Provérbios Provados noutras casas:

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Provérbio provado rimado - MCDXLIII

Podes saber o que vales 
Sem ser preciso um desenho 
Mas és um senhor não-te-rales 
Com nível zero de empenho 

Quem atrás de ti passar 
É bom que feche a porta 
Pois não te vais inquietar 
Se fica aberta ou torta 

Como tu nunca vi ninguém 
Assim tão despreocupado 
Olhando até com desdém 
Quem te considera alheado 

Protelas o que há a fazer 
Já que tu nada valorizas 
Deixando o marfim correr 
Enquanto o amanhã profetizas 

Mesmo o que podias mover 
Hoje sem nenhum problema 
Vais para depois remeter 
É esse o teu estratagema 

Ocupas o tempo a ouvir 
A relva a crescer lá fora 
Sem conseguires discernir 
Quando é chegada a hora 

De todo esse pó sacudires 
E dares o primeiro passo 
Vando que ao conseguires 
Te passará o cansaço 



Provérbio provado rimado - MCDXLII

De olheiras sempre cansado 
Repete muito o bocejar 
E tem aquele ar estremunhado 
De quem acabou de acordar 

Ao longo do dia a postura 
Grande coisa não se desvia 
E tão dificilmente se atura 
Essa escassez de energia 

A um pé ele pede licença 
Se é para o outro mexer 
E mais parece doença 
De que tem de convalescer 

Após qualquer movimento 
Sente um cansaço tremendo 
A força do próprio vento 
O corpo lhe vai distendendo 


Provérbio provado rimado - MCDXLI

Um pau que nasce torto 
Tarde ou nunca se endireita 
Das regras vive absorto 
E poucos avisos aceita 

Proveio do ramo errado 
Duma raiz displicente 
Ou foi talvez enxertado 
Num arbustivo diferente 

Quando já nasce torcido 
Não vai fazer ângulo recto 
Mesmo se foi prometido 
Viver segundo um decreto 

Prefere fugir à norma 
Os próprios preceitos inventa 
Enquanto ideias transforma 
A insanidade sustenta 

Se lhe apontam o dedo 
Por se mostrar dissidente 
Respira fundo sem medo 
Continua desobediente 

(Ilustração: Rui Louraço)


Provérbio provado rimado - MCDXL

Eu como sem mastigar 
O que pela boca passar 
E nem respiro nem nada 
Sou muito precipitada 

Como uma garfada num trago 
Dispenso o arroz bago a bago 
E sem degustar o recheio 
O papo fica logo cheio 

Assim num único piscar 
De olhos consigo tragar 
Qualquer vulgar refeição 
Seguindo para a digestão 


quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

Provérbio provado rimado - MCDXXXIX

Todo o homem sem excepção 
Possui uma forte aptidão 
Para enfrentar a mudança 
Sem nunca perder a esperança 

Seguir pela estrada em frente 
Precisa de força aparente 
Mas para a rota inverter 
Não pode a mudança temer 

Pois qualquer arrependimento 
Só vem atrapalhar esse intento 
E faz qualquer mudança atrasar 
Por somente o passado pesar 

Trazer uma bagagem pesada 
Para um novo caminho na estrada 
Só enche a cabeça já cheia 
Não é assim boa ideia 

Tudo o que passou é passado 
E não pode depois ser mudado 
Que não seja então como um muro 
Mas sim uma lição para o futuro 


Provérbio provado rimado - MCDXXXVIII

Tanta coisa e tanta promessa 
Tanta vela assim desfraldada 
Tanta vénia no leito com pressa 
Tanta outra bem mais demorada 

Para no fim feitas as contas 
E com a dívida já saldada 
Soubeste dirigir-me afrontas 
Como se eu não valesse nada 

Só recordo a tua despedida 
Por ter sido tão mal amanhada 
Tu passaste pela minha vida 
Para me deixar abandonada 

Quiseste deixar-me na mão 
Com uma expectativa frustrada 
Duvidei se a tua intenção 
Foi de facto premeditada 

