Provérbios Provados noutras casas:

quinta-feira, 11 de maio de 2023

Provérbio pouco esperto lá no fundo

Será que os chico-espertos respondem todos pelo nome de Francisco? Ou que a chico-esperteza nacional - tantas vezes confundida com um desembaraço próximo do improviso - habita toda fora das grandes urbes?

Nada mais incorrecto! Tanto o Francisco José como a Maria Francisca podem não transportar um mililitro de sangue camponês nem nunca se terem dedicado ao cultivo e comércio de produtos agrícolas.

O que os nossos supracitados conterrâneos arriscam ter em comum é a tão afamada Esperteza saloia, que os faz viver num mundo paralelo, onde a sua capacidade de visão é de tal forma magnânima que lhes permite vislumbrar mais alto e mais além do que os que os rodeiam, e em que se sentem os mais capazes da sua estirpe. 

Ao lidarmos com o chico-esperto luso durante algum tempo - e nem é preciso muito -, percebemos que o dito iluminado é sobremaneira grosseiro e tem tantas arestas por limar que dificilmente arredondará. Lá no seu pedestal convivem, as mais das vezes, a falta de educação, de civilidade e de bom gosto nos casos menos graves, a desonestidade e a velhacaria nos mais agudos.

Ao invés de se pautar por uma sagacidade digna de acelerar os processos sociais, a sua suposta inteligência é tão superficial, e a sua intuição de tal forma se imbebe do ego, que só faz retroceder qualquer intento de aproveitar os seus atributos no alcance do bem geral.

O chico-esperto coça, assim, para dentro. A sua cabeça é o seu guia - mesmo que careça da mais ligeira cartografia -, o seu estômago, onde se evidencia um umbigo proeminente, é o seu comandante. É por isso que o chico-esperto raramente faz engordar a satisfação alheia, putativa alegria essa que, diga-se, até lhe faz um nadinha de comichão.

É digno de pena, mas infelizmente sucede: a esperteza saloia faz por ser mesquinha, manhosa e matreira. Raramente o espertalhão declara ao que vem de peito aberto, as suas intenções são tão turvas como um rio poluído. É por isso que se confrange com a transparência e a limpidez: são águas onde não sabe habitualmente navegar.

O chico-esperto sabe mais a dormir do que o resto da população acordada. Os demais concidadãos andam só por ver andar. Quando se apodera de um tópico - e como ele gosta de agarrar essa oportunidade a fim de demonstrar a sua supremacia! -, faz uma pequena pausa inicial para deixar oxigenar a guelra do interlocutor; logo de seguida aferra-se ao tema, num debitar de tal forma egocêntrico de considerações, que o outro não mais consegue respirar.

Está visto que adora o palco, tendo no entanto especial apetência pelos jogos de bastidores onde opera pela calada. Pode supôr-se que terá eventualmente um séquito de delfins: errado!, o chico-esperto dá-se com toda a gente mas lá no fundo não confia em ninguém. 

Muitas das suas fabulosas composições terminam com o suspiro profundo: Ah, se fosse eu a mandar... Pois é, tem a secreta esperança de vir a governar lá na sua, ainda que pequena, esfera. Só que mais tarde ou mais cedo o chico-esperto cai em desgraça: não é possível enganar toda a gente durante todo o tempo. Além disso, deve ser um bocado cansativo.


- Esperteza saloia 

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