Provérbios Provados noutras casas:

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Provérbio provado com cuidado

Quando chega ao fim do dia, o João agarra nos braços e nas pernas e dirige-se à casa da tia Leonor de quem é cuidador informal. A Lena sai às seis e deixa o jantar feito e a tia já de banho tomado e pijama vestido, passando ao João o testemunho.

A tia Leonor foi diagnosticada com Alzheimer há três anos mas, enquanto a demência ainda não galopara, manifestou sempre vontade de permanecer na sua casa. Os dois filhos, demasiado ocupados com os seus trabalhos e famílias nucleares, contrataram a Dona Lena e ofereceram cama, mesa e roupa lavada ao errante primo em troca da companhia que faria à mãe de noite.
Acabado o terceiro matrimónio fracassado, o João aceitou de imediato: ficara sem poiso e andava a dormir no carro; além disso, tinha uma dívida de gratidão para com a tia que dele cuidava em menino quando a mãe se refugiava no álcool. A mãe do João, a irmã mais nova de Leonor, entretanto já falecida, mergulhava nesse refúgio tão amiúde que, se não fosse a tia, tantas vezes a criança ficaria sem jantar.
Por isso, o João retribuía com genuína boa vontade e dava agora o jantar à tia, levando-lhe a comida à boca em aviõezinhos com uma paciência infinita. De seguida, lavava e enxugava a louça enquanto a tia roncava alto em frente à televisão.
Levava-a depois para a cama com todo o cuidado para não a despertar totalmente, pois a tia Leonor fazia birras infantis para não se deitar. Verificava a fralda, ajeitava os cobertores, dispunha os chinelos ao lado da cama e ligava a luz de presença no quarto. Muitas vezes era acordado durante a noite pela tia que vagueava pela casa, toc toc toc, com os botins calçados: ia dizer ao sobrinho que preparasse as malas que queria ir para a terra. O João, com todo o desvelo, lá a convencia a regressar ao leito.

Numa manhã gelada de Janeiro, o telefone do João tocou e tocou. Que estranho!, a Lena raramente liga tão cedo... Que fosse depressa, a tia apagava-se...
Numa manhã gelada de Janeiro, dias depois, foi o funeral da tia Leonor. No fim do cerimonial, os dois filhos enlutados acercaram-se de um lacrimejante João. Mas ao invés de um obrigado e duas palmadinhas nas costas, apressaram-se em pedir: Ó primo, importas-te de devolver agora as chaves de casa da mãe? Queremos ir lá separar umas coisas e, como vês, já não precisamos dos teus serviços...

- Muito se engana quem cuida

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