Que por tal jamais esperei 
Desse modo ficar pendurada 
Foi a ver navios que fiquei 
Quando partiu a armada 

Ai que sorte marreca a minha 
Restou-me a mão esvaziada 
Para um novo começo sozinha 
Não me sinto vocacionada 


Provérbio provado rimado - MCDXXXVII

O Tomás anda feito num caco 
Porém não dá parte de fraco 
Meteu uma mudança qualquer 
Aguenta tudo o que vier 

Está sempre em alta frequência 
Ao menos no que é aparência 
Ele não acredita na sorte 
É por isso que se faz de forte 


sábado, 22 de fevereiro de 2025

Provérbio provado rimado - MCDXXXVI

Aonde houver choradeira 
Não te ponhas a cantar 
Pois parecerá brincadeira 
Tal mágoa não considerar 

E mesmo se não chorares 
Trauteia uma canção triste 
Para recordar aos teus pares 
Que a empatia existe 


Provérbio provado rimado - MCDXXXV

O Marco é de Olhão 
E joga no Boavista 
A tudo presta atenção 
Com uma veia de corista 

Sempre que bate um coro 
Toda a donzela desmaia 
Investe tal como um touro 
E depois morre na praia 


Provérbio provado rimado - MCDXXXIV

Eu não sou uma pipoca 
Mas também dou uns saltinhos 
Quando a campainha toca 
No rés-do-chão dos vizinhos 

Tão pouco serei um peixe 
Mas nas tuas águas eu nado 
Até que alguém se queixe 
De não apanhar o pescado 

Também não sou polegar 
Que anda sempre à boleia 
Até vir alguém e travar 
E sem fazer cara feia 

Qualquer aparência ilude 
Mesmo se parece verdade 
Eu fiz os versos que pude 
Tal como ditou a vontade 


Provérbio provado rimado - MCDXXXIII

A Marina já é entradota 
Os filhos chamam-lhe cota 
Mas quer parecer mais novinha 
A idade ninguém lhe adivinha 

Ela quer encurtar o passado 
Com o seu cabelo platinado 
Porém a cada ruga nova 
Fica mais perto da cova 

Com um cabelo de liceu 
Apresenta cara de museu 
Já tem uma artrose num dedo 
Cuidado que isso é segredo 

Posto isto a nossa Marina 
Há muito que não é menina 
Embora vá tentando enganar 
Aqueles com quem quer privar 


Provérbio provado rimado - MCDXXXII

Alimentações refinadas 
Não se fazem de almoçaradas 
E se cedes a tais loucuras 
Irás rebentar plas costuras 

Fixa então esta doutrina 
Que diz que comida fina 
Quando cai em corpos grossos 
É certo que faz mal aos ossos 


Provérbio provado escaldado

O gato era a sua principal companhia. Zacarias, era assim o nome do gato. A dona chamava-se Gertrudes e era apenas dona de si mesma, desde que o ninho se esvaziara com a ausência dos dois rapazes.
O Júlio emigrara para um país estrangeiro; tão longínquo que eram necessários dois dias de viagem para cada lado entre cada lar. Por isso, só visitava a mãe Natal sim Natal não.
Quanto ao Rafael, a mudança não fora tão expressiva, uma coisa de poucos graus de latitude. Não emigrara realmente, mas vivia de tal forma apartado da mãe e das suas necessidades, que a Dona Gertrudes sentia que aqueles vinte minutos que ele percorria para chegar à residência materna lhe eram mais penosos do que o tempo que o irmão passava entre aeroportos.
Por causa disso, evitava telefonar para lhe pedir fosse o que fosse porque sentia que o filho só aparecia por obrigação. O Rafael cumpria o seu papel de filho até onde lho ditava a consciência, com os mínimos de decência e solicitude nas suas raras visitas de médico, tendo presente que a mãe cuidara dele e do irmão em crianças. Na ausência do Júlio, o Rafael diligenciaria para que cuidassem da mãe, quando esse apoio não pudesse mais ser adiado.

