O Ricardo era o irmão do meio e o mais equilibrado dos três. O mais velho era um estroina que só queria carros e mulheres de alta cilindrada. O mais novo também gostava de viaturas potentes, sendo no entanto sempre fiel à mesma namorada de infância: uma loura alta e estonteante que exigia alta manutenção e lhe fazia a cabeça em água.
O Ricardo tinha o seu Fiat que fazia um barulho de charrete e o seu metro e sessenta de Fátima, a namorada desenxabida que vivia numa cidade distante onde passava os dias enfiada num laboratório farmacêutico a trabalhar.
Os pais confiavam no Ricardo para gerir o negócio familiar. A bem dizer, os três irmãos tinham a tarefa entre mãos, sendo que o mais velho contactava directamente com os fornecedores e ao mais novo cabia a gestão de marketing, mas no fim das contas sobrava tudo para o bom do Ricardo pois, entre as ressacas de um e as escapadelas românticas do outro, este era sábio, constante e diligente e não deixava ninguém pendurado.
Até que um dia os pais, já entradotes na idade, resolveram ir gozar a reforma dourada num país dos trópicos e reuniram os três filhos para lhes comunicarem a decisão da divisão do negócio em partes iguais. Assim mesmo, sem tirar em pôr: um terço para cada um, trinta e três vírgula três três três por cento para cada um.
O mais velho sorriu satisfeito. O mais novo sorriu satisfeito. O Ricardo deixou cair os cantos da boca, começou a enrubescer, a enrubescer, até ficar com a cara em brasa e, de repente, saltou como uma mola da cadeira onde estivera até então sentado, crispou os dedos raivosos nas costas da cadeira e atirou-a com força na direcção dos expositores onde se dispunha todo o merchandising negocial. Finaram-se um a um, não sobrou pedra sobre pedra, ou melhor estilhaço sobre estilhaço. No fim de partir tudo à sua volta, Ricardo sorriu satisfeito.
- Quando a raiva chega, a sabedoria parte
terça-feira, 26 de maio de 2020
Provérbio enraivecido
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