio provado pronto a ser bloqueado
É curiosa a persistência de certos fulanos que teimam em falar sozinhos no espaço virtual. Fazem lembrar os pescadores que desesperam dias seguidos à procura de peixe: lançam saudações a fio sem resposta à vista. Nas minhas águas também pescam desses marinheiros de primeira água que ressurgem a espaços com as marés. Acontece nunca dizerem nada de interessante ou original mas, como também não molestam muito, os pobres, lá os vou deixando à tona. Até que vem o dia em que estou mais irritada ou sem paciência e vai tudo a eito!
- Anzol sem isca peixe não belisca
- Anzol sem isca peixe não belisca
segunda-feira, 6 de abril de 2020
Provérbio provado rimado - DCCLXXIX
Quando os pés galgam estradas
Que os teus olhos já sabem erradas
E as mãos tecem os cortinados
Para encobrir os erros passados
Alguma coisa estará a falhar
Se continuas tanto a errar
Parece que estás a retroceder
E te recusas assim a aprender
O mesmo erro mais que uma vez
É sinal de pouca lucidez
Ouve bem o que te recomendo
É ir vivendo e aprendendo
Que os teus olhos já sabem erradas
E as mãos tecem os cortinados
Para encobrir os erros passados
Alguma coisa estará a falhar
Se continuas tanto a errar
Parece que estás a retroceder
E te recusas assim a aprender
O mesmo erro mais que uma vez
É sinal de pouca lucidez
Ouve bem o que te recomendo
É ir vivendo e aprendendo
sábado, 4 de abril de 2020
Provérbio provado rimado - DCCLXXVIII
O bacalhau é demolhado
Em tanta água diferente
Para não ficar tão salgado
Ser mais saboroso ao dente
As águas deitam-se fora
Não servem mesmo para nada
É processo que demora
Até à refeição cozinhada
Por isso é que se diz
Quando algo fica sem efeito
Com essas águas condiz
É um trabalho desfeito
Em tanta água diferente
Para não ficar tão salgado
Ser mais saboroso ao dente
As águas deitam-se fora
Não servem mesmo para nada
É processo que demora
Até à refeição cozinhada
Por isso é que se diz
Quando algo fica sem efeito
Com essas águas condiz
É um trabalho desfeito
Provérbio provado rimado - DCCLXXVII
Quem muito sofre dos calos
Não se deve meter em apertos
Que evite quem possa pisá-los
E que use sapatos abertos
Não se deve meter em apertos
Que evite quem possa pisá-los
E que use sapatos abertos
Provérbio provado rimado - DCCLXXVI
Vão chover cães e gatos
É dito na língua inglesa
Se as nuvens abrem regatos
Sem dique e sem represa
Mas aqui no burgo nosso
Cá temos outros ditotes
Dizemos o chuvisco grosso
E que vai chover a potes
É dito na língua inglesa
Se as nuvens abrem regatos
Sem dique e sem represa
Mas aqui no burgo nosso
Cá temos outros ditotes
Dizemos o chuvisco grosso
E que vai chover a potes
Provérbio provado rimado - DCCLXXV
Este provérbio é discreto
Não tem por onde ser provado
Não diz nada de concreto
Não nos leva a nenhum lado
É só quadra não é soneto
Vê que neste mundo cansado
Não há sequer bem completo
Nem nenhum mal acabado
Não tem por onde ser provado
Não diz nada de concreto
Não nos leva a nenhum lado
É só quadra não é soneto
Vê que neste mundo cansado
Não há sequer bem completo
Nem nenhum mal acabado
Provérbio provado rimado - DCCLXXIV
Não há nem necessidade
De um pucarinho encher
E nem é preciso metade
De água para ele ferver
Eu sou o tal recipiente
Que ferve assim num instante
Dos zero aos cem de repente
Queimo num fogo crepitante
De um pucarinho encher
E nem é preciso metade
De água para ele ferver
Eu sou o tal recipiente
Que ferve assim num instante
Dos zero aos cem de repente
Queimo num fogo crepitante
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