Já tinha acontecido aquando da cirurgia. O pós-operatório complicara-se e, naturalmente, a cama de hospital não tinha residente titular e era impossível continuar a recuperação sozinha em casa. 
Casa de repouso, era assim que chamavam àquele sítio para onde a levaram de seguida. Era mentira, o local nada tinha de casa nem lá se conseguia descansar, dado o coro constante de queixas e súplicas dos habitantes dementes que ali se limitavam a existir, rogos que de noite se transformavam em uivos.
A Dona Gertrudes ficara dois meses até se restabelecer, ganhar algum peso e recuperar a cor nas faces. Dois meses passados a rezar novenas para que o filho a levasse para fora daquelas paredes que aceleravam a morte.

Não tinha telefonado ao Rafael nenhuma das duas vezes que caíra já em casa. A anca ainda doía, os joelhos também, as costas curvavam-se-lhe, os ombros descaíam, mas essas dores e maleitas eram um segredo bem guardado. Entretanto as funções fisiológicas pareciam cada vez mais não depender da sua vontade, mas esse era mais um segredo, não fosse o filho achar que precisava de ajuda. Ela não queria voltar para aquele sítio nunca mais nem depender de auxílio para viver, isso seria como começar a morrer.

O gato era a sua única companhia. Mas o Zacarias desaparecia como um foguete sempre que a amiga Gertrudes, com os seus gestos trémulos, se aproximava da cafeteira onde aquecia a água para o chá.


- Gato escaldado de água fria tem medo 

domingo, 16 de fevereiro de 2025

Provérbio provado rimado - MCDXXXI

Tal como uma faca afiada 
É assim funesto o ciúme
E não lhe interessa pra nada 
Que corte a direito esse gume 

É avassalador e tão cego 
Procura com os olhos no chão 
Também se alimenta dum ego 
Que perdeu muita da noção 

Debruçado assim no umbigo 
Está então escondido o ciúme 
Impõe ao ser amado o castigo 
Da desconfiança vir a lume 

Tão alerta mas dissimulado 
Vive sempre no eterno pavor 
De ter nessa atitude mostrado 
Mais amor-próprio do que amor 



Provérbio provado rimado - MCDXXX

Para que circulem melhor 
Há que lhes olear o motor 
Já que rodas e advogados 
Não andam sem ser untados 



Provérbio provado rimado - MCDXXIX

O pássaro nasceu pra voar 
E não adianta prendê-lo 
Que logo deixará de cantar 
E até vai largar algum pêlo 

Assim triste e tão confinado 
Perderá nas penas a cor 
E não recordará ter trinado 
Um compasso com tanto ardor 

Essa casa onde o largaram 
Tem grades cinzentas por fora 
Desse modo o abandonaram 
Não pode voar por agora 

Protegida como uma guarita 
É por dentro oca de carinho 
Pode ser tal gaiola bonita 
Mas não engorda o passarinho 


Provérbio provado rimado - MCDXXVIII

Se por dentro clamas justiça 

Por teres sido prejudicado 

Não precisas rezar uma missa 

Para estares mais aliviado 


Ergue-te depois dessa queda 

E esquecendo o divino perdão 

Paga então na mesma moeda 

Com o pêlo do mesmo cão 



Provérbio provado rimado - MCDXXVII

Se como teu par me preferes 
E também tal desejo manténs 
Digo-te que se aqui me queres 
Será mesmo aqui que me tens 


Provérbio provado rimado - MCDXXVI

Sabes bem fingir que não sabes 
Representas a desentendida 
Até que qualquer dia acabes 
Por já não enganar à partida 

Mas até esse dia chegar 
Negas possuir quaisquer provas 
E então pões-te a disfarçar 
Enquanto te fazes de novas 

Fazes-te de Lucas e de Inês 
E esse nome está tão bem posto 
É assim que procedes à vez 
Se tens de evitar um desgosto 


Provérbio provado rimado - MCDXXV

Pode ser bom o isolamento 
Que de si ganha entendimento 
Assim cresce num passo maior 
Que resiste mais ao dissabor 

