Não havia criatura mais rude lá no burgo. Era conhecido nas redondezas pelas suas tiradas sempre cruas e até desrespeitosas.
- Ai então o Manel morreu? Antes ele do que eu.
Foi assim que, ao saber da morte do primo, se incompatibilizou com a família materna.
- O que é que te aconteceu, Fatinha? Estás gorda, estás feia.
E assim foi que cessou relações com a cunhada.
Até que chegou o dia em que conheceria os pais do futuro genro. Foi tão avisado, tão avisado, para não dizer nada de inconveniente! Que se mantivesse indiferente, vá, uma vez que não apreciava o moço por aí além. Que mostrasse um mínimo de sensatez e ponderação, uma vez na vida.
Começaram então os preparativos: a mulher esforçou-se no menu do jantar, a filha foi ao cabeleireiro a fim de se alindar para o futuro marido e ele ficou com a tarefa das bebidas. Como não sabia se os comensais eram amigos ou não do copo, preparou cervejas no congelador, vinho branco fresco e ainda duas garrafas de tinto porque da cozinha já lhe chegava o aroma do cabrito assado.
Tocou a campainha à hora marcada e, a partir daí, tudo correu fluidamenfe. Os convidados estiveram educados e bem vestidos, a cerveja esteve sempre fresca, o cabrito esteve assado no ponto. Depois do pudim, a futura sogra da filha viu fotografias antigas dos álbuns de família, elogiou muito o modesto jardim e até pediu a receita do cabrito. Reparando na casota do Mateus, o cão que antigamente provocava a ira dos vizinhos ao ladrar interruptamente, sugeriu com simpatia:
- Têm um cãozinho? Temos de separar os ossos do cabrito para lhe dar, não é o habitual?
Chegou um enorme calor às faces do dono da casa e não foi do tinto. Ele bem tentou controlar-se, ficar calado como o tinham prevenido, mas não aguentou mais e disparou:
- Quem comeu a carne que roa os ossos
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