Provérbios Provados noutras casas:

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Provérbio autobiográfico - II

Desde os catorze anos que escrevo poesia, a prosa veio mais tarde e normalmente num tom poético e ainda confessional. Pequenas histórias com personagens ficcionadas, princípio, meio e fim, mais tarde ainda.
Regressemos então ao princípio, para que esta seja uma pequena história, apesar de assim confessional. Convém referir que o prazer da leitura foi uma obsessão que me derrubou como um raio quando aprendi a ler na longínqua primeira classe e aí comecei a desenvolver o amor ao objecto livro. Mas lia tudo o que apanhava: desde jornais e revistas até à publicidade existente nas ruas, lojas e supermercados, menos omnipresente contudo do que nos dias de hoje. Recordo-me perfeitamente do dia em que li pela primeira vez: regressava da escola à tarde e reparei numas letras azuis pintadas ao lado da porta do meu prédio; foi assim que a minha primeira frase foi VOTA APU.
Continuei sempre a ler, a ler muito; tanto que a minha avó dizia que me estragaria a vista. E as avós têm sempre razão: na terceira classe já acusava dioptrias precoces e comecei assim a usar óculos com nove anos. Com os ditos na ponta do nariz, iniciei-me na chamada literatura para adultos. Ataquei Uma família inglesa e depois as Obras completas de Júlio Dinis, uma colecção de capa dura, monótona, verde escura que repousava nas estantes familiares. Percorri todas essas prateleiras com curiosidade e dedicação, até perceber que por mais voltas que desse Malraux não era para a minha idade.
Tinha eu os supracitados catorze e comecei a fazer tentativas de versos em folhas pautadas que coleccionava num dossier. Pus de parte uns dez poemas e levei-os a ler à minha professora de português do oitavo ano. Levava um soneto quase perfeito, uma coisinha de arrancar Ohs de espanto e admiração no meu entender. Mas a professora não me deu grande saída: foi cortês e elogiou-me apenas o suficiente. Não sei onde pára esse dossier, perdido eventualmente lá na terra entre antigos livros escolares e testes com boas classificações.
Depois vieram os caderninhos dos mais variados tamanhos e feitios, muitos deles com capas às flores, uma colecção que me faz viajar até aos anos noventa da minha juventude e início da idade adulta. Neles tantos desabafos e dores de cotovelo, numa insatisfação sem nome, cantiga da mó de baixo.
Num dia de 2008 - e aqui muitos já sabem sobejamente onde isto vai parar - iniciei o blog dos Provérbios Provados que acabou por me trazer a vós: uma página onde escrevo pequenos textos, rimas de pé quebrado e verso branco a partir de provérbios e expressões idiomáticas. Pelo caminho, um livrinho de poesia publicado em 2018, um projecto de contos já pronto a editar, um romance sensivelmente a meio.
Fui perdendo a vergonha de mostrar o que escrevo, apesar de saber que muitas vezes não tem a qualidade que gostaria. A literatura sempre a coisa mais importante da minha vida. O sonho que me salva, que me faz respirar e ter a pretensão de ajudar também outros a respirar

- O sonho comanda a vida

(Escrito em 2019)

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