Torna-se mais forte e inteiro 
Buscando em si mesmo primeiro 
Como é e qual é a razão 
De às vezes querer evasão 

E desde que previna a fuga 
Que o pranto depois não enxuga 
Desde que ao olhar-se ao espelho 
Saiba oferecer-se um conselho 

Consegue a vida agradecer 
Sem só à depressão ceder 
E ao deitar dos olhos mais sal 
Saber que chorar é normal 

Está parado quem não falha 
E quem não acumula tralha 
Para dela a seguir se livrar 
Nessa acção de se libertar 

Pois existem dois lados na vida 
Pode ser mais feliz ou sofrida 
E é saudável que nela se aprenda 
Que é sempre possível emenda 

Poder dar a volta por cima 
Qualquer ser humano anima 
Ao ver que a contrariedade 
É só parte da realidade 

Há na vida um lado contente 
Que somente a angústia desmente 
E é essa porção saborosa 
Que faz com que seja fabulosa 


Provérbio provado rimado - MCDXXIV

Quem és tu e como te coses
E como te escondes dos algozes?
Que fazes com essa descoberta 
Sempre que a angústia aperta?

Como afastas o tal embaraço 
Dum recente e redondo fracasso?
Como sais a porta com coragem 
A seguir a mais uma paragem?

Porque não te cobres de vergonha 
E apresentas lavada a fronha?
Que fazes da desculpa constante 
Que perdoa cada novo instante?

Como ser tu mesmo consegues 
Se tantas imagens persegues?
Como obténs essa identidade 
Que te faz um ser de verdade?

Como operas na vida a luta 
Que exige frequente permuta?
E como te absténs de vender 
A alma que ninguém pode ler?

Que o Diabo está interessado 
Que abdiques dela um bocado 
Como evitas tal tentação 
Que te coloca em exposição?

Como vives se o mafarrico 
Te puser a alma num fanico?
E depois a quem fazes queixinha?
Dirão que bates mal dessa pinha 


Provérbio provado rimado - MCDXXIII

Quem sente a tal solidão 
No meio de uma multidão 
Repara que o seu vizinho 
Também se sente sozinho 

Tão próprio dos seres humanos 
Para lá dos gostos mundanos 
Sentirem-se incompreendidos 
Todos afinal tão parecidos 

No acto de qualquer nascimento 
Tão sós estão nesse momento 
Nem mesmo quando a morte chega 
É que essa sensação sossega 

Podem ter um grupo enorme 
Que as gentes junta conforme 
Tenham afazeres similares 
Reunindo com os seus pares 

Podem estar numa relação 
Que não finda em separação 
Ter vários filhos em escadinha 
Ter uma família que alinha 

Nem mesmo essa vida perfeita 
Impedirá que a maleita 
De tanta solidão sentir 
Negando-a porém a mentir 

As fraquezas individuais 
Em grupo são mais reais 
Mas viver mal acompanhado 
É pior do que estar isolado 

Quem está só tem a vantagem 
De não se perder na mensagem 
Vive com quem sabe pensar 
Evitando então dispersar

Evitando também a desculpa 
De varrer para os outros a culpa 
Por a si mesmo aconselhar 
E assim só a si lamentar 


Provérbio provado de um sótão transformado

Ainda o prédio não obtivera a licença de habitação, já a Sandra preparava o sótão do seu novo apartamento para que lhe servisse de casa ao negócio.
Sim, porque a Sandra estava cansada dos acordos pouco claros que fora estabelecendo com os vários salões de cabeleireiro onde havia colaborado. Suava as estopinhas e as axilas para, no fim de cada serviço, serem as gestoras do espaço a lucrar a maior percentagem.
Não, senhor, acabara-se a mama! Doravante tudo seria ganho, depois de estar pago o investimento inicial. Geriria as marcações como bem lhe aprouvesse, sendo dona e senhora do seu espaço e da sua agenda.
Assim sucedeu e assim foi crescendo como profissional. Já estavam longe os tempos de actividade em que tinha cometido muitos erros de principiante. E, como acontecia a qualquer bom principiante, a repetição diminuia a visibilidade do erro a cada nova tentativa.

Até que chegou um belo dia em que a Sandra, ambiciosa que só ela, quis ascender mais um patamar. Já dera para o peditório da esteticista suburbana, farta de recusar fiado e de ser procurada apenas para tapar imperfeições. Desejava ser contratada como especialista em trabalhos de qualidade, feitos de raiz. Tratamentos completos de pele, depilações definitivas e manicures à francesa. Foi então que decidiu encerrar o salão do sótão, esse espaço exíguo onde a sanita portátil estava separada da marquesa por uma fina folha de pladur. Esse espaço onde durante mais de oito anos não passara um único recibo. Entonces hasta la vista, ausente de emoção, a Sandra despediu-se das antigas clientes. Mudou-se para a outra margem do rio, com a esperança de que em terras de Azeitão as senhoras fossem mais refinadas.


- É na cara dos pobres que os barbeiros aprendem 

Provérbio provado rimado - MCDXXII

Quando os animais falavam 

As galinhas ainda tinham dentes 

Nesse tempo tanto ensinavam 

Mesmo aos que não eram crentes 


Hoje em dia ficaram mudos 

Mas há uns animais a escrever 

Que auferem bolsas de estudos 

Que só nos fazem encolher 


Pois nada do que eles debitam 

Pode ser fresco e original 

Porque o pensamento limitam 

Produzindo uma prosa banal 


Tão atados nos seus arrebites 

O seu verbo é muito contido 

Criando em cima de limites 

Sem ter nenhum sonho percorrido 


É tamanha a falta de visão 

Sem ter asas e sem ter escadas 

E o ensejo habita a prisão 

Sem vontade de galgar estradas 


Esse medo de mais infinito 

Faz com que estejam de joelhos 

Calando na garganta o grito 

Torna-os em novos tão velhos 


Até podem ter muito sucesso 

E acreditar-se diferentes 

Já que aquilo que têm impresso 

Vende como pãezinhos quentes 




Provérbio provado rimado - MCDXXI

Se à noite choras pelo sol 
Não consegues ver as estrelas 
Mais vale que subas o lençol 
Continuas sem poder vê-las 

Não vês na madrugada magia 
Gostas de ângulos definidos 
Crês que o dia tem mais esquadria 
Do que a noite e seus desmentidos 

Lá no fundo não és excepção 
Por amares o sol nascente 
Que reúne mais adoração 
Do que ganha o sol poente 


sábado, 15 de fevereiro de 2025

Provérbio provado rimado - MCDXX

Parecido com um duende 
Todo o parzinho o defende 
Até ser um deles preterido 
Então é um mauzão o Cupido 

Traz um arco e flecha consigo 
Dito assim parece um perigo 
Sempre que uma vítima escolhe 
Logo esse coração se encolhe 

Com tal seta é preciso cuidado 
Quem a sente fica enamorado 
Se não queres que te encontre 
Não te ajeites com ela defronte 

Para não seres sacrificado 
Por um Cupido equivocado 
Disfere a tua própria flecha 
Onde algures vires uma brecha 


Provérbio provado rimado - MCDXIX

És como uma espécie de cobra 
Que quando lhe convém se dobra 
Tem cuidado pra não te morderes 
E do próprio veneno morreres 

Qualquer tua picada é mortal 
Está provado e é factual 
E é independente da dose 
Que colocas durante tal pose 

Vais decerto um dia provar 
Do que fazes outros experimentar 
E então saberás em pleno 
A que sabe tão forte veneno 


Provérbio provado rimado - MCDXVIII

Qualquer coração tem razões 
Que mesmo a razão desconhece 
E apesar de ter desilusões 
A batida nunca esmorece 

Ao sentir-se tão magoado 
Esse tal coração só suspira 
E então fala demasiado 
Por não reconhecer a mentira 

É tal e qual uma criança 
Que deseja tudo o que vê 
Imbuído de tanta esperança 
Espera mas não sabe o quê 

Para onde ele se inclina 
O pé em seguida caminha 
E porque essa rota o fascina 
Esquece assim ao que vinha 

É terra aonde ninguém vai 
Por ter um pulsar misterioso 
Ele é do amor então pai 
Se este crescer vagaroso 

Mas se ao invés tiver pressa 
E acabar por ir ao engano 
Com cegueira depois recomeça 
Indiferente ao que seja mais dano 


Provérbio provado rimado - MCDXVII

A Maria Simões é ladina 
E entende que nesta altura 
Já não sendo nenhuma menina 
Começa a cair de madura 

Após viver a menopausa 
Sente-se mulher experimentada 
Por saber que a vida é a causa 
E o efeito uma grande embrulhada 


Provérbio provado rimado - MCDXVI

Eu sou a Margarida Batista 
E sou uma espécie de artista 
Sou a dona aqui da casinha 
Que administro sozinha 

Eu adoro tanto os ditados 
Que só quero vê-los provados 
Os provérbios e outras expressões 
Despertam-me muitas emoções 

Eles são o mote literário 
Que compõe este meu fadário 
De a partir deles escrever 
E assim tantas folhas encher 

Não importa como me visto 
Se eu neste projecto persisto 
Pois pla obra e não plo vestido 
Deve ser um homem conhecido 


Provérbio provado rimado - MCDXV

Aquele que nada faz 

Nada irá compreender 

Se é de acção incapaz 

Assim não irá aprender 


Fica ali em figura de espera 

A ver quem é que faz primeiro 

E dificilmente coopera 

Não se presta jamais por inteiro 


Não se sabe se é preguiça 

Resistência à progressão 

Ou se nada o enfeitiça 

Nada lhe empresta tesão 


É assim o jovem preguiçoso 

Que para poupar uma passada 

Dá pois oito de modo ocioso 

Tendo a meta assim mais afastada 



Provérbio provado rimado - MCDXIV

Lembra-te de cavar o poço

Ainda antes da sede surgir 

Ou experimentarás alvoroço 

Por teres de a água medir 


Pois enquanto este não seca 

Mesmo antes de vir o calor 

Beberes uma simples caneca 

É algo a que não dás valor 



sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Provérbio provado rimado - MCDXIII

Quanto mais são os espaços vazios 

Mais ar neles vai circular 

Quando chegam os primeiros frios 

Mais pessoas se irão constipar 


Se aumenta a probabilidade 

De descer a temperatura 

Haverá mais sensibilidade 

Nessa do que noutra altura 


Nos espaços dos corações 

Acontece da mesma maneira 

Tal como nas quatro estações 

Têm sua sezão costumeira 


Cavidades em número par 

Com tecido a fazer divisão 

Paredes capazes de abrigar 

Uma ou outra desilusão 


Sempre a bater compassado 

Oxigenando os pulmões 

Quando está muito acelerado 

Parece que levou empurrões 


Às vezes muda de lugar 

E desce para o intestino 

Se tem de algo suportar 

Que lhe provoca desatino 


Nesse acto adquire nobreza 

E domina o que é compulsão 

Vencendo a própria fraqueza 

Vai fazer das tripas coração 



sábado, 8 de fevereiro de 2025

Provérbio provado engravidado

Chega-te cá, mulher, arrima-te, ó Celeste! Que eu tenho uma coisinha para te contar e as paredes têm ouvidos. Principalmente as paredes ali da Eugénia, aquela mula que não tem outro nome, Deus me perdoe.

Tu já sabes da garota da Maria do Céu? Ai não? Pois aqui ta desmonto toda em primeira mão. É que nem que passasses a tarde inteira a tentar adivinhar... Não é que a miúda ainda há pouco tempo espigou? E sempre metida consigo própria, sem dar confiança a ninguém, até uns simples bons dias lhe custa oferecer, que coisa! Uma sonsinha das boas, parece que não parte um prato, não é mesmo, Celeste?

Pois, olha, mas arranjou aquilo e, pelo que ouvi contar na mercearia, já deve ir em quatro meses, embora ainda não atire a barriga para a frente. A Luzia, que vive lá ao lado, até me afiançou que anda com umas roupas largueironas para atrasar mais o disfarce. A miúda anda encostada aos cantos, passa de fugida com a cara no chão para não responder a perguntas. A Maria do Céu é igual, evita conversar com as vizinhas, já nem vai à carrinha do peixe.

O pai da criança? Isso é que já não sei, filha, é um mistério maior do que o da criação. Ninguém sabe, aliás. A garota lá há-de saber, mas tem vergonha de contar. Mais um bebé no mundo sem ter a quem chamar pai, é o que me parece que vai acontecer... Aquilo foi um deslize ou, pior ainda, foi atirada ao chão no milheiral, como dantes acontecia às mulheres que andavam à jorna.

Olha, Celeste, aquela ali foi de criança a mulher mais rápido do que leva a tomar o corpo de Deus. Que Ele lhe dê uma boa horinha, é o que lhe desejo.


- Ter uma hora pequenina 

Provérbio provado de um património mal contado

O mais velho chamava-se Duarte Maria e o irmão mais novo era o Bernardo Maria. Cada um tinha cinco apelidos, entrelaçados num hífen tão bem posicionado que quase entregara um brasão à família Constantino. Não importava que não o tivessem recebido: tinham dinheiro suficiente para plantar quantas árvores genealógicas desejassem.
Ao Duarte e ao benjamin Bernardo fora proporcionada uma educação de excelência, uma vez que a mãezinha não queria misturas com a escola pública. 
Como tal, com o devido acordo do progenitor, fora contratado o perceptor que trouxera, de entre todos os candidatos, as credenciais mais limpas. Se as havia forjado, não se sabe; o senhor Humberto era dedicado e não sentia dificuldade de maior em disciplinar aqueles dois jovens, mais habituados às estufas do que aos campos. 
Campos esses que em todo o redor - um redor mais vasto do que qualquer vista conseguia alcançar - lhes pertenceriam um dia e depois deles aos seus filhos e netos e restante parentela. Mas não ainda, não ainda.

O pai dos rapazes provinha de uma família de lavradores remediados que haviam amealhado o seu pecúlio à custa de uma receita secreta de vinho doce, encontrada por acaso numa escrivaninha no sótão de uma tia junto a um pau de lacre e uma vela meio ardida.
Engarrafaram-no e deram-lhe o nome de Engrácia, em homenagem à tia que morrera deixando a galinha dos ovos de ouro em formato de papel amarelecido com três ingredientes e uma breve descrição.
O pai tinha conseguido introduzir o vinho Engrácia nos jantares mais distintos da região, tendo depois chegado de boca em boca aos chiques salões da capital. Por essa altura, o digestivo já era um sucesso, apreciado sobremaneira pelas senhoras mais requintadas. E também era beberricado pelos cavalheiros quando recolhiam às salas onde enchiam velozmente os cinzeiros no meio de uma espessa fumaça. Foi um desses senhores que levou, no que havia de ser um golpe de sorte, uma caixa do vinho para o estrangeiro. O sucesso da marca Engrácia galgou fronteiras.

Assim é contada a história do enriquecimento célere dos Constantino. Pelo menos é esta a versão oficial. Porque os boatos foram sendo silenciados de forma abrupta e algo misteriosa. Uma das meninas que conseguira fugir de um dos prostíbulos, ficara-se pela intenção de chegar à esquadra. Uma queda a meio caminho que lhe dera a morte, pobre Mariana.


- Os cinzeiros e os ricos quanto mais cheios mais sujos

Provérbio provado rimado - MCDXII

Ó Santa Maria Senhora 
Que lá de cima observas 
Tu que não és pecadora 
E a castidade preservas 

Concede -me lá uma graça 
Sou tão humana que erro 
E que por mais que eu faça 
Tamanha lascívia encerro 

Se o teu acto de parir 
Foi um milagre divino 
Ajuda-me a discernir 
Como fizeste o Menino 

Assiste-me neste projecto 
Preciso de algum folguedo 
Mas face a um falo erecto 
De engravidar tenho medo 

Não tens sombra de pecado 
Assim tu dás a entender 
Apoia o meu plano traçado 
De pecar sem depois conceber 



Provérbio provado rimado - MCDXI

Quem leva o bolso vazio 
Tem em vez de ouro ar frio 
Anda sempre numa corrida 
Que lhe torne mais fácil a vida 

Acumula vários biscates 
Que jamais lhe rendem quilates 
Transporta consigo a marmita 
Lamentando a sua desdita 

E ao fim do dia ao chegar 
Tão cansado avista o lar 
Sabendo que em cima da mesa 
Há pão rijo com toda a certeza 

No entanto tem a porta aberta 
Generoso com toda a oferta 
Pois à mesa de quem é pobre 
Sempre há algo que sobre 


Provérbio provado rimado - MCDX

Não escrevas nunca fingindo 
A tua dor que existindo 
Te fica presa nos dedos 
Para iludir os teus medos 

Se não sentes a alegria 
Não digas que tanta magia 
Te atravessa todo inteiro 
Esse teu fulgor de guerreiro 

Não mintas principalmente 
A ti próprio como descrente 
Que é um peditório acabado 
Seres um poeta mascarado 

Tu aceita que está na hora 
De deixar tal farsa de fora 
Sê tu mesmo mesmo se implica 
Que ninguém teu verso critica 

Não interessa se prémios perdeste 
Porque tu batota não fizeste 
Não lamentes entristecido 
Seres um ilustre desconhecido 

Quem se vende não tem almofada 
Que lhe dê noite descansada 
E não é verdadeiro consigo 
Tudo faz para vender um artigo 

E então a partir dessa altura 
A fraude não mais terá cura 
É igual ao poeta castrado 
A tantos altares subjugado 


Provérbio provado rimado - MCDIX

Se tendes à reprodução 
Daquilo que é boa acção 
Recebeste uma influência 
Que trouxe mais consciência 

Mas se imitas pelo contrário 
Qualquer desfalque ordinário 
Então podes ser manobrado 
Por alguém mal intencionado 

Terás enfim de decidir 
Para qual dos lados cair 
Pois sempre te vão comparar 
Com os que escolhes andar 

Como tal vê a companhia 
Que te dá uma boa energia 
E se esta não for bem certa 
Uma vista fechada outra aberta 



Provérbio provado rimado - MCDVIII

Tens um par de mestrados 

E mais um doutoramento 

E geres bens importados 

Que te asseguram sustento 


Da junta o presidente 

Do clube o manda-chuva 

Em tudo és mais inteligente 

Do que quem te coadjuva 


Com tal tamanho te sentes 

O mais importante em redor 

Mas escondendo só mentes 

Porque te achas o maior 


Sofres de uma patologia 

Que não é senão arrogância 

Por teres tão grave mania 

De exagerada importância 


Quando os demais te descrevem 

E o ego ninguém te afaga 

Acreditas que todos te devem 

Mas nenhuma pessoa te paga 



sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Provérbio provado rimado - MCDVII

É um grande mestre o amor 

Que ensina de uma só vez 

Pode ser melhor ou pior 

Mas não admite um talvez 


Contudo a palavra exagero 

Não existe no seu dicionário 

Pois desde que seja sincero 

Tem um novo vocabulário 


E quando ele surge de frente 

Ninguém lhe diz que não vai 

Ninguém se afirma descrente 

Dessa religião que não cai 



Provérbio provado rimado - MCDVI

Há um qualquer deslumbre 

Naquilo que tu me transmites 

Por isso dá-me um vislumbre 

Se é que assim o permites 


Não escondas a tua emoção 

Levanta a ponta do véu 

E nada receies João 

Dou-te tudo o que é meu